Kiss – Creatures of the Night: curiosidades sobre a gravação e a primeira visita ao Brasil
Hoje é a vez da primeira matéria publicada por Davi Pascale (Publicada originalmente em 02 de fevereiro de 2011)
Em 1982 o quarteto norte-americano passava por uma crise. Seus álbuns anteriores – Unmasked (1980) e Music From the Elder (1981) – haviam fracassado. E o pior de tudo, Ace Frehley – guitarrista idolatrado por grande parte dos fãs – estava fora da banda. Paul Stanley e Gene Simmons queriam o prestígio de volta, queriam fazer jus ao slogan “the hottest band in the world” mais uma vez e, para que conseguissem atingir seus objetivos, se cercaram de um time de profissionais a fim de que fossem capazes de alcançar o resultado que desejavam. Muitos se perguntam o porquê de não haver créditos aos músicos que participaram da gravação dessa vez, lembrando que nas gravações do álbum Unmasked, Peter Criss já estava fora da banda e mesmo assim os créditos existiram. Sua imagem aparecia na capa e seu nome constava como integrante da banda puramente por questões contratuais. No encarte, contudo, havia a informação de que a bateria havia sido gravada por Anton Fig. Exatamente, o mesmo que se juntou ao Frehley’s Comet anos mais tarde. Em Creatures of the Night a razão é simples. Houve tanta gente envolvida que não haveria espaço suficiente na capa para creditar todos os participantes. Para evitar quaisquer problemas, legais ou pessoais, todos foram deixados de fora.
Capa original de Creatures of the Night |
Outra dúvida constante é a respeito da entrada de Vinnie Vincent no conjunto. Muitos dizem que o estilo dele não combina com o Kiss. Para entender isso, precisamos voltar um pouquinho no tempo. Em 1979, Paul Stanley produziu o disco de uma banda de Boston chamada New England, que havia sido descoberta por Bill Aucoin, empresário do Kiss. Foi ele quem recomendou o nome de Paul Stanley como produtor. Pouco tempo depois a banda anunciou seu fim. Em 1982, três ex-integrantes (Gary Shea, Hirsh Gardner e Jimmy Waldo) resolveram formar um novo conjunto. O novo projeto se chamava Warrior e trazia como guitarrista e compositor um rapaz chamado Vincent Cusano, que adotaria a alcunha de Vinnie Vincent. Os rapazes gravaram uma demo nesse período, da qual faziam parte canções como “Back on the Streets”, “Boyz Are Gonna Rock” (mais tarde regravadas pelo Vinnie Vincent Invasion) e “I Love It Loud” (regravada pelo Kiss). Eles registraram o material na sala ao lado da qual o Kiss estava utilizando para ensaiar e compor o material para o álbum Creatures of the Night. Impressionados com a qualidade do material que ouviram, Gene e Paul resolveram convidar o guitarrista para o grupo.
A escolha parecia perfeita. Vincent era jovem, tinha visual, técnica, compunha bem e era desconhecido do grande público. Pode parecer bobagem, mas na época isso pesou muito para a escolha do guitarrista. O Kiss ainda usava maquiagem, grande parte de seus fãs não conhecia seus rostos e eles queriam manter o mistério no ar. Sem contar que estavam interessados pelo lado compositor de Vincent. Paul Stanley e Gene Simmons queriam fazer um álbum pesado, mas não tinham confiança nas músicas que haviam escrito. Sentiam falta de alguma coisa. E, segundo eles, não havia material suficiente para encher um disco. Entre as músicas que Vinnie Vincent trouxe para o disco estavam “Killer”, o megahit “I Love It Loud” e a balada “I Still Love You” (escrita em parceria com Paul Stanley). “Back on the Streets” e “Betrayed” – também de autoria de Vinnie – foram gravadas pela banda, mas foram deixadas de fora da versão final.
Capa do compacto contendo “Killer” e “I Love It Loud” |
Além de Vinnie, outros guitarristas participaram do projeto. Os músicos já sabiam que não fariam parte da banda. A ideia era que participassem de alguma música ou trecho específico. Alguns nomes que participaram das sessões de guitarra foram Robben Ford (guitarra solo em “Rock and Roll Hell” e “I Still Love You”), Steve Farris e Adam Mitchell (ambos em “Creatures of the Night”), além dos irmãos Kulick: Bruce – que mais tarde se juntaria ao grupo – e Bob. O segundo participou de “Danger”, enquanto que de Bruce não constam registros oficiais de qual(is) faixa(s) ele realmente gravou, há quem diga até que tudo não se passa de um boato, mesmo caso do até então desconhecido Doug Aldrich (atual Whitesnake). Ace Frehley aparece na capa e no videoclipe de “I Love It Loud”, mas não participou da gravação do disco. Mais uma vez, questão contratual. Existiu um boato que durou muito tempo dando conta que Ace teria gravado a guitarra solo de “I Love It Loud”. A confusão aconteceu por conta de sua participação no vídeo. Quem gravou o solo da música, no entanto, foi Paul Stanley.
Outro instrumento que contou com os préstimos de outros músicos foi o baixo. Além de Gene Simmons, participaram das gravações Jimmy Haslip (ex-Blackjack) na faixa “Danger”, Eric Carr em “I Still Love You” e Mike Porcaro (Toto). Os músicos não se lembram qual faixa foi gravada por Porcaro, mas existem fortes indícios de que tenha sido a faixa-título.
Uma curiosidade interessante é a contribuição do artista pop canadense Bryan Adams e seu parceiro Jim Vallance como compositores. A dupla colaborou em duas canções no disco: “Rock and Roll Hell” (inspirada em “Rock n’ Roll Nights” do Bachman-Turner Overdrive) e “War Machine”. Gene Simmons comenta sobre “War Machine” no Kiss Box Set: “Essa música começou com um sintetizador. Estava gravando algumas demos em um porta-estúdio de quatro canais na minha casa e queria tentar algumas coisas novas. Peguei o sintetizador que havia comprado, comecei a brincar e nasceu o riff de ‘War Machine’. A música gira em torno do riff. Ele nunca para. Michael James Jackson me sugeriu trabalhar junto com um novo compositor que estava em ascensão chamado Bryan Adams e seu parceiro Jim Vallance. Escrevemos juntos ‘War Machine’ e ‘Rock and Roll Hell’, ambas presentes em Creatures of the Night“.
A dupla – Bryan e Jim – ainda escreveu uma música com o falecido baterista Eric Carr durante as sessões. Eric gravou “Don’t Leave Me Lonely” sozinho, tocando todos os instrumentos (guitarra, baixo, bateria, percussão e vocal). O baterista declarou certa vez que existe uma gravação masterizada dessa faixa. Ele dizia que era fácil de identificar por causa do som de bateria. Segundo ele, o mesmo de Creatures of the Night. Essa canção acabou sendo descartada pelo Kiss (por não combinar com o resto do disco) e utilizada por Bryan Adams no álbum Cuts Like a Knife (1983).
O disco finalmente foi lançado em 28 de outubro de 1982. Paul Stanley costumava dizer nas entrevistas que ele representava o oposto de The Elder. Não é de se estranhar. Não é surpresa para ninguém que Paul não gosta do álbum antecessor. Diversas vezes o guitarrista e vocalista o considerou um erro.
Kiss em ação na turnê de Creatures of the Night |
Ainda em 1982 teve início a turnê “Creatures of the Night/10th Anniversary Tour”, que passaria pelo Brasil no ano seguinte. Os shows conturbados acabaram entrando para a história do grupo por duas razões: o recorde de público (130 mil pessoas no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro) e o último show com as tradicionais maquiagens (Estádio do Morumbi, São Paulo, em 25 de junho de 1983).A ideia era parecida com a turnê do álbum Unmasked. Uma vez que está difícil vender shows nos EUA, vamos a lugares onde nunca fomos! Os shows por pouco não foram cancelados graças ao atraso dos promotores brasileiros em pagar a banda, que se negava a viajar sem ter recebido. Durante a coletiva de imprensa realizada no dia 15 de junho, os integrantes do Kiss tiveram que responder perguntas infames sobre sacrifício de animais e rituais satânicos. Quem não se lembra da história dos pintinhos? Pois é… a banda não sabia nem do que se tratava, já que este é um boato tipicamente brasileiro. Na época, alguns jornalistas se lembravam de uma ave ter sido morta durante um concerto de rock com um cantor mascarado. Bem, o animal não era um pintinho, e sim uma galinha. E o incidente não foi em um show do Kiss, e sim de Alice Cooper em uma apresentação realizada em Toronto (Canadá), em 1969, quando o Kiss nem sequer existia. Essa situação deixou os músicos, que não estavam acostumados com esse tipo de acusação, desconcertados.
Para piorar a situação, os integrantes do Kiss não estavam acostumados com o clima. Doze seguranças que não falavam uma palavra em inglês foram contratados para cuidar da banda. O equipamento de som não era adequado. Além disso, os músicos tiveram algumas guitarras roubadas no aeroporto e uma parte do equipamento apreendido. Não é necessário explicar porque demoraram onze anos para retornar ao País… Para quem não se lembra, a segunda visita do Kiss ao Brasil ocorreu no festival Monsters of Rock, em 1994.
Capa da versão do álbum lançada em 1985 |
Paul Stanley e Gene Simmons se sentiam deslocados. Vinnie Vincent e Eric Carr, por sua vez, resolveram encarar numa boa. Vinnie trouxe sua esposa, Anne Marie, e encarou a temporada no Brasil como uma espécie de férias. Eric aproveitou o tempo livre para conhecer a vida noturna das cidades.
Uma curiosidade interessante é que justamente na apresentação de São Paulo, a última com maquiagem, o Kiss tocou “I Love It Loud” uma segunda vez no bis. Essa foi a única vez em que o grupo repetiu uma música do repertório em toda sua carreira.
Em 1985, a gravadora resolveu fazer uma nova edição do álbum. As faixas “Creatures of the Night”, “War Machine” e “I Still Love You” foram remixadas por Dave Wittman no Eletric Lady Studios, deixando o som da bateria mais magro. Para o projeto foi elaborada uma nova capa contendo uma foto da formação desmascarada, já com Bruce Kulick. A idéia era tentar aumentar as vendas do disco que Paul Stanley e Gene Simmons consideravam injustiçado. Vinnie Vincent nunca apareceu na capa de Creatures of the Night, embora exista uma versão bootleg com ele…