Alguns Bons Lançamentos de 2014

Alguns Bons Lançamentos de 2014

Hoje, a primeira matéria individual* Por Adriano “Groucho” KCarão (Publicada originalmente em 08 de janeiro de 2015)

Se, pra quem coleciona música, é comum pensar e ouvir falarem por aí em discos que compõem uma “discoteca básica”, seja de um estilo específico como o rock, seja de música em geral, no caso dos anos que correm, essa expressão, já questionável quanto às décadas passadas, perde quase todo o sentido. Afinal de contas, não há como adivinhar quais discos lançados agora farão sucesso agora ou nos próximos anos, quais terão maior influência sobre os rumos da música pop e daí por diante. Mais do que isso: somos, todos que agora vivem, responsáveis diretos pelo sucesso ou insucesso de tudo quanto é lançado no mercado da música! É como se acompanhar diretamente os lançamentos nos desse certa “autoridade” na hora de divulgar nossas preferências. Se não vejo sentido em alguém dizer que eu “devo” preferir o Badfinger ao Redbone, por exemplo, chega a ser ridículo que alguém afirme que eu deveria preferir Tame Impala à FKA twigs. Essa diferença básica me faz aproveitar, quando procuro música nova, pra fugir ainda mais das obviedades. E agora eu quero aproveitá-la também pra compartilhar um pouco do que tenho ouvido, permitindo aos possíveis leitores, a partir de alguma identificação que possam vir a ter com o texto, ir atrás de algumas coisas novas interessantes. Como não ouvi uma quantidade muito farta de discos, apenas alguns poucos que me chamaram a atenção, não farei um top 10 ou qualquer tipo de lista de melhores: aqui eu apenas exponho algumas dicas de bons álbuns, os melhores entre os poucos a que pude ouvir. Acho importante lembrar que são recomendações de um cara cujos ouvidos são mais antenados a produções das décadas de 60 e 70, com ênfase em música psicodélica, progressiva e experimental, mas que não se exime de ouvir quaisquer produções existentes, do synth-pop à chanson française. Não espere, portanto, ouvir falar sobre o novo disco de um Accept, Tom Petty ou Robert Plant da vida, ou sobre aquela banda com esplendorosos riffs sabbáthicos, nem muito menos sobre o vigésimo revival do rock sessentista, setentista, oitentista, noventista ou anopassadista. Quando paro pra ouvir discos dos anos 2010, procuro por discos com música criada nos anos 2010, afinal, pra ouvir sons do passado, prefiro ir direto na fonte. Dito isto, comecemos, pela ordem alfabética do primeiro nome de cada artista/banda. (As notas, seguindo o padrão do Rate Your Music, vão em uma escala de 0,5 a 5,0)

Angélique Kidjo – Eve 1

Conheci a famosa cantora do Benin (desde 1983 residindo na França) por seu disco Oremi (1998), do qual não tenho a menor lembrança, mas que na época achei demasiado pop e, portanto, decepcionante. Logo que ouvi este novo disco, tive uma sensação parecida, mas fui mais tolerante e paciente, e devo dizer que valeu a pena. Eve pode não figurar entre os melhores discos africanos que já conheço, mas é um trabalho gostoso de ouvir, principalmente em seus destaques: a faixa de abertura “M’Baamba (Kenyan Song)” (cuja estrofe é formada pela melodia da faixa 3, “Eva”), “Bomba”, “Kamoushou”, “Ebile” e seu maravilhoso trabalho de cordas (cortesia do famoso Kronos Quartet), que tem qualquer coisa de arranjos de salsa, e a mais ritmicamente africana “Bana”, cujo refrão se assemelha bastante à melodia de “Ninivé”, do primeiro disco de Kidjo, Pretty (1988). “Kulumbu” pode não ser tão boa como as citadas, mas além da participação mais que especial da lenda Dr. John, possui uma guitarrinha que é a cara dos grupos setentistas africanos, como a T.P. Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, também do Benin. Eve é, portanto, um disco muito bom e merecia uma capinha melhor.

Nota: 3,5

Actress – Ghettoville 2

Ouvir a música eletrônica da atualidade, em geral, é uma das maiores decepções pra mim, pois penso logo em como Neu! e Kraftwerk ou até Silver Apples e White Noise me surpreendem mais do que os atuais “cientistas do som”. E, assim como a eletrônica a serviço do pop, embora revolvendo o que se costuma chamar de “world music”, já podia ser encontrada em sua forma mais acabada em Wally Badarou, com o Front 242 do início dos anos 90 conheci a faceta mais macabra desse ramo da música. Mas devo admitir duas coisas: em primeiro lugar, se você esquecer um pouco o passado e se concentrar no presente, Ghettoville pode lhe trazer alguns verdadeiros bons momentos; em segundo lugar, ainda que você tenha os melhores momentos da música eletrônica do passado em mente, vez ou outra Actress vai lhe mostrar que ainda existe vida na inteligência artificial! Talvez não valha a pena o suficiente pra mais de uma hora de disco, mas a pantanosa abertura com “Forgiven” (destaque absoluto), o apocalipse zumbi de “Contagious”, o suspense de “Time” (se bem que esta podia ser mais trabalhada) e até faixas “pancadão”, como “Gaze” (que lembra o citado Badarou, assim como a parte melódica de outro “pancadão”, “Birdcage”), são belos achados. Infelizmente a qualidade do disco cai um pouco nas últimas musicas – mas a última faixa é no mínimo curiosa.

Nota: 3,0

Bohren & der Club of Gore – Piano Nights

3

 

Ouvir esse disco foi quase como assistir as ficções do Tarkovski: a lentidão era desesperadora, e depois de várias audições continuei sem ter certeza se entendi muita coisa. Isso já tornou Piano Nights minimamente interessante. Principalmente porque, tal como a cinematografia do gênio russo, os timbres aqui são belíssimos, e tudo é muito bem encaixado. É quase (ou de fato) um exercício de saída do nosso cotidiano apressado pra conseguir captar qualquer coisa na música desses alemães, e ao menos a última faixa me dá a impressão de que vale a pena.

Nota: Assim como faço com muitos filmes, cujo conteúdo é mais “debatível” do que “avaliável”, deixo apenas a resenha sem nota.

Cities Aviv – Come to Life

4

 

Um ou outro hit de hip-hop costuma me agradar, mas não sou um ouvinte assíduo do estilo, e muitos dos discos que ouvi me pareceram no máximo regulares. Mas, se algumas coisas que tinha ouvido do OutKast já tinham me dado um puxão de orelha nesse sentido, Come to Life deixou claro de vez que deve haver muita coisa boa rolando dentro do estilo, principalmente em sua vertente experimental. A combinação de samplers oriundos de música não diretamente relacionada ao hip-hop com o vocal rapper instigado é ótima. Gavin Mays (o nome do figura) tem ainda forte influência de pós-hardcore (o que quer que isso venha a ser), então o disco alterna momentos relaxantes-viajantes com momentos mais agressivos, destacando faixas como as improváveis combinações em “Vibrations” e “Still” e a modernidade vintage (com direito a barulhos de internet discada) de “(View 180) : Picture Me Gone”, do primeiro tipo, e as animadas “Fool” e “Head” e a barulhenta e anfetamínica “IRL URL” (provável melhor faixa do disco), do segundo. Outra peculiaridade aqui é o vocal, que, apesar de ser cantado com certa força e amargura, permanece como que afogado – propositalmente – nas camadas de som. Uma das poucas faixas que realmente soa hip-hop – e onde dá pra ouvir claramente o vocal – é a boa “Dissolve”, que pode agradar aos amantes do estilo mais tradicional. Uma pena o disco encerrar justamente com sua talvez pior faixa, a dançante “Don’t Ever Look Back”. Mas a verdade é que ela também pode ser vista como uma das melhores do disco, quando você pensa que ela não é de forma alguma uma faixa dançante. E isso demonstra um pouco o poder de Come to Life.

Nota: 4,0

Criolo – Convoque Seu Buda

5

 

Com mais de duas décadas de relativo anonimato ou presença restrita à cena hip-hop, por meio de Nó na Orelha (2011), Criolo foi levado a um estrelato nacional que chegou a dar alguns fortes respingos fora do país. Impossível, então, não comparar o novo álbum do artista pelo menos com o seu precedente (ouvi muito pouco o Ainda Há Tempo (2006), pois não fez minha cabeça). Como o disco de 2011 foi me ganhando sempre mais a cada audição, não considerarei definitivas as impressões de Convoque Seu Buda que aqui exponho. Se, naquele disco, a produção e os arranjos caprichados de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral eram um delicioso complemento às fortes composições e à decidida interpretação de Criolo, aqui os dois parecem, por vezes, salvar um pouco certas canções, ou pelo menos são mais responsáveis do que as composições em si por algumas das melhores faixas. Enquanto, por exemplo, o belíssimo arranjo de “Casa de Papelão”  (cujo início possui uma frase que curiosamente me lembrou um tema do Magma!) é nada mais que a concretização daquilo que a beleza prévia da composição já pedia, uma faixa como “Plano de Voo” parece muito mais se apoiar no arranjo, que lhe confere algum brilho. No entanto, a nível propriamente musical, as composições do novo álbum também são muito boas. O que me incomodou realmente foram algumas nuances nas letras. Criolo, ademais de parecer um novo profeta, parece carregar uma mensagem cada vez menos original, ou, mais precisamente, cada vez mais palatável. Não dá pra afirmar nada com certeza porque o próprio Criolo já admitiu que tem dificuldade em ser claro, explícito naquilo que diz. Musicalmente falando, se Nó na Orelha trazia belíssimos hip-hops, como “Grajauex” e “Sucrilhos”, aqui nenhum me agradou, sendo os destaques realmente aquelas faixas que flertam – aqui às vezes de maneira mais evoluída que no disco anterior – com outras musicalidades: a citada “Casa de Papelão”; o samba de “Fermento pra Massa”, talvez menos passível que “Linha de Frente” de virar clássico, mas mostrando um domínio maior nessa seara; e “Pegue pra Ela”, com sua mescla de melodia carimbó e acompanhamento de pífano cabaçal. Vale ainda mencionar, embora não no nível dessas três, a simultaneamente despojada e firme “Fio de Prumo (Padê Onã)”, que encerra o disco altivamente. Em suma, com seu novo álbum, Criolo mostra que não era fogo de palha e que inclusive pode vir a oferecer material melhor do que o que já apresentou, mas ainda não foi dessa vez que ele superou seu já clássico segundo disco.

Nota: 3,5

Dean Blunt – Black Metal

6

 

Descobri esse disco nos acréscimos do segundo tempo, mas que descoberta! Selecionei relativamente bem tudo o que eu ia ouvir esse ano, fugindo, por exemplo, de quase todo disco cujas descrições e tags dessem a entender que eu ouviria mais do mesmo – embora eu não tenha deixado de conferir uma ou outra faixa pra confirmar ou não as expectativas. Fato é que os rótulos de neo-psicodelia e dream-pop afixados a Dean Blunt me deixaram com um pé atrás. No entanto, e apesar de, em fins de dezembro, eu já não ter mais muita tolerância por batidas eletrônicas, a confusão de tags que cercavam esse cara faziam jus à singularidade do seu som. Black Metal não me parece ser um grande clássico como os da década de 70, nem me impressionou de cara como o disco de Flying Lotus (mais à frente), mas foi, ainda assim, uma bela surpresa, que me encantou sempre mais a cada audição – tornando-se talvez meu disco favorito deste ano –, principalmente o uso das guitarras (provavelmente por conta de Joanne Robertson) e a interpretação vocal à la Lou Reed de Dean Blunt. A inclusão de vocal de Joanne também é sempre muito providencial no disco. Esses dois últimos elementos fazem parecer que a belíssima “50 Cent” saiu direto do disco auto-intitulado do Velvet Underground, de 1969. Se Blunt se restringisse a ser o novo Lou Reed, teríamos um disco excelente, mas ele vai bem além disso, com a segunda parte do disco, mais “eletrônica”, e o resultado, essa dupla natureza de Black Metal, o torna talvez ainda melhor. Como principais faixas a fugir desse estilo, temos a longuíssima “Forever”, uma viagem tensa de tão calma, situada no centro do álbum, a encantadora faixa seguinte, “X”, que mescla sabiamente as duas naturezas do disco, a maravilhosa porralouquice eletrônica de “Country” (o mundo atual certamente precisa de mais músicas como essa) e, em menor medida, a curtíssima “Hush”, conduzida por um sintetizador que, apesar de mais bem compassado, lembra o minimalismo diabólico da “trilha sonora” de Mick Jagger no curta Invocation of My Demon Brother (Kenneth Anger, 1969), principalmente no misterioso encerramento brusco da música. As últimas faixas são, por sinal, de acesso bem mais difícil, fazendo parecer que o disco cai de nível. Talvez a primeira parte, mais Velvet (na verdade, dizem por aí que isso é jangle ou twee pop), seja de fato a melhor, mas todo o álbum exige atenção, porque é trabalho finíssimo. E, apesar de ter lido que os discos anteriores não possuíam esse elemento que mais gostei, fiquei bastante interessado em conhecer mais material desse misterioso músico.

Nota: 4,0

FKA twigs – LP1

7

 

Embora as primeiras audições da jovem inglesa de raízes jamaicana e espanhola me tenham sido pouco animadoras, por conta de sua semelhança com o pop e r&b contemporâneos, o instrumental desde o início chamou a atenção, pois me lembrou as estranhezas da genial Björk. À medida que fui ouvindo o disco, ele foi, no entanto, me conquistando, tanto pelos detalhes do instrumental, que fui podendo perceber sempre mais, como pelas composições que por vezes são comoventes. Por exemplo, a melodia vocal de “Two Weeks” e “Pendulum”, embora tenham grudadas em si um pouco da sonoridade do pop e r&b atuais, são de arrancar suspiros. Mas os arranjos do disco são talvez o que realmente mais impressiona: se o “riff” eletrônico de “Numbers” é sombrio e estranho, todo o arranjo de “Lights On” é um absurdo de bom e deve ter deixado Björk aflita com o nível que apareceu na concorrência. O arranjo da citada “Pendulum” também merece citação. Outros destaques são “Video Girl” (embora eu não curta muito o verso que cita seu título), “Give Up” e “Kicks”, que mantêm o nível do disco lá em cima até o final. Foi bastante difícil pra mim decidir a nota de LP1, pois ele é atualíssimo, com direito inclusive àquilo que não curto muito nas sonoridades atuais, mas é igualmente genial e tocante. Certamente acompanharei tudo o que essa moça lançar – até porque, além de tudo e apesar dessa capa, ela é lindíssima.

Nota: 4,0

Flying Lotus – You’re Dead! 8

Isso! Exatamente! Corretíssimo! Não sei se esse disco corresponde a tudo o que se disse sobre ele (futuro do jazz e quetais), mas certamente foi a melhor surpresa que tive desse ano, e cada pequena faixa me deu a sensação de “pow, mas é isso que essa meninada de hoje devia fazer sempre!”. Não que ele seja o melhor disco que eu tenha ouvido, mas em termos de estilo é o que considerei mais válido. Com menos de 40 min. de duração, You’re Dead! passeia pela eletrônica, pelo hip-hop, pelo jazz, em uma trip tão densa que, se eu for adjetivar precisamente, serei internado pra desintoxicação! E é exatamente isso o que You’re Dead! apresenta: uma trip ininterrupta. Ele não é um disco propriamente de canções, como LP1 ou Come to Life. Não existe lugar pra uma “Interlude” aqui, pois cada faixa é um interlúdio pra próxima, um fluxo contínuo de descontinuidades. É como se o Carnaval des Animaux de Saint-Saëns, em vez de apresentar um animal a cada movimento, representasse um mestre oriental de artes marciais que, em uma série contínua de movimentos, simulasse, a cada vez, o estilo de uma fera diferente. Mas isso não é totalmente verdade: o álbum possui alguns destaques bastante notáveis – e o bom é que elas aparecem mais na segunda metade do disco. “Turkey Dog Coma”, principalmente sua abertura, é um dos momentos mais catárticos, lembrando, à sua maneira, talvez algo do Camel ou as faixas aparentemente deslocadas do Yes (“Perpetual Change” ou “Sound Chaser”, com menos peso, mas com igual urgência inesperada); o tema de “Ready Err Not” pode facilmente grudar na sua cabeça, talvez como trilha de seus pesadelos; a “calmaria” desesperadora do vocal de “Descent Into Madness” é realmente de enlouquecer; “Obligatory Cadence”, provável melhor faixa do disco, parece uma peça instrumental de Rick Wright, tamanho seu potencial depressivo! Vale ressaltar as participações de vários artistas, inclusive a lenda Herbie Hancock, que toca teclado em duas faixas, uma das quais ajudou a compor. Tudo isso dito, resta agradecer ao vôo da Flor de Lótus, que tirou minha vida, mas devolveu minha esperança na humanidade!

Nota: 3,5

Tinariwen – Emmaar

9

 

Não sou conhecedor do Tishoumaren, também chamado desert blues ou blues tuareg, e foi com esse registro do grupo de Ibrahim Ag Alhabib, grupo que fundou o gênero, que adentrei o estilo. Embora eu esperasse mais dos caras, a experiência foi boa. Dentre os discos que já ouvi de música do Oriente Médio e África do Norte, foi um dos que menos me agradou, mas a eletricidade que acompanha melodias nada ocidentais oferece um efeito viajante bem peculiar. É preciso dizer que o estilo tem pouco de blues, e, aliás, pra além das sonoridades elétricas e da percussão mais simplificada, não há tanta ligação com quaisquer estilos pop ocidentais. Encontramos apenas, em “Arhegh Ganagh” e “Aghregh Medin (Hassan’s Song)”, alguns elementos de Jimi Hendrix em meio à sonoridade saariana, além da bateria de “Koud Edhaz Emin”. Mas os destaques pra mim são “Timadrit in Sahara”, faixa mais “pesada”, não exatamente no sentido metaleiro, mas por ser hipnoticamente agressiva; e “Sendad Eghlalan”, faixa mais linda do disco, que encanta por sua misteriosa calma. Não posso dizer se este deve ser o disco, mas acho que vale a pena a experiência de ouvir esse curioso estilo, e eu já peguei outros trabalhos do gênero pra ver (ouvir) qual é.

Nota: 3,0

Vashti Bunyan – Heartleap

9a

 

O nome de Vashti Bunyan era do meu conhecimento desde que peguei a coletânea Metamorphosis (1975), dos Stones, pra ouvir, pois a canção “Some Things Just Stick in Your Mind” fora composta pra cantora nos anos 60 e ela dá inclusive nome à coletânea de singles e demos aparecida quando do retorno de Bunyan ao mundo do pop nos anos 2000. O primeiro disco seu que ouvi, no entanto, foi Heartleap. Se essa matéria tivesse saído antes do dia 25 de dezembro, eu iria sugerir que vocês ouvissem esse disco durante todo o Natal. Sua sonoridade tranqüila, com sinos e teclas luminosas, não contrastaria com a trilha sonora dessa data, embora o material aqui seja bem mais relevante, dada a dose de melancolia e a interpretação peculiar da voz da inglesa. Pena que seja seu último disco. O destaque maior é, provavelmente, “Here”, especialmente seu piano, mas há várias faixas boas por todo o disco, como “Mother”.

Nota: 3,5

EP’s

O ano também nos reservou alguns bons lançamentos em EP. Curioso é o caso do EP da cantora sZa, cuja duração é maior que a do álbum do Flying Lotus. OK, o disco You’re Dead! também facilita, pois é curtíssimo. Mas vejamos, então, alguns lançamentos:

9bBenjamin Clementine – Glorious You

 

Folk? Soul? Em geral, é preferível definir Benjamin Clementine com o rótulo neutro de “singer/songwriter” (cantautor). No Rate Your Music ainda arriscam um “minimalism”. O estilo do cara não é nada do outro mundo, mas chama a atenção. Guardadas as proporções, é como uma versão masculina da Nina Simone no novo milênio (eu pensei isso desde o início, mas não sou o único a comparar). Eu compararia com outras coisas, mas isso poderia me trazer problemas. Então me restrinjo a dizer que esse rapaz promete. Quanto às faixas, a menos boa, por não possuir a melancolia que talvez seja realmente o forte do músico, é “Adios”, e eu poderia talvez destacar como a melhor “Condolence”, a maior entre as quatro e a primeira que me capturou, mas todas são de alto nível.

Nota: 3,5

9cIbeyi – Oya

 

Talvez o som contido neste primeiro EP das duas belíssimas filhas do grande percussionista cubano Angá Diaz (Lisa-Kaïndé e Naomi) não seja tão genial quanto o simétrico logo da dupla que aparece na capa (e, aliás, o próprio nome da dupla, que significa “gêmeo(a)s” em iorubá), mas ele é pelo menos bastante satisfatório. A princípio, o ar meio neo-soul ou hip hop de algumas partes cantadas ou o refrão de “Oya”, que roça no new age, me deixaram um pouco cabreiro. Mas logo percebi que as garotas não caem facilmente nessas armadilhas – aguardo o primeiro álbum, que sai no começo do ano que vem, pra confirmar essa expectativa. O EP é um dos mais felizes, entre os lançamentos mais recentes que ouvi, na utilização de sonoridades de origem africana (até mais que o álbum da Angélique Kidjo), sem cair em obviedades estereotipadas. O clima levemente misterioso de “Oya” impede que ela se torne uma new age insossa, e, se a influência da atual black music em “River” não me soou tão bem de início, ela agora me parece não só perfeitamente audível, mas uma das melhores músicas do ano, principalmente pela quebra que introduz o trecho final em iorubá, com um ritmo lindíssimo. Considero um tanto dispensável a versão a capella de “Oya”, mas o “dub” de “River” pode ser demorado, mas é válido por deixar mais à vista o interessante trabalho percussivo da música.

Nota: 3,5

9dSZA – Z [EP]

 

Mais uma boa surpresa. Nunca dei muita moral aos artistas de neo-soul, r&b contemporâneo ou coisas que o valham, mas a experiência de ouvir esse disco foi bastante interessante. Na verdade, como grande desconhecedor dessas coisas novas, fico na dúvida se os artistas em geral são realmente bons ou se é o caso particular dessa mocinha. A jovem de origem muçulmana tem um grande potencial pra composição e interpretação, mas recebe ainda uma ajuda enorme dos produtores de cada faixa, que deixaram o disco simplesmente impecável!  A faixa “Julia”, por exemplo, parece ter viajado direto de algum disco pop dos anos 80 pra cá, não devendo em nada aos sucessos dançantes daquela década. Já na primeira faixa, aliás, dá pra notar que Solana Rowe (nome da cantora) não é apenas mais uma Mariah Carey. Apesar disso, as formas melódicas do pop atual costumam dar as caras, como em “Shattered Ring”, e isso conta pontos negativos pra mim. Os demais destaques são as belíssimas faixas que seguem “Julia”, “Warm Winds” e “HiiiJack”, mas também, um pouco menos, a doce “Sweet November”.

Nota: 3,5

Fora esses discos e um ou outro a que dei uma ouvida básica, só pra saber se pegava pra ouvir a fundo ou não, houve alguns discos que ouvi um bocado, mas não citei aqui. Foi o caso de alguns discos de amigos meus (hehe) e também do disco da cantora canadense Cœur de Pirate, com a trilha sonora pra série de TV Trauma, pois não os considerei suficientemente representativos pra música do ano que passou. Tem ainda discos que só fui conseguir ou até saber da existência agora no fim do ano, como é o caso do Black Messiah, de D’Angelo com The Vanguard (lançado dia 15 de dezembro, mas já ocupando a primeira posição no ranking do Rate Your Music!), o disco auto-intitulado de Benjamin Booker, American Intelligence, de Theo Parrish, e Asiatisch, de Fatima Al Qadiri, os quais ainda não pude ouvir.

9e

Bem, não sou um grande ouvinte de música atual, mas, depois dessa experiência, certamente me tornarei. Em 2015 pretendo ampliar as audições de novidades, afinal quantos LP1, You’re Dead! e Black Metal não passaram batidos por mim em 2014? Ou quem sabe se não saiu algo MELHOR? Eu farei minha parte na garimpagem; espero que os artistas façam a sua na constante reinvenção da sua própria música e da música em geral. Que venha 2015!

Flying Lotus, talvez a maior surpresa que esse ano me reservou.

* Adriano publicou anteriormente a Discografia Comentada dos Rolling Stones, assim como a segunda parte da Discografia Comentada do King Crimson. Por serem matérias que envolvem mais de uma parte, inclusive uma com outro colaborador, resgatamos essa matéria como sendo a primeira oficial do nosso colega.

6 comentários sobre “Alguns Bons Lançamentos de 2014

  1. Caramba, que massa esse lance de resgatarem textos escritos anteriormente por aqui! E este do Adriano “Groucho” KCarão ficou excelente – veja que, uma década depois, não conhecia nem metade do que ele mencionou… Eu tenho uma tese: nunca ouviremos tudo o que deveríamos ouvir, portanto corramos contra o tempo! Me propus a ir atrás dos álbuns mencionados para ver, como ele menciona no início do texto, se sobreviveram ao tempo. O da Vashti Bunyan, “Heartleap”, é daqueles atemporais, ótimo para boas tardes de frio nos dias em que não queremos fazer nada e precisamos de uma boa desculpa para desacelerar a mente. Já o “Emmaar” do Tinariwen, mantém-se atemporal por outros motivos, talvez étnicos, talvez da sonoridade do mundo específico do qual faz parte, sei lá, mas o fato é que sobreviveu bem – não tem o frescor e o tom hipnótico do Ali Farka Touré (esse sim um mestre, impossível não viajar ouvindo-o, é o Pelé desse estilo), mas nem por isso são ruins, valem à pena como vários outros de sua extensa discografia.
    Muito obrigado tanto pela postagem quanto pela repostagem, um abraço a todos vocês.

  2. Cadê o Blind Rage, do Accept? Para mim foi o melhor disco de 2014, e foi a minha porta de entrada para a nova fase da banda, com o vocalista Mark Tornillo no lugar do baixinho Udo, quando eles ainda estavam com a sua melhor formação – o já citado Tornillo, Wolf Hoffmann, Herman Frank, Peter Baltes e Stefan Schwarzmann, além do premiadíssimo produtor Andy Sneap. Só a capa do touro bravo sob um fundo vermelho e o meu primeiro contato com o clipe de “Stampede”, valeram muito a pena para mim! Com isso, fui conhecer os dois álbuns anteriores dessa então nova fase dos caras (que hoje não é mais a mesma coisa depois que o também mencionado Peter Baltes deixou o barco).

    E tem também o Redeemer of Souls, do Judas Priest – que é um bom disco também (trazendo o então novato guitarrista Richie Faulkner para o lugar do eterno K. K. Downing), mas porém peca na produção e traz alguns fillers que eu acho desnecessários em seu tracklist. Felizmente a banda acertou a mão em todos os sentidos quatro anos depois com Firepower (na minha opinião, muito superior ao Redeemer of Souls).

      1. Olha, Fernandão… Citei o Accept e o Judas Priest por serem duas bandas que eu admiro muito. Por isso deixei minhas duas menções honrosas a estes dois álbuns de suas respectivas bandas lançados em 2014. Quanto aos dois, afirmo que o Blind Rage conseguiu dar uma surra no Redeemer of Souls (em termos de produção e de tracklist). Gosto do Priest, mas quem arrasou mesmo em 2014 foi o Accept, repetindo o feito de 2010 (álbum Blood of the Nations) e 2012 (álbum Stalingrad). E o Priest teria que esperar o próximo disco (o citado Firepower, de 2018) pra retornar arrasando novamente. Simples assim!

        1. Segundo o Rob Halford esse próximo disco vai ser fodão. Mas eles sempre falam isso né? O Blind Rage tem um problema para mim: ele foi lançado depois do Blood of the Nations. Tivesse ele saído antes, acredito que ele seria o meu preferido com o Tornillo.

          1. Sem problemas, Fernandão… Ouvi o novo disco do Judas e achei-o muito bom, com 12 faixas inéditas – e mais duas bônus que eu não gostei muito. Invincible Shield pode não superar o Firepower, mas se for mesmo o último da banda em definitivo, fechará a discografia em alto nível. E quanto ao Accept, não vejo nenhum problema do Blind Rage ter vindo depois de Blood of the Nations e Stalingrad, até porque esse fecha muito bem a “trinca de ouro” dos alemães com o Tornillo, e se a banda um dia realizar shows com base só nestes três primeiros álbuns de sua fase atual (mesmo não contando mais com o Peter Baltes no line-up), me darei por satisfeito. Simplesmente isso!

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