Nomes de Bandas e seu Impacto na Carreira Musical
Por Fernando Bueno
Recentemente Johanna Sadonis, a cantora do Lucifer, foi perguntada sobre se o nome escolhido para sua banda atrapalha de alguma forma sua carreira. Ela respondeu que principalmente nos Estados Unidos alguns grupos religiosos têm uma reação mais drástica quanto à isso. Mas que na Europa, principalmente na Alemanha e países nórdicos, o fato não é tratado como um problema.
Talvez hoje em dia por conta do rock e metal estarem mais à margem do mainstream a publicidade sobre essas bandas nem chega a afetar uma quantidade tão grande de pessoas e aquelas que podem ser o público do Lucifer não levariam isso em consideração. Claro que estou generalizando, deve existir algum fã que se ofende, mas acredito que a grande maioria não, afinal hoje, com cincos discos já lançados a banda faz shows pelo mundo todo. Se o Lúcifer hoje em dia não encaram tantos problemas assim, pensamos que os seus amigos talvez não tivessem problema algum também. Jown Lawton certa vez disse que sua banda, o Lucifer’s Friends, não sofreu nenhuma retaliação na época e que os comentários acerca do nome era muito mais por conta da curiosidade do que por rejeição.
Porém em outras épocas as coisas podem ter acontecido de outra forma. No início dos anos 80 o heavy metal não era exatamente um queridinho da mídia, mas volta e meia aparecia nas rádios e televisão. O Satan como um representante da New Wave Of British Heavy Metal e por conta de seu e álbum de estreia, Court in the Act (1983), sempre aparecia aqui e ali, mas a carreira do grupo nunca decolava. Não foi à toa que tiveram diversas mudanças de nomes no grupo ao longo dos anos: Pariah, The Kindred e Blind Fury. Mas os fãs com o passar do tempo queriam a volta do Satan, principalmente com Brian Ross nos vocais. Para um texto para entender melhor todas essas fases acesse aqui.
Entretanto o som do Satan não era exatamente o que se podia chamar de radiofônico, portanto, se o nome da banda atrapalhou, foi dentro do próprio nicho do heavy metal. A chance que eles tinham de ser uma banda maior e de um sucesso mais amplo não era tão grande mesmo. Temos que lembrar que no início dos anos 80 essa ligação e o interesse dos grupos com esses temas mais sombrios ainda estava engatinhando, então não era tão normal. Basta ver o furor que o Venom e o Mercyful Fate causaram na cena metálica. Por outro lado, o Satan nunca fez uma única música sobre o demônio e, segundo Steve Ramsey, o nome do grupo era apenas uma representação do mal que existia no mundo.
Mas falando no demônio, não é que ele apareceu mesmo! Chegamos ao assunto principal, quem me inspirou para escrever esse texto, o Demon. Também um dos grandes representantes da NWOBHM, a banda de Dave Hill foi, a meu ver, diretamente impactada negativamente pelo seu nome. Mas por que eu afirmo isso sendo que a palavra ‘demonio’ não é nem tão mais agressiva quanto ‘Satã’ ou ‘Lúcifer’ são? Em diversas culturas a palavra ‘demônio’ representa os espíritos malignos dentro da religião local e não um ser específico como os outros nomes, muito menos o maior antagonista do deus em questão. O ponto principal dessa minha análise é justamente seu estilo musical combinado ao seu nome o maior problema.
Para isso vamos só contextualizar um pouco. Seu primeiro álbum Night of the Demon de 1981 inicia com uma espécie de ritual sombrio da faixa de abertura “Full Moon”, mas a partir dos primeiros acordes da faixa título dá para notar uma leve diferença entre seu som com outras bandas do mesmo movimento inglês. Muita melodia que gruda na cabeça, refrãos ganchudos e um peso somente suficiente para que fossem classificados como heavy metal, ou heavy rock como alguns chamavam também. Eles pareciam muito mais com um Praying Mantis do que com o Tank, muito mais a ver com UFO ou o Thin Lizzy do que Black Sabbath. E esse senso melódico foi se desenvolvendo com o passar dos anos. Tanto que não é difícil encontrá-los em listas de banda AOR, ou melodic rock como algumas publicações chamam hoje em dia. Night of the Demon junto de The Unexpected Guest, de 1982, podem ser classificados como seus principais discos e até mesmo como clássicos da NWOBHM. O terceiro disco The Plague e o álbum seguinte British Standart Approved, de 1983 e 1985 respectivamente, apostam nessa faceta mais hard, mais AOR, mas incorporam também o rock progressivo como outra influência de seu som, até mesmo o Pink Floyd sendo citado como uma referência do que estavam fazendo. As músicas da banda daí para frente ficaram sempre muito mais alinhadas com o material produzido nesses dois últimos discos citados do que com aqueles dois primeiros. Até mesmo o teor lírico foi alterado, afinal ganchos de AOR e com temas de ocultismo dificilmente conseguem se alinhar perfeitamente. Uma outra curiosidade é que a banda se manteve na ativa mesmo entre altos e baixos e um curto período de hiato entre 1993 e 2000, algo que muitos dos seus pares não conseguiram fazer.
Como disse seu som mais acessível trazia a possibilidade de uma maior divulgação se compararmos com outras bandas da época. Porém aí sim seu nome deve ter atrapalhado um pouco, pois alguém imagina um locutor de rádio dizendo algo como “e agora vamos ouvir a última música do Demônio”? A rejeição viria mesmo e veio. Tiveram dificuldades, construíram uma base de fãs ao longo dos anos e este que vos escreve é um deles, mas pela qualidade de suas músicas fica claro que eles poderiam ser muito maiores.
As características culturais de uma sociedade também faz diferença e até mesmo a evolução, e por quê não, a banalização de alguns temas podem amenizar eventuais problemas. Outro aspecto importante é que as três bandas não possuem uma identidade visual tão carregada e o Demon não tem capas das mais assustadoras. Poderia falar de muitas outras bandas para exemplificar esse tema. Grupos como os gregos do Rotting Christ tiveram até que mudar o nome para poder se apresentar em alguns lugares. Porém se entrarmos na seara do black metal talvez o argumento geral do texto se perca pois nesse estilo um dos fatores usados para chamar atenção é causar choque nas pessoas e toda publicidade, boa ou má, faz parte do planejamento. Embora esses exemplos mostrem que esses nomes podem ter um impacto negativo inicialmente e é difícil prever como seria se naquela primeira reunião os integrantes tivessem uma ideia diferente.
Nessa questão de nomes de bandas, não lembro quem exatamente, acho que foi o Lemmy Kilmister que uma vez disse que é bem melhor e mais fácil divulgar uma banda com um nome só (tipo Motörhead e tal) do que bandas com dois ou mais nomes (Black Sabbath, Iron Maiden, Alice in Chains).
Não lembro agora o argumento usado, creio eu que um nome só resumia melhor a identidade de uma banda do que dois nomes que davam margem a interpretações duvidosas (acho que era esse o argumento). Ele recomendava que bandas novas buscassem um nome só que não estivesse em uso.
O Lemmy tinha uma visão mais ampla. Eu não tinha intenção, mas o texto meio que dá um enfoque na questão religiosa….
Que texto massa, Fernando, muito bom! São reflexões interessantes mesmo, e acho que cabe uma “Parte II” dele! Saiba que também curto o Demon e concordo totalmente contigo! O “British Standard Approved” é o melhor exemplo de seu argumento. Vou te contar uma história sobre ele: comprei-o em vinil, ali por volta de 1986 ou 1987 e tenho-o até hoje na minha coleção, por causa de uma música: “Hemispheres”, a última do lado B, quando ouvi-a numa dessas FM’s de música de motel e marcou a relação com uma namorada que eu tinha na época… Boas lembranças, depois gravei em cassete e sempre que saíamos, eu tinha que colocá-la. O disco e bom e me fez ir atrás de mais coisas deles nessa pegada AOR e, tanto na época quanto hoje, tenho certeza de que eles deveriam ter ido muito, mas muito mais longe. Obrigado pelo texto.
Olha só…vc ainda ouviu essa música na rádio.
Obrigado pelo elogio…valeu
Ah, e como você é fã, já deve ter visto, mas deixo o comentário para quem mais curtir o som deles: saiu uma edição remasterizada do “Night of the Demon” (1981) em 2020, comprei-a na pandemia em CD e ficou bem legal, vem com 3 faixas bônus (que são apenas remixes de 3 faixas do original), o som está mais redondo.
Esta semana, estive no show da maravilhosa banda grega Rotting Christ, que está celebrando 35 anos e foi impossível não lembrar da treta imbecil que envolveu a banda há alguns anos com o idiota-mor do metal Dave Mustaine, que teria se recusado a dividir o palco com a banda por causa de seu nome. Embora a estupidez do loiro xiliquento seja injustificável, não deixo de pensar que é algo complicado quando um sujeito de 14 anos monta uma banda sem imaginar que, 35 anos depois, estará tocando nessa mesma banda com aquele nome que ele achou bacaníssimo quando era só um adolescente… E nem falo só de bandas com nomes “ofensivos” do ponto de vista religioso, mas penso em bandas como Anal Cunt, Butthole Suffers, dentre tantas outras cujos nomes eram legais e impactantes quando os membros – adolescentes – os criaram, mas que ficaram ridículos ou toscos com o passar dos anos.