Black Sabbath: Cinco Músicas Injustiçadas
Por Micael Machado
Demorei algum tempo até conseguir ouvir a discografia completa do grande “Bléqui Sabá” (não importa que a pronúncia da segunda palavra seja “sába”; para quem conheceu a banda nos anos 90, como eu, sempre será “sabá”, me desculpem os puristas… com mais alguém é assim?). Hoje, acho surpreendente que uma das bandas mais influentes da história do rock não tenha aparecido no meu círculo de amizades (o qual me ensinou muito do meu gosto musical através dos anos, e continua influindo nele ainda hoje) até a vinda do grupo ao Brasil na tour do Dehumanizer (o Mairon já contou essa história no emocionante texto que fez sobre os vinte anos deste disco), e lembro claramente de ler em uma revista Bizz do começo da década de 1990 que “Ozzy estava montando uma nova banda” (talvez a formação que gravou Live and Loud, com Mike Inez no lugar de Bob Daisley, não tenho certeza), mas que os leitores “poderiam ficar calmos, pois esta banda não iria incluir Iommi, Butler ou Ward, nem se chamar Black Sabbath“, e pensar, como quem descobrisse a roda: “Então o Ozzy Osbourne era o vocalista do Black Sabbath?” (tempos pré-internet, crianças, deixem-me lembrá-los disso – eu conhecia Ozzy por causa das figurinhas de chiclete que haviam lançado na época de sua vinda ao primeiro Rock In Rio, mas nunca havia escutado nada de sua música até então, nem tinha “familiaridade” suficiente para me referir a ele sem usar seu sobrenome)…
Não foi muito depois disso que eu, ou o Mairon, compramos uma revista-pôster com a história da banda (que meu irmão, certamente, deve ter até hoje), e descobrimos que, sim, Ozzy havia sido o primeiro vocalista do Sabbath, e que alguns outros também já haviam passado por este posto, assim como pelas posições de baixista e baterista do grupo. Mas foi só quando me mudei para a região metropolitana de Porto Alegre (e, mais especificamente, depois de um episódio com uma certa doação de uma caixa de discos, já contada aqui no site em um dos textos sobre as aventuras do Eurico) que tive acesso aos discos do grupo (novamente, tempos pré-internet, crianças) e pude conferir a qualidade e a imponência da discografia da banda, apesar de algumas derrapadas feias ao longo do caminho. Mesmo com o reconhecimento que o Bléqui Sabão (como alguns “detratores” chamam o quarteto ainda hoje) adquiriu no último quarto de século (especialmente depois da febre do grunge e da onda de bandas stoner que não para de surgir já há algum tempo), ainda existem algumas pérolas em seus discos que, a meu ver, deveriam ser mais valorizadas tanto pelos fãs quanto pela própria banda (que, hoje em dia, infelizmente já não excursiona mais, mas, vez por outra, ainda coloca algum “novo” lançamento nas prateleiras, geralmente versões diferentes de algo já editado antes), e é sobre cinco delas que pretendo tratar neste texto.
Lembrando que meus critérios para a seleção das faixas foram: as músicas não podem ter sido lançadas como single; não podem constar do track list de álbuns ao vivo oficiais (nem de bootlegs que eu conheça); não podem constar de coletâneas oficiais do grupo (pelo menos, não das mais famosas); não podem ter recebido versões de outros artistas (pelo menos, não ter recebido versões de grande repercussão no meio musical); serem músicas que me agradem mais do que outras bem mais “famosas” do que elas, e que, desta forma, eu julgue que mereciam mais atenção do que receberam por parte tanto da imprensa quanto dos fãs (e, por vezes, da própria banda). Sendo assim, vamos à minha relação (em ordem cronológica), e, se puder, deixe a sua nos comentários!
1. St. Vitus Dance (Black Sabbath Vol 4 – 1972)
Os cinco primeiros álbuns do Sabbath são clássicos absolutos, pedras fundamentais na construção do heavy metal, e quase todas as suas faixas merecem também ser elevadas a este status, sendo louvadas pelos fãs do grupo ao longo de muitos dos shows que a banda fez através dos anos. Mas, quase lá no final do lado B do quarto disco, existe uma faixa de menos de dois minutos e meio que sempre foi uma das minhas favoritas neste registro, e que não está presente em nenhum álbum ao vivo do grupo, além de, segundo o Discogs, aparecer apenas em uma das muitas coletâneas da banda (The Sabbath Collection, de 1985 – sim, isso poderia inviabilizar a presença desta faixa aqui, mas, como não considero essa compilação uma das “principais” do Sabbath, fingi que ela não existe). Alternando uma parte instrumental mais rápida com trechos bem mais “doom”, onde aparecem os versos de Ozzy, esta faixa sempre alegrou meu dia quando a ouço, e raramente é citada por alguém, mesmo quando o assunto é este álbum específico. Além disso, serviu como inspiração para o nome de uma das primeiras bandas de doom metal da história, os americanos do Saint Vitus, grupo que, assim como a música, também merecia um reconhecimento maior do que possui! Uma faixa bem curta, mas muito efetiva, e que merecia mais atenção!
2. The Fallen (Born Again Deluxe Edition – 2015)
Os colecionadores de bootlegs certamente já conheciam esta demo, inexplicavelmente deixada de fora da seleção final das faixas do álbum Born Again, de 1983, pois ela circulou muito em CDs e vinis “não oficiais” registrando as demos que a banda gravou para a confecção do produto final (e que, segundo muitos, soam melhores do que os registros oficiais lançados no mercado). Mas foi apenas em 2015, com o lançamento da edição deluxe do disco, que os fãs menos “garimpeiros” tiveram acesso a uma das melhores músicas que o Sabbath já compôs com Ian Gillan nos vocais, e que, a meu ver, supera em muito algumas das faixas presentes no que veio a ser o Born Again que conhecemos. A versão da edição Deluxe tem pouco menos de quatro minutos e meio de uma faixa rápida, mas não tão veloz assim, com um bom trabalho vocal de Gillan, um refrão marcante, e construída em cima de um riff “quebrado” de Iommi que a torna bem diferente das demais composições deste trabalho (o que deve ter sido o motivo de sua exclusão do track list final do álbum, vá saber). Apesar de eu achar que o solo do “mestre” guitarrista podia ter sido melhor “elaborado” do que a versão disponibilizada na citada edição deluxe, esta faixa merecia um destino melhor que o de “bonus track” de uma edição que acabou se tornando um tanto rara, e, portanto, quase inacessível! Uma pena!
3. In For The Kill (Seventh Star – 1986)
Seventh Star nunca foi um disco que chamou muita a minha atenção. Na época que o conheci, ainda não tinha ouvido muitos outros álbuns do Sabbath, e Glenn Hughes ainda era, para mim, apenas o baixista/vocalista da MKIII do Deep Purple. Como o disco soa muito diferente do Sabbath da fase Ozzy (ou mesmo da fase Dio), e mais afastado ainda da sonoridade das MK III e IV do Deep Purple, não tive o discernimento de apreciá-lo pelo que ele é, e o ouvi, sim, com a expectativa de escutar algo parecido com aquilo que já conhecia então da obra de Iommi e Hughes. Confesso que, até hoje, ainda não curto muito o disco, mas sua faixa de abertura, “In For The Kill”, ainda me faz bater cabeça e empunhar minha air guitar cada vez que a ouço. Inexplicavelmente, ela acabou de fora da coletânea The Sabbath Stones (que, para mim, reúne os melhores momentos do que considero uma “fase intermediária” do Sabbath), e, ao que parece, sequer chegou a ser interpretada ao vivo pela banda, o que considero um absurdo, pois, para mim, ela é a faixa de maior destaque no track list de Seventh Star. Segundo o Discogs, ela integra uma coletânea de 1997 chamada The Best Of Black Sabbath, da qual nunca tinha ouvido falar, e que, portanto, não foi suficiente para tirá-la desta lista!
4. Scarlet Pimpernel (The Eternal Idol – 1987)
O Black Sabbath tem muitas músicas instrumentais em sua discografia, algumas bem interessantes (como “Rat Salad” ou “Laguna Sunrise”), outras quase descartáveis (como “FX” ou “The Dark”). Dentre o primeiro time, sempre incluí “Scarlet Pimpernel”, uma faixa acústica, com sonoridade quase medieval, onde, em pouco mais de dois minutos, Iommi mostra que também sabe ser melódico e consegue criar não apenas faixas pesadas e agressivas, mas também melodias e temas que emocionam e encantam a quem as ouve, como qualquer fã da banda já sabe há muito tempo. Esta faixa sempre foi, para mim, o maior destaque do track list de The Eternal Idol, mas poucos (ou quase ninguém) parecem concordar comigo, nem a própria banda, pois ela não está listada em nenhuma coletânea do grupo no Discogs, e, ao que parece, apenas um trechinho dela chegou a ser tocado ao vivo, no meio do solo de guitarra de Iommi durante a turnê de promoção do Tyr (e ouvir esta faixa na guitarra elétrica ao invés da versão acústica de estúdio, não tem o mesmo charme, podem acreditar). Sendo assim, é mais uma faixa que, a meu ver, merecia um reconhecimento muito maior do que aquele que adquiriu ao longo dos anos!
5. Season Of The Dead (The End – 2016)
O EP The End inteiro é menos valorizado e reconhecido do que merece. Vendido oficialmente apenas na banca de merchandise dos shows da turnê de despedida do grupo entre 2016 e 2017, trazia quatro faixas ao vivo ao lado de outras quatro canções inéditas de estúdio que haviam sobrado das versões de 13, o último registro completo do Sabbath ao lado de Ozzy. Dentre estas composições, se destacam os quase sete minutos e meio da faixa de abertura, “Season Of The Dead”, que, com seu início totalmente doom metal (reinterpretado ao final), seu riff repetitivo e uma empolgante parte mais rápida ali pelo meio, para o meu gosto é muito melhor que várias das faixas presentes no álbum oficial de despedida do grupo, faixa esta que só vim a conhecer porque o EP acabou sendo lançado em versões “não oficiais” tanto em CD quanto em vinil nos anos seguintes. As outras três músicas da bolachinha também não são nada desprezíveis, mas, como disse, é “Season Of The Dead” quem me “salta aos ouvidos” a cada audição. Para completar o “desprezo” da banda com este EP, o álbum ao vivo oficial da turnê de despedida também se chama The End (para complicar as coisas para alguns colecionadores menos “informados” da situação), e o disquinho nunca teve um lançamento oficial no mercado, a não ser aquela edição vendida nos shows do grupo. Um destino lamentável para um belo registro do Sabbath, que merecia (como os outros itens desta lista) mais reconhecimento do que obtém atualmente!
Os três últimos álbuns da primeira passagem de Ozzy pelo grupo poderiam facilmente ter colocado algum representante nesta lista de “faixas injustiçadas”. Canções como “Megalomania”, “The Writ”, “Back Street Kids”, “Gypsy”, “Johnny Blade” ou “Air Dance”, apesar de aparecerem aqui e ali em coletâneas, ou mesmo terem registros ao vivo (no caso de algumas destas, até oficiais), mereciam, sem dúvida, um reconhecimento maior do que possuem. É quase consenso que estes álbuns não são tão bons quanto os cinco registros iniciais do grupo (e não sou eu quem vai discordar disso – na família, quem diz isto é meu irmão), mas mereciam uma atenção e valorização maior do que aquela que possuem, especialmente entre os fãs menos “dedicados” e “completistas” do Sabbath.
Para esta lista, eu não considerei o disco The Devil You Know, do Heaven & Hell, como um disco do Sabbath (apesar de achar que é, sim, um álbum da banda), mas as três passagens de Ronnie James Dio pelo Black Sabbath estão muito bem representadas nos discos ao vivo de ambas as bandas (Sabbath e Heaven & Hell), e na coletânea The Dio Years. Eu gostaria muito de incluir “Lady Evil” ou “Falling Off The Edge Of The World” nesta lista, mas, como ambas estão presentes na coletânea citada, acabaram, por consequência, impossibilitadas de constar desta matéria. Mesmo assim, são faixas que, a meu ver, mereciam muito mais atenção do que recebem.
Quase o mesmo que escrevi acima pode ser dito sobre os discos com Tony Martin nos vocais. Nunca fui muito fã desta fase, e as músicas que eu realmente gosto estão quase todas na já citada coletânea The Sabbath Stones ou no ao vivo Cross Purposes – Live, e o único disco lançado depois destes registros, Forbidden, só deixou marcado em minha memória o clipe de seu principal single, “Get A Grip”. Portanto, não lembro de outras faixas com o vocalista que eu pudesse ter incluído aqui, me desculpem os fãs do vocalista!
A coletânea The Sabbath Stones também possui “Heart Like A Wheel”, e a balada “No Stranger To Love” (com muita sacarina para o meu gosto, mas, ainda assim, bem audível) foi single e clipe, portanto não poderiam estar nesta lista. Do track list de Seventh Star, são as faixas que me chamam mais atenção, junto à citada “In For The Kill”, assim como as músicas que eu realmente gosto em Born Again não são difíceis de encontrar em versões ao vivo ou em coletâneas (embora a faixa título merecesse ser mais comentada e ouvida, no meu entender). Para finalizar, o que eu realmente gosto no disco 13 ou recebeu versão ao vivo posteriormente, ou foi lançado como single e clipe na época, e, portanto, não poderia estar nesta lista.
E, para você, quais músicas do legendário Black Sabbath deveriam ter um reconhecimento maior do que possuem? Fique à vontade para deixar sua lista nos comentários, seguindo (ou não) os critérios que adotei!
Todas ótimas músicas que a turma que só conhece Paranoid passa longe. Eu citaria She’s Gone, Over to You, Wishing Well, Rusty Angels, mas não pesquisei se se enquadram n9s critérios…
Marcello, mesmo que não se encaixassem, pode citar, sim, o importante aqui é “dar voz” pra músicas que a gente gosta e que “a turma que só conhece Paranoid” (gostei do apelido) nem sabe que existe! Além do mais, pelo que vi, as quatro poderiam estar na lista mesmo pelos “critérios” que adotei, então, excelentes escolhas!
Curto bastante também “Over to You” e “Wishing Well” (as duas até aparecem em coletâneas “menores” da banda, segundo o Discogs, mas eu desconsideraria), “She’s Gone” já não sou tão fã (acho muito arrastada, e os vocais nunca me agradaram muito)… Quanto a “Rusty Angels”, confesso que não tenho uma lembrança clara, pois ouvi pouquíssimas vezes o Forbidden, mas vou dar uma chance, visto que ela mereceu sua indicação!
Obrigado pelo comentário!
Vale a pena procurar a versão alternativa de She’s Gone na box do Technical Ecstasy, com acompanhamento do Bill Ward na bateria. Essa me fez repensar a música original, inclusive!
O grande problema do Black Sabbath pós-Dio foi ter se chamado Black Sabbath. Se o Iommi tratasse como um projeto-solo ou uma nova banda – chamada, sei lá, Seventh Star – esses discos certamente seriam muito melhor recebidos, inclusive hoje em dia. Porque são ótimos discos de hard rock. Mas, definitivamente, não são discos do Black Sabbath. Em comparação com o que veio antes eles sempre vão perder. Mas experimentem ouvir Born Again, Eternal Idol e Cross Purposes abstraindo o nome Black Sabbath. As músicas são boas.