Notícias Fictícias Que Gostaríamos Que Fossem Reais: Encontradas Fitas Reveladoras de Elis, Caetano, Gil e Gal
Por Mairon Machado
Notícias Fícticias que Gostaríamos que Fossem Reais é uma sessão da Consultoria do Rock onde apresentamos notícias fictícias, mas que poderiam se tornar reais em algum momento de nossas estadas aqui na Terra. A intenção não é gerar polêmcias ou controvérsias sobre determinados fatos, mas apenas incitar a discussão sobre o que ocorreria se o mesmo fato chegasse a acontecer.
No último dia primeiro de abril, o publicitário Gustavo Mayrink revelou ao mundo uma descoberta que era tido por alguns como ficção, e que durante muito tempo, povoou as conversas de bar como uma espécie de Mito Grego, mas que agora, através deste verdadeiro achado de Mayrink, torna-se real. Trata-se nada mais nada menos do que duas fitas cassetes que encontrou durante uma reforma na casa de seu falecido pai, o jornalista Geraldo Mayrink. Segundo Mayrink, o filho: “Nós resolvemos modificar o forro da sala, fazer umas adaptações luminosas e tal, com o objetivo de tornar a casa um museu sobre a história de meu pai. Para isso, precisávamos rebaixar parte da laje de sustentação da mesma. Foi quando ao começarmos a fazer o rebaixamento que o pedreiro encontrou esta caixa de metal com a inscrição ‘A Primeira Vez'”. Achamos estranho por que meu pai nunca foi de esconder algo da gente, mas a letra era dele. Foi então que decidi romper o cadeado que lacrava a caixa e encontrei as caixas individuais com as fitas, e algumas fotos (N. R. apresentadas ao longo do texto)”.
Ao colocar as fitas para tocar, surgiram, quase 50 anos depois, as primeiras audições de um ambicioso projeto criado em meados de 1975, e que durou apenas 3 meses, batizado Os Doces Apimentados, unindo no mesmo palco Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Este projeto teve sua embriogênese ainda em 1974, quando a gravadora Philips resolveu produzir a bolacha Lupiscínio Rodrigues Na Interpretação De Caetano Veloso, Elis Regina, Gal Costa, Gilberto Gil, uma homenagem ao maior compositor gaúcho na qual os quatro artistas interpretam pérolas do cancioneiro de Lupiscínio (a saber “Esses Moços” por Gil, “Cadeira Vazia” por Elis, ambas inéditas e exclusivas para o compacto, adicionadas de “Volta”, por Gal e “Felicidade”, por Caetano).
Apesar de unir canções inéditas com outras já gravadas, no lançamento do compacto o quarteto se uniu de forma discreta no Copacabana Palace em junho de 1975, o que acabou gerando muitos boatos e histórias de que iriam criar algo juntos. Como nada surgiu nos anos seguintes, tudo parecia ser uma lenda urbana, mas as fitas encontradas por Gustavo revelam que realmente, o projeto foi adiante. Na primeira fita estão gravações dos ensaios que o quarteto estava fazendo ao lado de uma super banda formada por Cesar Camargo Mariano (piano, teclados e marido de Elis à época), Perinho Santana (guitarra, teclados), Luizão Maia (baixo) e Wilson das Neves (bateria). Já na segunda fita estão cerca de 20 minutos de uma entrevista especial de Mayrink junto a Elis e Caetano.
Para confirmar a veracidade das gravações, fomos atrás dos três membros vivos envolvidos no projeto: Gil, Caetano e Cesar Camargo Mariano. Gil se manifestou com uma alegria estupefata sobre o caso: “Ah, Elis. Eu era apaixonado por Elis. Ela era linda. Ela tinha uma força da natureza enorme dentro de um corpo tão pequeno, que não tinha como não se apaixonar. Eu faria qualquer coisa pela Elis. Eu até fui naquela marcha contra a guitarra por que eu amava a Elis. Foi a mulher mais incrível que eu conheci“. E sobre o projeto Gil? “Ah, o projeto? Ah, eu não lembro das coisas muito bem mais, então, eu vou deixar pro Caetano, ele sim tem boa memória“.
Cesar foi mais suscinto sobre o projeto: “Meu amigo, se a Elis não queria falar sobre isso, quem sou eu para falar sobre?“. Coube a Caetano explicar o que aconteceu, e o baiano então não poupou palavras: “Olha cara, já que essa coisa aí surgiu do meio dessa loucura de divulgação de fita, dessa maluquice de uma coisa de 50 anos atrás vir assim, sem ninguém falar pra ninguém, então, é que é difícil, entendeu, de falar de algo inifalável, de que foi guardado num cofre à sete chaves dentro de um baú de mais sei lá, sete, vinte, quarenta cadeados, entendeu, por que não se podia falar disso“. Mas Caetano, você lembra do que aconteceu? “Olha cara, eu lembro, eu tenho uma boa memória, e tenho bem claro tudo que aconteceu, entendeu. Eu não sei o que o Mayrink gravou, até onde ele gravou, o que tem nessa fita, entendeu. Mas eu sei o que aconteceu“. E você pode nos contar, Caetano, por que o projeto não foi para a frente? Gil falou que você falaria. “Gil falou?“. Sim, ele disse que você tem uma boa memória. “Mas Gil não pode sair assim, falando de uma coisa tão íntima, tão apropriadamente pessoal de minha pessoa, assim. Mas então, se assim, a gente pudesse voltar no tempo, eu gostaria de realmente poder saber o que o Mayrink registrou“.
Resolvemos então ouvir as fitas junto de Caetano, através de um encontro entre Gustavo Mayrink e o baiano, no qual Mayrink salientou: “Aprendi a gostar de Caetano 40 anos após ele xingar meu pai de burro“. Essa história é um dos memes clássicos, hoje em dia, no qual, em entrevista para a TV Cultura, Caetano chama o jornalista de burro e muito mais. Ao ouvir as palavras vindas de Gustavo, Caetano sorriu afavelmente.
Então, logo na caixa com a inscrição “ENSAIO”, podemos ouvir algumas canções registradas com as vozes de Elis, Gil, Caetano e Gal. Fala Caetano: “Nossa cara, isso é muito hilário. Não sabia que ele tinha gravado isso não. Eu acredito que esse é o nosso ensaio de 05 de agosto de 1975, e que foi um dos últimos. Eu lembro por que foi pouco antes do meu aniversário de 33 anos, e naquela noite eu e Dedé íamos ter um jantar junto com Gil e Sandrinha, para confraternizar esse momento importante que eram os 33, uma idade marcante de alguma forma“. Ao longo da audição, Caetano mostrou-se emocionado, e podemos perceber a construção de ao menos duas canções conhecidas. “Ah, essa era a versão inicial de ‘Os Doces Bárbaros’. Vejam a Elis cantando aqui oh, a diferença oh ‘Peixe Espada, peixe luz, Doce e apimentado Cuzcuz’. A gente fez essa ligação inicial com a comida, depois mudei para bárbaro Jesus“, comenta Caetano sobre uma animada versão inicial para o que hoje conhecemos como “Os Mais Doces Bárbaros”.
“Gente, olha que lindo isso!“, exalta um encantado Caetano ao ouvir Elis e Gal fazendo as vozes para “Atiraste Uma Pedra” (de Herivelto Martins), acompanhadas de piano e violão. “A Elis e a Gal faziam um par incrível de vozes. Uma pena que a gente só pôde conferir elas juntas naquele especial da Gal. A Elis estava tão diferente naqueles dias do especial, uma pena“. Na sequência, as caixas de som passam para mais uma canção conhecida. “Essa a Elis colocou no repertório por exigência dela, tanto que ela incluiu nos shows dela posteriormente. Elis gostava muito de Bituca (N. R. Milton Nascimento). A gente manteve a música depois, como Doces Bárbaros“, comenta Caetano sobre uma interessante versão de “Fé Cega, Faca Amolada”, bastante próxima a versão que Elis veio a interpretar depois no famoso show de Montreux, em 1978.
Entre várias conversas e discussões entre o quarteto, a fita encerra o lado A, tendo no lado B Gal e Elis conversando sobre algumas canções que poderiam fazer dueto, enquanto Gil e Caetano estão fazendo a criação de ao menos duas faixas reconhecíveis: “Chuckberry Fields Forever” e “Esotérico”. Há também uma breve passagem de Gal cantando “Volta” acompanhada ao piano. Provavelmente Mayrink deixou a fita rolando nesse momento, e a única canção completa apresentada é uma apenas com piano e violão (segundo Caetano, é Gil ao violão) de “O Seu Amor”, com Gal, Elis e Caetano fazendo os vocais, encerrando então o lado B. “Estou curioso para saber o que vem na segunda fita“, diz Caetano, e então, vamos para ela.
A outra caixa traz um “ENTREVISTA” bem trabalhado na parte inferior da tampa, e no momento em que Caetano vê a palavra, começa a dar gargalhadas. Perguntei o que havia acontecido e ele “Você entenderá ao final, você entenderá!“. A entrevista começa com Mayrink perguntando para a dupla sobre qual é a proposta do show. Elis responde: “Estamos querendo fazer um samba do crioulo doido no palco, bicho. O maior barato que o Brasil já viu e ouviu. A gente vai unir nomes que representam um cenário musical legitimamente brasileiro de norte a sul deste país. Já que o Vinícius me apelidou de ‘Pimentinha’, então vamos colocar essa Pimentinha junto a melhor Pimenta do país, que é a baiana, né meu rei, para criar com esses doces de pessoas que são Gil, Gal e Caetano, Os Doces Apimentados“.
Caetano surge na fita: “Vamos criar um palco diferente, que não fique naquela coista estática e careta dos shows atuais. Nossa ideia é que, já que vamos apimentar desde o nome, então precisamos tornar o palco quente“. “Como será isso?” diz Mayrink. “Vamos fazer uma mudança na diagramação do cenário e das luzes. Mudanças de roupas serão uma constante, assim como fantasias. Pensamos em trazer uma conotação erótica através das nossas performances, com um vestuário diversificado que exalte nossos corpos, mas sem ser vulgar. E teremos muitas composições novas, minhas, de Gil, e até de artistas estrangeiros” segue Caetano. Elis complementa: “Queremos pegar os Ruy Guerra, os Vinicius de Moraes, alguns dos nomes de maior peso da América Latina, e inserir isso num caos nunca visto antes. Queremos fazer de tudo no palco né Geraldinho, provocar a plateia, chocar mesmo“.
Então Mayrink fala: “Mas essa união será algo revolucionária. Vocês são bárbaros“, e Elis, em choque, de pronto salta: “Você é burro cara, que loucura! Como você é burro! Que coisa absurda! Como você nos chama de bárbaros? As atrocidades que esses povos fizeram, você não entende que queremos homenagear nosso país“. Caetano ri enquanto comenta com o consultor: “Viu? A Elis não entendeu o lado do bárbaro. E na época, eu percebi que ela ficou muito irritada com o Mayrink. Foi então que em 1978 eu falei para ele que ele era burro, foi por causa da Elis. Por que eu entendi o que ela falou, e que agora essa fita está aí para mostrar. O Mayrink tinha esse comportamento que dava um toque de agressividade, e por isso eu quis lembrar dessa fala da Elis, até por que eu também estava puto com ela“.
A fita encerra-se exatamente após o esporro de Elis, com um Mayrink de voz exaltada falando “porra Elis, qual é a tua?”, e Caetano então segue contando sua versão da história. “Não havia como dar certo. A Elis tava com um pensamento muito modernista, cafona, de usar música francesa no palco, uma coisa tão provinciana. A gente acabou discutindo e então, como já havíamos criado várias canções, decidimos por chamar a Bethânia. Daí, para sacanear a Elis, a gente chamou o novo conjunto de Os Doces Bárbaros. Acho que foi por causa disso que ela concordou em fazer o que fez comigo naquele show do Transversal do Tempo, me imitando com aqueles trejeitos desengonçados, colocando ‘Gente’, que é uma música que eu cômpus e amo, com tanto deboche que não era quem eu sou como pessoa entende. Mesmo ela tendo me dito que foi coisa dos diretores, aquilo me magoou profundamente, sabe, por que ela já tinha dito aos quatro cantos que gostava de mim como gostava do irmão dela. Todo mundo sabe que não gostei dessa parte do show, aquele cartaz de Coca-Cola escrito ‘Beba Gente’. Era agressivo, uma bobagem. E o show também era esquisito, muito pra baixo e diferente do que havíamos feito com os Doces Bárbaros, e ocorreu mais ou menos na época que eu falei o que falei pro Mayrink. Mas a gente se acertou depois, e ela até bebeu conhaque rindo muito“.
Empolgado, Caetano amplia a polêmica. “A Elis era uma artista sofisticada da legítima música popular brasileira, mas ela tinha uma insegurança intelectual e de prestígio, no sentido de palco mesmo, e também de pessoa. E agora que elas já não estão aqui, preciso dizer também que a Gal tinha uma paixão reprimida pela Elis. E ela falou isso para a Elis. Tanto que a Gal chamou a Elis para o especial dela da Globo de 81, e você pode ver como a Elis fica o tempo todo sem olhar para a Gal, desorientada de estar diante daquele mulherão, que tinha uma paixão enorme pela Elis. Uma coisa louca de duas mulheres incríveis entende!“.
Mas e agora Caetano o que será feito dessa fita? “Sei lá, isso faz tanto tempo. 50 anos que ninguém soube disso. Penso que o melhor a ser feito é deixar isso num museu, por que as pessoas irão ficar só imaginando o que podia ter saído daí. Saiu muita coisa boa. O palco da Elis durante o Falso Brilhante praticamente veio todo daí, assim como nossas fantastias d’Os Doces Bárbaros. Eu não faço questão de falar mais nada sobre isso. Vou seguir minha vidinha, fazendo essa turnê com minha irmã Bethânia, por que isso aí não me pertence mais. Que fique sendo uma notícia real para vocês da imprensa, e para aquele imbecil que achou que eu tinha colocado ‘Elis’ em ‘Podres Poderes’, por que no fundo eu queria mesmo, mas não iria colocar uma prosódia assim numa letra. No fundo, se um dia fizessem algo com isso, vai parecer que foi ficção“.
Obs: Gustavo Mayrink disse que irá doar as fitas para o museu em homenagem à seu pai, com data de inauguração ainda a ser informada.