Selos Lendários: Chrysalis
Por Ronaldo Rodrigues
Voltando para a Inglaterra, a pauta deste capítulo da nossa série Selos Lendários é a Chrysalis.
A criação da Chrysalis tem alguma semelhança com a história de outro selo que já abordamos aqui, a Charisma (veja matéria aqui). Seus fundadores, Chris Wright e Terry Elis eram (antes da fundação do selo) agenciadores de bandas de rock no fim dos anos 60, assim como Tony Straton Smith, da Charisma.
Chris Wright era filho de fazendeiros na região de Lincolnshire, em Illinois, nos EUA. E quando jovem, se mandou para Manchester na Inglaterra, em meados dos anos 60, para estudar na universidade local. Lá, ele descolou o papel de secretário no diretório acadêmico e ali começou a agendar apresentações musicais na universidade. Em 1965, por exemplo, ele já tinha levado para tocar lá bandas como o Moody Blues e o The Who. Terry Ellis fazia mais ou menos a mesma coisa em Londres. Estavam na faixa dos 22-23 anos de idade, nos idos de 1967, quando se conheceram e resolveram juntar forças. Entre as bandas para as quais estavam buscando agendamento estavam as nascentes Jethro Tull e Ten Years After.
Passaram a dividir um pequeno apartamento como escritório e fundaram juntos a Ellis-Wright Agency. Já desde o início, eles gostariam de poder lançar os álbuns dos grupos que agenciavam, mas isso demandava um investimento que ainda não estava no calibre da dupla. Eles conseguiram fazer um acordo com o proeminente selo Island, de Chris Blackwell. Este acordo previa que, caso as bandas que eles agenciassem se saíssem bem nas vendas de seus discos (que seriam lançados pela Island), a Island lhes criaria uma estampa própria.
Era uma aposta que tinha grande chance de não dar certo. Mas o sucesso e a repercussão suficientes para tal não tardaram a aparecer. Em 1969, é fundada a Chrysalis Records, com o financiamento da Island. Seu nome é uma fusão do primeiro nome de Chris Wright com o segundo nome de Terry Ellis. Devido a semelhança com a palavra “crisálida”, uma simpática borboleta se tornou a identidade visual do selo.
Ainda sim, a trajetória não foi simples. O Jethro Tull, por exemplo, depois de uma impressionante performance no Windsor Jazz Festival despertou o interesse de muitos selos e a Chrysalis teve que ter muita habilidade e seriedade para conquistar a confiança da banda e tê-los em seu cast.
O primeiro lançamento com a estampa “Chrysalis” é uma versão do disco de estréia do Jethro Tull, This Was, ainda que lançado ao mercado pela Island, foi lançado na Alemanha com a logo da Chrysalis. Mas depois de iniciadas as atividades pra valer, em 17 de outubro de 1969, o primeiro lançamento foi o compacto com “Sweet Dreams” e “17″ do Jethro Tull, cujas faixas não constavam do segundo álbum do grupo, Stand Up, lançado pela Island. Os 5 primeiros lançamentos da estampa eram todos do Jethro Tull. Como disco completo, o primeiro a ser lançado pela Chrysalis foi de um dos filhos do Jethro Tull – a fantástica e desconhecida Blodwyn Pig, com seu disco Getting to This, formada pelo guitarrista Mick Abrahms, que abandonou o Jethro Tull antes do lançamento de seu primeiro disco.
Esse início da Chrysalis estava muito vinculado à Island, seja em acordos de distribuição ou relançando os contratados da Island em outros países. O mesmo ocorreu com o Ten Years After. O primeiro disco da trupe do guitarrista Alvin Lee que saiu pela estampa da Chrysalis foi o ótimo A Space in Time, em 1971. Neste mesmo ano, também sai Broken Barricades, do Procol Harum.
A Chrysalis, apesar da pouca variedade de nomes em seu cast, começava pelo alto. Jethro Tull, Ten Years After e Procol Harum desfrutavam de ótima reputação e tinham boas vendagens no início dos anos 70. Essa alavanca permitiu ao selo, gradualmente, incluir novos nomes. Nesta época, Chris Wright toma uma decisão da qual se arrepende e menciona expressamente em sua biografia – não contratar David Bowie. Na época, Bowie era uma espécie de “one-hit wonder”, por conta da canção “Space Oddity”, lançada em 1969. O disco que apresentou à Chrysalis era Hunky Dory e esse não conseguiu convencer os cabeças do selo à contratá-lo. No ano seguinte, Bowie estaria na boca do mundo com seu Ziggy Stardust, devidamente abocanhado pela RCA-Victor. Situações parecidas Chris Wright viveu com o Dire Straits no fim dos anos 70 e, nos anos 90, com as Spice Girls. Ambos não foram contratados e venderam milhões em outras estampas.
Já exemplos de apostas bem sucedidas da Chrysalis foram o UFO e Robin Trower. Todos seus lançamentos mais clássicos (no caso do UFO, a partir do disco Phenomenon) sairam pelo selo. A Chrysalis tem uma peculiaridade de ter lançado, de modo geral, a maioria das bandas derivadas de bandas que eram suas contratadas. No caso do Ten Years After, discos solos de Alvin Lee e de Chick Churchil; do Jethro Tull, o Wild Turkey (do baixista Glenn Cornick), o Blodwyn Pig (de Mick Abrahms) e os próprios discos solos de Mick Abrahms; do Procol Harum, os discos do guitarrista Robin Trower; no caso do UFO, a Michael Schencker Group nos anos 80, entre outros exemplos.
Em 75 também a Chrysalis passa abrigar o Gentle Giant, lançando o clássico Free Hand, durante o auge de popularidade do grupo. Terry Ellis havia ficado embasbacado com a musicalidade dos caras em shows que abriram para o Jethro Tull em 1972 e quando soube de quem estavam desapontados com a WWA, não perdeu a oportunidade de lhes oferecer um bom contrato.
A partir de 1976, importantes mudanças no mercado e no cenário do rock inglês e americano não passaram despercebidas pelos olhares atentos de Chris Wright e Terry Ellis. A Chrysalis tratou de buscar sua colocação na cena punk e new-wave, apostando acertadamente no Blondie, de Debbie Harry e no Generation X, de Billy Idol. Tanto a carreira solo de Billy Idol quanto os discos solo de Debbie também foram lançados pela estampa, nos anos 80. Com o avançar dos anos 80, a Chrysalis foi se afastando do rock e dando preferência a artistas pop de maior envergadura, como Pat Benatar, o grupo new-wave Ultravox ou o Huey Lewis and the News. Todos trouxeram muitos dividendos ao selo, que por repetidas apostas acertadas e um claro entendimento dos mercados musicais, sempre se manteve no topo, com um ritmo constante de lançamentos e relançamentos.
Em 1985, Terry Ellis vende sua parte da sociedade à Chris Wright e em 1990, a Chrysalis foi adquirida pela gigante EMI. Chris Wright é, até hoje, um empresário multi-milionário de muito renome, com investimento em outras mídias, como a TV, e no ramo dos esportes. Mas em entrevistas e depoimentos recentes, se diz desapontado com os rumos da música e da indústria fonográfica.
Com relação ao design do selo, o bom gosto desde o início prevaleceu. Apenas com a alterações de cores no fundo e nas letras, o emblema do selo permaneceu por muitos anos, tendo apenas pequenas variações no desenho da borboleta.
Chrysalis nunca teve muitos contratados, mas só tinha coisa boa no selo. No final dos anos 80 o selo ficou muito bonito, com a borboleta em azul sobre fundo branco! Se me lembro bem ela ocupava quase todo o espaço do selo.
Engraçado que aqui no Brasil tinha um outro selo de disco que trazia uma borboleta como mascote: quem não se lembra da lendária Copacabana Discos? Famosa principalmente por editar LPs sertanejos que hoje se tornaram clássicos.
PS: Quando vão falar do selo EPIC aqui no site? Foi o selo que editou no Brasil quase todos os discos do meu ídolo-mor Richard Clayderman – pelo menos durante a década de 1980, que foi a década de ouro dele (aquele logotipo cursivo é um clássico, é demais).