Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Bob Dylan – At Budokan [1978]
Por Marcello Zapelini
Bob Dylan lançou seu primeiro álbum (homônimo) em 1962. Já em 1963, a Columbia gravou alguns shows dele para o projetado Bob Dylan In Concert, mas apesar de o LP ter chegado ao estágio da capa, acabou sendo arquivado. Vários shows das turnês de 1965 e 1966 foram gravados profissionalmente, mas também não passaram para o status de “lançados”. Eventualmente, as primeiras gravações ao vivo do bardo sairiam no duplo Self Portrait, quatro composições extraídas do show dele com The Band no Festival da Ilha de Wight, perdidas entre as novas músicas do álbum; pouco tempo depois, mais material gravado ao vivo emergiria, pois The Concert for Bangladesh seria lançado e traria cinco músicas no lado A do terceiro LP, e Greatest Hits Vol. 2 traria uma música registrada em abril de 1963 no Town Hall de New York.
No entanto, um álbum exclusivamente gravado ao vivo só sairia em 1974, quando Before the Flood foi lançado (fãs, fiquem de olho: está sendo prometida uma box para os 50 anos da turnê). Mas apesar da boa qualidade do álbum, os fãs poderiam reclamar mais uma vez: um dos lados do duplo era inteiramente dedicado ao The Band e outro traria Dylan solo e mais músicas da “banda de apoio”. Depois, Bob saiu em turnê com a Rolling Thunder Revue, que renderia Hard Rain – outro álbum que desagradou os fãs, que argumentavam que os shows da primeira parte da turnê eram muito superiores (a box lançada alguns anos atrás provou que os fãs tinham razão). Em 1977, ele não lançou nenhum álbum, nem fez shows; mas em 1978 retornou à estrada em sua maior turnê até então, promovendo Street-Legal (um bom disco, mas aquém dos dois anteriores, Blood on the Tracks e Desire). Essa turnê o levou ao Japão pela primeira vez, e o representante local da Columbia sugeriu gravar dois shows no Budokan para um álbum ao vivo exclusivo para o mercado japonês. Dylan concordou, e após ouvir a gravação, aprovou o lançamento, que ocorreu no Japão em 21 de agosto daquele ano.
Vendendo bem no mercado de importados, Bob Dylan at Budokan teve seu lançamento mundial em 23 de abril de 1979, sendo recebido com desprezo pela crítica. Boa parte das reclamações eram em relação aos arranjos: com violino, sax, flauta e backing vocals femininos, Bob foi acusado de estar dando uma de Elvis em Las Vegas. Outros criticavam as mudanças nas músicas (como “Don’t Think Twice, It’s Alright” em ritmo de reggae e uma quase heavy “Maggie’s Farm”). Por fim, há quem reclame da voz de Bob (como é que é? Alguém esperava um Pavarotti?). Com franqueza, minha vontade é mandar os críticos lamberem um sabão. Bob Dylan at Budokan é um disco ousado, com arranjos criativos, que buscou trazer novidades para um repertório já bem conhecido, e ainda conta com músicas que podem ser consideradas como escolhas inesperadas. Além disso, a banda de apoio é muito boa, com destaque para o guitarrista Billy Cross, o saxofonista/flautista Steve Douglas e o ótimo Ian Wallace (que tocou no King Crimson) na bateria. Além disso, há que se destacar o multi-instrumentista David Mansfield (violino, bandolim, dobro, guitarra) e os sobreviventes da Rolling Thunder, Steven Soles e Rob Stoner (violão e baixo, respectivamente). A banda se completa com Alan Pasqua nos teclados, Bobbye Hall na percussão e as backing vocals Debi Dye, Jo Ann Harris e Helena Springs (esta última era crush do recém-divorciado Dylan).
O repertório revisita diferentes etapas da carreira de Bob Dylan, incluindo várias de suas músicas mais conhecidas, a maioria com arranjos bastante diferentes. Particularmente, acho bastante interessante essa opção; afinal, se for para ouvir um álbum ao vivo em que as músicas soam exatamente idênticas às versões de estúdio, prefiro as originais, em que pelo menos não se corre o risco de uma qualidade ruim de gravação. É claro que em alguns momentos ocorrem erros (como, por exemplo, a flauta desnecessária de “Love Minus Zero/No Limit” ou o ritmo meio marcial de “All I Really Want to Do”), mas, como dizia o grande filósofo Maxwell Smart (o Agente 86), “só erra quem tenta”. Em cada show gravado Bob apresentou 28 músicas – das quais 22 foram selecionadas para o álbum duplo original, que tinha uma duração de quase 100 minutos. Os destaques do álbum são vários: no meu ponto de vista, a versão de “All Along the Watchtower”, com Billy Cross soltando os bichos, só perde para a de Hendrix; “I Want You”, transformada numa suave balada com acompanhamento de flauta, ficou muito bonita; “It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding)” ganhou um vocal raivoso que eclipsa a boa versão de “Before the Flood”; “Maggie’s Farm” também ganhou uma dose extra de energia e peso (ainda que eu sinta falta dos ótimos solos de Mick Ronson na versão do “Hard Rain”); os backing vocals enriqueceram bastante “I Shall Be Released”. Mesmo a versão rearranjada de “Blowin’ in the Wind”, muito malhada pelos fãs, está bem interessante e confere uma nova vida a um velho cavalo de batalha.
No Japão, o álbum foi lançado com um livreto com as letras em inglês e japonês, bem como um poster e um folheto promovendo os álbuns de Dylan em catálogo no país. A maioria das edições internacionais trazia envelopes para os LPs com as letras em inglês, além de algumas fotos em preto-e-branco. Na parte interna da capa, uma grande foto de Bob e pequenas fotografias dos músicos que o acompanhavam. Em 2023, a Sony Music Japan lançou uma box com os dois shows completos, o que permite ver que os LPs seguiram a ordem das apresentações originais. Além das versões alternativas das músicas oficialmente lançadas, há alguns petiscos, como “Tomorrow is a Long Time”, a versão instrumental de “A Hard Rain’s Gonna Fall” que abria os shows, as raridades “Repossession Blues” e “Love Her With a Feeling” – além de todos os extras que completam a parte gráfica. Isso nos permite começar uma nova série de vídeos no nosso canal do Youtube. Confira!
Bob Dylan at Budokan é figura comum na lista dos piores discos de Bob Dylan; acho essa avaliação um tanto injusta. Por outro lado, também não iria para a dos melhores. Mas é um bom álbum ao vivo de um artista que estava numa encruzilhada nessa época, e tomou rumos inesperados depois. De certo modo, Dylan estava temporariamente se despedindo de uma de suas personas nesse álbum. E o caminho que ele trilhou já foi devidamente analisado nesta Consultoria do Rock na série de artigos sobre sua conversão ao cristianismo.
Track list
- Mr. Tambourine Man
- Shelter From The Storm
- Love Minus Zero/No Limit
- Ballad Of A Thin Man
- Don’t Think Twice, It’s Allright
- Maggie’s Farm
- One More Cup Of Coffee (Valley Below)
- Like A Rolling Stone
- I Shall Be Released
- Is Your Love In Vain?
- Going, Going, Gone
- Blowin’ In The Wind
- Just Like A Woman
- Oh, Sister
- Simple Twist Of Fate
- All Along The Watchtower
- I Want You
- All I Really Want To Do
- Knockin’ On Heaven’s Door
- It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding)
- Forever Young
- The Times They Are A-Changin’
Bela resenha, Marcello! Mesmo eu não apreciando a obra de Dylan (nem conhecendo o álbum em questão), pude perceber nitidamente o porquê da “birra” de críticos e fãs com o disco (eu também não sei como me sentiria em relação a mudanças tão radicais de arranjos em músicas da qual sou fã), e o motivo de você julgar que estes pontos não são deméritos, mas sim acréscimos!
Um outro artista que, ao longo da carreira, incorporava (e segue incorporando) mudanças de arranjo em suas músicas (não tão radicalmente quando Dylan faz com sua obra) é Neil Young. Não que eu esteja querendo comparar os dois, mas trago o exemplo para dizer que já ouvi obras “elétricas” de Young em versões acústicas e simplificadas, e obras “voz e violão” em versões elétricas com banda e solos em profusão, ou músicas originalmente “voz e violão” interpretadas ao piano ou teclados, e, muitas vezes, torci o nariz para os novos arranjos… com o tempo, até me acostumei a algumas dos versões “diferentes”, mas, a maioria, ainda acho estranhas. Sendo assim, penso que eu seria do “time” que não ia “aceitar” muito bem as mudanças que Dylan fez (e faz) em suas músicas, assim como boa parte dos fãs parece reagir a este álbum, pelo seu relato…
Lembro que, quando Dylan se apresentou em Porto Alegre em 1998, uma das resenhas do show que li reclamava exatamente nas muitas mudanças de arranjo feitas nas músicas, que nem sempre eram os “grandes sucessos” que o pessoal esperava, mas canções mais “lado B” e outras de discos mais recentes (até então)… ou seja, aparentemente, Dylan ainda continua confundindo quem espera que ele toque nota por nota suas canções mais conhecidas a cada show… mesmo que não faça isto há mais de 50 anos, rsrsrsrs…
Obrigado pelo comentário, Micael! O Neil Young é outro mestre em rearranjar suas músicas – algumas vezes dá muito certo (como esquecer da versão de “Transformer Man” no “Unplugged”), às vezes dá com os burros n’água. Dylan muitas vezes mudava as letras das músicas, em alguns casos significativamente (como “Tombstone Blues” no “Real Live” de 1984 – para ele, a letra definitiva está nesse álbum), mas neste “At Budokan” ele ousou mais nos arranjos do que em qualquer momento da sua carreira. Coincidentemente a única vez que assisti um show dele foi em 1998, mas no Rio de Janeiro, quando ele abriu para os Stones (e deu uma canjinha com eles), e por isso o show foi curto, durando cerca de uma hora. Já li que desde que a Never Ending Tour começou, um show do Bob Dylan é como jogar na loteria – às vezes você faz uma megasena acumulada sozinho, às vezes não acerta nem uma dezena. Se tiveres um tempo, dá uma chance para o “At Budokan” – pode até não gostar, mas sem dúvida vai se surpreender.
Um dos discos “ao vivo” mais criticados de todos os tempos é sem dúvida este aí do Sr. Dylan e sua banda em Budokan, gravado no fim da década de 70. Quem não tem preconceitos com os arranjos “repaginados” para vários de seus clássicos nele contidos pode conferi-lo tranquilamente. Destaco a versão de “All Along the Watchtower” registrada para este álbum, que conseguiu a meu ver superar a clássica versão do Jimi Hendrix.
Valeu, Igor! Bom saber que mais pessoas gostam da versão de “All Along…” deste álbum. Para mim é a melhor que Bob Dylan lançou oficialmente!
Tanto a original do Dylan quanto a releitura do Hendrix são clássicas, mas essa versão ao vivo em Budokan da canção mencionada trouxe uma vibração e uma entrega impressionante que ambas as duas anteriores citadas não mostraram, a meu ver. Valeu pela resposta, Marcelão!