Tralhas do Porão: The Dukes of Stratosphear
Por Marco Gaspari
No dia 1º de abril de 1985, em pleno April Fool’s Day, a cidade de Londres foi tomada de assalto pelo lançamento de um EP (alguns dizem que é mini-LP) de 12” com 6 músicas do grupo The Dukes of Stratosphear, um combo que se dizia de veteranos da Swinging London e cujo contraste com a cena dominada por bandas de synth pop adornadas por baterias eletrônicas era tão acachapante que se tornou impossível passar despercebido. O nome da belezinha: 25 O’ Clock. E ouvir o disco era uma viagem de ácido no tempo, um sonho lisérgico com trilha sonora que se confundia com Beatles, Rolling Stones,Kinks, Cream, Pink Floyd, Tomorrow…
The Dukes era composto por Lord Cornelius Plum, The Red Curtain, E.I.E.I. Owen e Sir John Johns que, em uma entrevista para a rádio BBC logo depois do disco ser aclamado pela crítica e abraçado pelo público, predizia um futuro cor de rosa para os até então desconhecidos sobreviventes da psicodelia sessentista inglesa. Dizia também que “Honest” Mitch Mengele, o empresário da banda, então em prolongadas e merecidas férias em Barbados, já tinha agendado shows na Cornualha e no País de Gales e que The Dukes, depois de haver tocado em clubes londrinos e juntado grana o suficiente para a compra de um projetor de efeitos de óleo, esperava agora a oportunidade de capitanear um Be-In noturno multimídia, onde o público poderia relaxar e saborear desde o jantar até shows de mímica, pintura com os dedos ou simplesmente trazer suas tábuas de surf.
Apesar de “Honest” nunca ter voltado de suas férias, a piada era tão boa que logo começaram as especulações de quem poderiam ser os duques que orbitavam naquela estratosfera. Principalmente porque nem um ano depois eles eram mencionados nos créditos do fantástico álbum Skylarking, disco que inaugurou a fase psicodélica da banda XTC. Mas o mistério só veio a público mesmo em agosto de 1987, quando The Dukes of Stratosphear lançou o Lp Psonic Psunspot e o pessoal do XTC começou a admitir em entrevistas que The Dukes era seu alterego. Assim, Sir John Johns era Andy Partridge, The Red Curtain era Colin Moulding, Dave Gregory era Lord Cornelius Plum e seu irmão Ian se juntou à banda para se tornar E.I.E.I. Owen.
Criar o The Dukes of Stratosphear foi uma ideia no mínimo genial do líder do XTC Andy Partridge e essa idéia simplesmente salvou a carreira da banda. Explico: o XTC surgiu em 1977 em plena new wavebritânica. Seus trabalhos, no entanto, sempre foram difíceis de categorizar, mas a excelência de seus músicos colocou a banda em ascendência até 1982, quando tiveram a oportunidade de fazer a América e se consolidar como um nome de prestígio e sucesso. Acontece que às vésperas dessa excursão ianque costa-a-costa, Andy Partridge sofreu um colapso nervoso e tiveram que cancelar toda a turnê. Andy e seu comparsa Colin Moulding optaram então por abandonar os shows ao vivo e transformar o XTC numa banda exclusivamente de estúdio, o que contrariou e muito a gravadora Virgin. Muito dinheiro havia sido investido no grupo e a oportunidade de reaver esse investimento com lucro ficaria muito difícil sem ter a banda em excursão promovendo seus discos. Que os álbuns do XTC eram brilhantes, isso ninguém duvidava, mas cada vez mais crescia na Virgin a desconfiança de que esse brilhantismo jamais seria convertido em vendas significativas, principalmente agora que os músicos teriam mais tempo para compor e, conhecendo seus contratados, haveria muito mais excessos criativos do que hits comerciais.
Tanto Mummer quanto The Big Express, discos respectivamente lançados em 83 e 84, foram retumbantes fracassos para os já normais padrões XTC de vendagem. O fiasco representado por The Big Express, um álbum repleto de ótimas canções, mas sem nenhum hit que pudesse ser explorado nas paradas, fez cair a ficha de que a banda estava completamente alheia às novas tendências do mercado. E isso era um bilhete de suicídio para qualquer artista que resolvesse lutar, fora de forma, no truculento mano a mano do pop inglês. Eles já podiam se considerar mortos e enterrados, e sem as honras da Rainha. Para piorar o quadro, o XTC também estava na época padecendo de preocupações financeiras por conta do empresário que preferiu abandonar o barco (daí o “Honest” na frente do nome do empresário idealizado por eles para The Dukes).
Cansados da maré baixa e convictos de que, apesar de tudo, todos os álbuns da carreira do XTC vinham num crescendo de qualidade, a banda (leia-se Andy Partridge) intuiu que o melhor que poderia acontecer naquele momento era se tornarem um pseudônimo, sem problemas financeiros, sem desconfianças da gravadora, sem satisfações a dar ao público. E assim nasceu The Dukes of Stratosphear, uma espécie de volta no tempo para homenagear as bandas que fizeram a cabeça dos músicos quando tinham entre 12 e 14 anos. Uma ideia, aliás, que Partridge alimentava desde 1978.
Com um orçamento modesto de 5 mil libras conseguido da Virgin em troca da promessa de um disco que soaria como qualquer coisa lançada em 1967, os duques começaram a trabalhar, mergulhando profundamente no som e nas capas dos discos que fizeram a glória da psicodelia inglesa. O que veio à público naquele dia da mentira de 1985 foi uma afronta a todas as regras pop da metade da década de 80, época de baterias eletrônicas sem personalidade e dos nefastos sintetizadores da moda, regras que, diga-se de passagem, também se aplicavam aos discos do XTC. A liberdade que eles tiveram em estúdio junto ao produtor John Leckie os deixaram à vontade para lançar mão de todos os truques da cartilha de como fazer um disco na segunda metade dos anos 60, muito longe da pasteurização sonora dos 80 onde cada instrumento parecia soar errado.
Como resultado prático, o EP 25 O’Clock vendeu 100 mil cópias no seu lançamento, três vezes mais do que os últimos discos do XTC haviam vendido. E a curiosidade do público em relação ao The Dukes foi tão grande nos dois anos que separaram o EP do álbum Psonic Psunspot, que a revelação da identidade dos músicos foi não só um renascimento para o XTC, mas ao incorporarem no som elementos da persona The Dukes of Stratosphear, eles se tornaram também um novo XTC, com fôlego e badalação suficientes para continuarem lançando ótimos discos até o final da banda em 2005.
01 – 25 O’Clock
02 – Bike Ride To The Moon
03 – My Love Explodes
04 – What In The World??
05 – Your Gold Dress
06 – The Mole From The Ministry
Psonic Psunspot (LP 1987)
01 – Vanishing Girl
02 – Have You Seen Jackie?
03 – Little Lighthouse
04 – You’re a Good Man Albert Brown (Curse You Red Barrel)
05 – Collideascope
06 – You’re My Drug
07 – Shiny Cage
08 – Brainiac’s Daughter
09 – The Affiliated
10 – Pale and Precious
Sir John Johns (Andy Partridge) – singing, guitar, brainbuds
The RedCurtain (Colin Moulding) – electricbass, songstuff
LordCorneliusPlum(Dave Gregory) – mellotron, piano, organ, fuzz-toneguitar
E.I.E.I. Owen (Ian Gregory) – drum set
Que postagem boa, Marco Gaspari, muito obrigado por compartilhá-la! Do XTC, a única coisa que conheço (e tenho até hoje na coleção) é o “Oranges & Lemons”, LP duplo muito bom, e nunca tinha ouvido falar desse projeto deles. O texto que escreveu me instigou a ir atrás não só dele como de mais coisas do XTC. Abraços e bom domingo.