Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Stagnation [1970]

Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Stagnation [1970]

Por Mairon Machado

Durante os meses de setembro e outubro, o Maravilhas do Mundo Prog dedica sua atenção para as Maravilhosas canções criadas pelos britânicos do Genesis. Depois de apresentarmos as Maravilhas de Pink Floyd, Emerson Lake & Palmer e King Crimson, chegamos no quarto gigante do rock progressivo inglês, que dentre os cinco mais (completando o quinteto temos o Yes) foi o que teve a carreira progressiva mais curta, entre 1970 e 1977, mas o suficiente para causar estragos nas mentes dos apaixonados pelo estilo.

Os que conhecem o grupo, enaltecem a grandeza de “Supper’s Ready“, Maravilha Prog que já teve sua história contada aqui há alguns meses, e que certamente, é uma das maiores representantes do que foi o rock progressivo. Mas dentro da breve discografia com Peter Gabriel nos vocais (flautas e percussão), com apenas seis lançamentos de estúdio, o Genesis lançou material suficiente para fazermos no mínimo uma série com dez Maravilhas Prog somente com a banda. Com a difícil missão de escolher apenas quatro Maravilhas Prog, começamos pela primeira delas, lançada em 1970 no segundo disco do grupo, Trespass.

Anthony Phillips, Mike Rutherford, Tony Banks, Peter Gabriel e Chris Stewart

Antes de descobrimos qual é essa Maravilhosa canção, vamos contar um pouco da história do Genesis. A gênese do Genesis começa na escola de Charterhouse. Lá, no ano de 1963, Peter Gabriel e Tony Banks (teclados, violões, percussão) ingressaram para cursar o segundo grau (ensino médio). Em 1964 chegava à mesma escola Mike Rutherford (baixo, guitarra, violões), e em 1965, Anthony Phillips (guitarras, violões de seis e doze cordas). Como toda gurizada adolescente, o som rolava direto nas casas e garagens da região e, assim, surgiu a Anon, formada por Anthony, Mike, Rob Tyrrel (bateria), Richard McPhail (voz) e Rivers Job (baixo), e a Garden Wall, com Gabriel, Tony e Chris Stewart (bateria). Vale ressaltar que todos os garotos provinham de lares típicos da burguesia britânica, com hábitos bem diferentes dos demais, sendo que Tony estudou piano clássico desde pequeno.

Em 1966, Job e McPhail saíram da escola, deixando a Anon somente como trio, o que culminou com o encerramento da banda. Anthony passou a integrar a Garden Wall, a qual já vinha fazendo algumas apresentações mais impactantes pela região, sendo que em uma delas, com Job tocando baixo, Gabriel atirou pétalas de rosas ao público, um choque para a conservadora plateia britânica da época.

Com o fim da Anon, Mike e Anthony começaram a pensar em um novo projeto, com o qual contavam com a colaboração de Tony. Porém faltava vocalista, e daí Gabriel apareceu na jogada, graças à insistência de Tony. Muitas informações dizem que Gabriel teria entrado na banda como baterista, mas segundo o box Archive 1967-75(1998), ele realmente foi convidado para ser o vocalista.

Banda formada, hora de juntar grana e começar a gravar. Várias composições surgiram, entre elas as raras “Listen on 5″, “Don’t Wash Your Back”, “Patricia” e “Try a Little Sadness”. Gravam uma fita que chegou às mãos de Jonathan King, o qual era um conhecido dos tempos da Charterhouse e que trabalhava para o presidente da Decca Records (a mesma dos Stones). King ajudou os garotos no processo de desenvolvimento das canções, influenciando bastante principalmente na inclusão de orquestrações e no trabalho das linhas vocais, já que King adorava o Bee Gees.

O primeiro compacto do Genesis

Assinam então um contrato com a Decca, lançando seu primeiro compacto, com “The Silent Sun” e “That’s Me”, no dia 22 de fevereiro de 1968. Um fato no mínimo curioso ocorreu no momento da assinatura dos papeis. Como eram todos menores de idade, foi necessário a autorização dos pais para a realização de tal assinatura. Porém, o contrato proposto pela Decca era de quatro anos, o que levou os pais de Gabriel, Tony, Anthony e Mike à loucura, já que eles queriam ver seus filhos formados, e não músicos. Mesmo assim, toparam assinar um contrato de um ano com direito a renovação para mais um. Stewart foi o batera da sessão de gravação deste compacto. O nome Genesis também foi obra de King, já que ele queria mostrar ao público que algo novo estava entrando no mercado.

 

O segundo compacto do grupo;
tão raro quanto o primeiro

Em 10 de maio de 1968 lançam seu segundo compacto, com “A Winter’s Tale” e “One Eyed Hound”, mas, com a fraca divulgação, ambos não venderam nada.

A essas alturas, Tony estava cursando Física na Universidade de Essex e Gabriel estava estudando para passar no teste da Escola de Cinema de Londres. Porém, a gana por tocar de Mike e Anthony os convenceram a ficar mais um tempo, além do fato de King ter aberto as portas da Decca para a produção do primeiro LP, o qual começou a ser gravado em julho de 1968, já contando com o novo baterista, John Silver. Durante a mixagem do álbum, descobriu-se que existia um outro Genesis nos Estados Unidos. Mike e Gabriel pensaram em Revelation, mas também já existia. Então, lançaram o álbum como From Genesis to Revelation, o qual traz no encarte a justificativa: “Agora somos um grupo sem nome, mas temos um disco e queremos distribuí-los a vocês, com ou sem nome“. Bons tempos aqueles em que as bandas tentavam se comunicar com os fãs.

 

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A desconhecida estreia do Genesis

 

Temos um álbum muito diferente do que viríamos a conhecer nos posteriores, com uma temática religiosa fortemente empregada, contando com letras muito místicas, as quais falavam sobre a aurora do homem e de sua evolução, sempre através do ponto de vista bíblico. Os destaques ficam para “Where the Sour Turns to Sweet”, “The Serpent”, “Window” e “A Place to Call My Own”, em um bom álbum repleto de passagens orquestrais, momentos acústicos e canções curtas, com no máximo quatro minutos de duração, sendo uma gema pop britânica típica do final dos anos 60 (assim como o início da carreira de David Bowie, por exemplo).

From Genesis to Revelation foi lançado com uma capa preta e o título em letra tipografica gótica escrita em dourado. Desta forma, era catalogado em lojas de música nas seções religiosas, sendo muito difícil de ser encontrado, com as suas vendas iniciais alcançando somente 600 cópias. Aqui no Brasil o disco não foi lançado em sua versão original, mas existem no mínimo dois relançamentos, In the Beginning e Where the Sour Turns to Sweet que, além das treze faixas originais, trazem diversas outras composições da fase inicial da banda.

Mesmo com o fracasso comercial a banda já estava contagiada, e decidiram seguir carreira, com Tony largando os estudos para se dedicar exclusivamente à música. Silver partiu dessa para uma melhor, retornando aos estudos e sendo substituído pelo batera John Mayhew, o qual entrou na banda graças ao periódico Melody Maker. Além disso, McPhail reapareceu nas redondezas, e decidiu empresariar o grupo.

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Anthony Phillips, Peter Gabriel, Mike Rutherford, Tony Banks e John Mayhew

Em março de 1970 começava a surgir uma das grandes gravadoras do cenário inglês, a The Famous Charisma Label, a qual possuía como chefão o carismático Tony Stratton Smith. Através de amigos, o assistente pessoal de Smith, John Anthony, que foi responsável pela contratação do Van Der Graaf Generator pela gravadora, resolveu conferir o trabalho dos garotos do Genesis, e se encantou. A Decca tentou em vão negociar mais um contrato de renovação, mas já era tarde. Assim como os Beatles e o embrião do King Crimson, o Giles, Giles & Fripp, a Decca via uma potência de vendas ir por água abaixo.

Não demorou muito para que o grupo entrasse nos estúdios da Trident (aonde iriam frequentar durante um bom tempo) e desse início na gravação do novo álbum, já que a sede pelos estúdios era enorme depois de um ano vivendo somente a base de apresentações. No dia 23 de outubro de 1970, é lançado Trespass.

O amadurecimento individual é sensível, e a entrada de Mayhew torna o som do grupo mais homogêneo e gostoso de ouvir durante todo o álbum, que começa totalmente diferente de From Genesis to Revelation, com a sensacional “Looking for Someone”, uma canção que resume o que veio a ser o Genesis a partir de então, caprichando em linhas acústicas, seja com violão e piano, seja com inserções de flautas, e canções longas, repletas de mudanças no seu andamento, além de um Peter Gabriel soltando a voz e transmitindo para o ouvinte o que as canções queriam contar. Os violões aparecem hipnotizantes na introdução de “White Mountain”, destacando o timbre único dos sintetizadores de Banks, e claro, as inserções de flautas e variações destacadas para “Looking for Someone” novamente presentes, e o lado A encerra-se com a linda balada “Visions of Angels”, sendo difícil encontrar algo tão puro quanto essa canção, e destaque total para a inserção do mellotron com muita força no final da canção.

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Encarte de Trespass

 

É no início do Lado B que está “Stagnation”. Sua importância é tamanha para a Discografia do Genesis, principalmente por ser a primeira a apresentar algo no estilo que consagrou o grupo anos depois, que é a interpretação teatral de Gabriel e as variações climáticas da canção, com passagens interpretando os trechos que a história narrada na letra está contando. Essa Maravilhosa conta a história de um homem rico que gastou toda sua fortuna para construir um abrigo subterrâneo, aonde decide sobreviver. Uma explosão atômica ocorre e dizima com a população mundial, sendo que Thomas é o único sobrevivente, herdando todas as fortunas do mundo. Um pouco da história está no encarte, com as palavras: “To Thomas s. Eilseberg, a very rich man, who was wise enought to spend all his fortunes in burying himself many miles beneath the ground. As the only surviving member of the human race, he inherited the whole world.”

A canção surge com os violões de Banks e Rutherford dedilhando enquanto Philips faz um breve tema. Gabriel canta suavemente a decisão do homem, acompanhado pelo dedilhado dos violões e de um piano, que saltita notas breves entre as mudanças de acordes de violões. As duas primeiras estrofes são cantadas assim, e na sequência, um órgão aparece juntamente da percussão, fazendo breves notas, para o piano dedilhar mais algumas notas e deixar os violões como sendo o centro das atenções. Um fantasmagórico solo de moog aparece entre os dedilhados do violão, e o clima torna-se extremamente sombrio e apreensivo na medida que os violões ampliam a velocidade de seus dedilhados (algo que se tornaria comum em várias canções do Genesis nesse período), mostrando o início da reclusão do personagem central.

Temos um crescendo com a entrada do órgão, que executa um belíssimo solo acompanhado pelos violões (agora sem estarem dedilhados, mas variando muito os acordes), um dos melhores solos da carreira de Banks diga-se de passagem e com um andamento veloz de baixo e bateria. Repentinamente, o solo é encerrado, e uma flauta traz a sequência da letra, com Gabriel agora acompanhado por acordes de violões e pelo mellotron, e Thomas tentando entender as justificativas de por que decidiu seguir aquela vida, sem contato com o exterior. Os violões voltam a dedilhar, e efeitos surgem na voz de Gabriel, levando-nos para o início do encerramento da canção através das notas hipnotizantes dos violões e das vocalizações.

O órgão passa a repetir as notas hipnotizantes, e então Gabriel solta a voz, com o personagem descobrindo-se como o herdeiro do mundo, e a letra sobre um andamento agitado de violões, bateria, baixo e órgão, deixando novamente apenas os violões dedilhando, para acompanhar um tema feito pela flauta, com a percussão fazendo breves participações. Um crescendo na percussão traz o órgão repetindo o tema da flauta, e vocalizações encerram essa magistral canção de forma emocionante, e o homem seguindo sua vida, agora fora do abrigo, com Mayhew socando a bateria imponentemente, enquanto baixo, órgão, piano e violões repetem o tema da flauta.

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Capa dupla original de Trespass

As versões originais de “Stagnation” apresentam uma estrofe diferente no encerramento, mas que não alteram em nada a história de Thomas. Dando sequência ao LP, “Dusk” mantém o clima lá no alto, com os violões sendo o centro das atenções e mais uma performance soberbar de Gabriel, e o LP encerra com outra Maravilha, “The Knife”, totalmente diferente das demais, com um ritmo cavalgante, baixo carregado na distorção e uma velocidade incrível na voz de Gabriel, e na qual podemos conferir um pouco do talento de Philips com a guitarra e do belo trabalho instrumental que o grupo não parou de parir a partir de então.

O álbum torceu o nariz de poucos críticos da imprensa, já que quase nem foi divulgado, e por isso, não vendeu muito no Reino Unido. Por outro lado, alcançou número um na Bélgica, feito este que levou o grupo a tocar pela primeira vez fora da Grã Bretanha. Também é importante resslatar que este é o único álbum do grupo no qual todos os integrantes participam na composição de todas as canções (posteriormente, Banks e gabriel iriam dividir constantemente os holofotes da maioria das canções da banda).

Outro ponto importante de Trespass vai para o início da colaboração com o artista plástico Paul Whitehead, que veio a fazer as duas capas posteriores dos álbuns do Genesis. Tanto o desenho quanto a inserção do corte de uma faca são obras suas, de uma beleza rara (assim como as pinturas de Roger Dean, porém mais realistas), e o capricho estende-se para a parte interna da capa dupla original e no encarte do LP, cuja aquisição no lançamento original é obrigatória.

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Parte interna de Trespass

Inesperadamente, quando tudo parecia começar a dar certo, Anthony decidiu sair da banda semanas antes do lançamento de Trespass, seguindo uma carreira solo eremita. O futuro virou uma incógnita, principalmente para Banks, que havia largado tudo para se dedicar à música.O último show de Anthony com o Genesis foi em 18 de julho de 1970, e para cumprir datas, a banda seguiu apresentando-se como um quarteto.

Gabriel e Rutherford mataram no peito, principalmente por conta do grande número de shows agendados, e bancaram a sequência do projeto.Como estavam satisfeitos com as performances de Mayhem, substituíram o baterista pelo novato Phil Collins, que entrou no grupo em 2 de outubro de 1970. Para o lugar de Anthony, foi chamado Mick Barnard, que fez apresentações com os demais colegas de 3 de novembro de 1970 até 10 de janeiro de 1971, em um total de trinta concertos e uma raríssima (e dada como perdida) apresentação na TV no programa Disco 2 da BBC, em 14 de novembro de 1970.

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Interessante árvore genealógica do Genesis, apresentada na versão japonesa do CD de Trespass

No dia 14 de janeiro de 1971, Barnard deu lugar para Steve Hackett, que ao lado de Gabriel, Rutherford, Banks e Collins, consolidou para a eternidade uma das formações mais importantes do rock progressivo, cuja estreia no mesmo ano, deixou mais Maravilhas Prog para os fãs, dentre elas, a linda faixa de abertura, “Musical Box”, que será apresentada daqui há um mês, no Maravilhas do Mundo Prog.

Um comentário em “Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Stagnation [1970]

  1. “Stagnation” é, junto com “The Knife”, o primeiro indício de que o Genesis faria algo realmente bom em sua carreira. O salto de qualidade do primeiro LP para este “Trespass” é impressionante, especialmente se considerarmos que se tratava de músicos que mal chegavam aos vinte anos. Gosto do Genesis pop da fase trio, mas o quinteto “Trespass” – “Nursery Cryme” – “Foxtrot” – “Selling England by the Pound” – “The Lamb Lies Down on Broadway” é insuperável!

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