Dez Anos de O Terno [2014]
Por Mairon Machado
Depois de aparecer com destaque na edição n° 95 da revista Rolling Stone em sua edição brasileira, com uma matéria especial e quatro estrelas de Pedro Antunes para o álbum homônimo, o grupo O Terno entrou na minha lista de bandas a serem conhecidas, já que a curiosidade com a descrição – gostinho vintage em meio a teclados, órgãos e timbres de décadas passadas – rapidamente atiçou meus ouvidos.
Formado em 2009 na capital paulista por Martim Bernardes (guitarra, voz, piano, órgão), Victor Chaves (bateria) e Guilherme d’Almeida (baixo), o grupo já está em seu segundo álbum. O primeiro, 66, foi lançado em 2012 de forma totalmente independente, levando-os a lotar o Auditório do Ibirapuera em São Paulo e recebendo comentários positivos de boa parte da imprensa, como o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, que o colocou como “Um dos mais impressionantes discos de estreia de uma banda brasileira em todos os tempos“, e com a citada Rolling Stone elegendo 66 como um dos 25 melhores lançamentos nacionais daquele ano. Carregado de ironia, humor e canções diretas e curtas, realmente O Terno salientava-se sobre a mesmice que aparecia na época.
Dois anos depois, O Terno veio para novamente surpreender à todos, inclusive aqueles que ficaram de boca aberta com 66. Afinal, não há lembranças do rock simples, sessentista e com boa dose de humor de 66, mas sim, um amadurecimento através de temas sociais, principalmente da classe média jovem de nosso país, e também na musicalidade do trio. É a partir daqui que a banda ganha o Brasil, e Tim Bernardes se torna o novo queridinho da mídia musical nacional, sendo uma espécie de um novo Marcelo Camelo para a geração Z. Depois de 400 mil visitas em seu site, a arrecadação de R$ 35 mil reais para a criação de O Terno, um álbum muito versátil, que pega influências desde a psicodelia do Pink Floyd de Syd Barrett até a sutileza musical do Clube da Esquina de Milton Nascimento e Lô Borges, passando também pela Tropicália e por que não, o hard dos anos 70, sobrou para o trio caprichar nas críticas à imprensa, a uma classe jovem sem saber sobre o futuro e até mesmo ao estilo proposto por eles em suas músicas.
A faixa de abertura é uma ótima demonstração das diversas inspirações que encontramos n’O Terno, já que “Bote Ao Contrário” possui grandes referências de Tom Zé, seja no vocal de Tim ou na letra debochada criada pelo autor, falando sobre as revoltas adolescentes, mas adicionando elementos diversos que acabam transformando a breguice musical em uma surpreendente faixa. “O Cinza” vira o disco 180°, começando com uma pancadaria que acaba em uma leve canção sobre a angústia de se andar em São Paulo, mas com um refrão que irá balançar as paredes de sua casa. “Ai, Ai Como Eu Me Iludo” é uma balada sessentista com o marcante órgão tropicalista de Pedro Pelotas zanzando durante frases doloridas de alguém com grandes problemas de convivência, seguida por mais uma canção bastante tropicalista, “Quando Estamos Todos Dormindo”, com um sutil embalo de valsa, tendo o órgão de Marcelo Jeneci como carro chefe.
A mensagem da leve “Eu Confesso” mostra uma crítica aos jovens mimados da classe média enjoada com pinta de artista, que se consideram inteligentes, bonitos e importantes, ampliada durante “Brazil”, linda melodia beatle com flautas desta forte candidata a melhor de O Terno, cantada em inglês e com uma crítica forte ao pensamento estrangeiro sobre nosso país (“How do you think that we go to our schools? Climbing our lions on dirt avenues? … Well rich robbing poor people That’s trully wild“).
A alegre “Pela Metade” tem como destaque seu arranjo instrumental, enquanto “Vanguarda?” (no encarte chamada de “Filhos Da Vanguarda (Ou Não)” é uma faixa extremamente experimental, audaciosa, trazendo uma nostalgia Mutante dos primeiros álbuns, seja nos efeitos da guitarra ou nas malucas passagens instrumentais, criticando aos que enalteceram a banda chamando-os de Vanguarda do rock nacional, exatamente a imprensa, e novamente somos surpreendidos pela simples (e simplória) “Quando Eu Me Aposentar”, de mais uma história de um jovem viajando sobre seu futuro e o seu presente. “Medo do Medo” é uma viagem lírica sobre um andamento conturbado como a letra, refletindo o pavor de quem tem medo de tudo, destacando o forte solo da canção, na melhor linha de gigantes como Grand Funk Railroad ou Uriah Heep, e trazendo a participação especial de Tom Zé em assustadoras vocalizações.
“Eu Vou Ter Saudades” é de levar às lágrimas tamanha a beleza dos acordes e da dor exalada pela voz de Tim, com um certo ar de Caetano Veloso, chamando a atenção o lap steel de Luiz Chagas, e para terminar, mais um choque aos ouvidos com o piano enigmático de “Desaparecido”, trazendo a participação d’Os Caramujos André Vac (rabeca) e Gabriel Milliet (saxofone e flautas), com uma letra fantástica de um filho que acaba de descobrir que não é filho de seus pais, e pior ainda quando sabe que foi sequestrado pelos pais que o criaram, com um final de estória assustador e inesperado, tendo uma trilha sonora de desenhos animados para completar essa bela obra d’O Terno.
Trocando em miúdos, O Terno, que saiu em CD e vinil, além de ter sido disponibilizado gratuitamente no site da banda, é um belo e surpreendente disco do início ao fim, e que está completando 10 anos de cada vez mais seguidores. O trio só cresceu a partir daqui. O ex-Memórias de Um Caramujo Gabriel Basile substituiu Victor na bateria, e assim, o trio lançou mais dois álbuns igualmente aclamados, Melhor Do Que Parece (2016) e Atrás/Além (2019).
Já Tim tem seu nome consolidado na música indie e na nova música popular brasileira. Seu álbum Recomeçar (2017) foi indicado ao Grammy Latino de 2018, ficou em segundo lugar entre os Os Melhores Álbuns de 2017 pela Rolling Stone nacional e em oitavo dentre os Dez Álbuns Fundamentais da Década pela revista O Globo em 2010. O crescimento do rapaz foi tamanho que ele já dividiu o palco e estúdios com nomes como Arnaldo Antunes, Nando Reis, Tom Zé e Jards Macalé, apenas para citar alguns. As gigantes baianas também não ficaram sem dar seu aval para Tim. Maria Bethânia gravou “Prudência”, composição de Tim, no disco Noturno (2021). E em especial, Gal Costa gravou uma canção sua, “Realmente Lindo”, no álbum A Pele do Futuro (2018), e fez dupla com Tim em seu último álbum, Nenhuma Dor (2021), em um belo dueto para a mega-clássica “Baby”.
Recentemente, em abril, O Terno anunciou um hiato por tempo indeterminado, devendo encerrar as atividadesapós a turnê pela Europa em novembro desse ano. “Para a gente, preservar nossa obra juntos e nossa amizade é a coisa mais importante“, afirmou o trio em nota oficial. A despedida do trio no Brasil está agendada para o show na 10ª edição do Coala Festival, em setembro, na cidade natal da banda formada há 15 anos. Meu irmão Micael disse com sapiência em seu texto aqui no site (ver acima) que o Brasil já tinha seu Los Hermanos, e ele soava como Mutantes. E pior que há várias semelhanças entre os grupos (hiato após 4 álbuns, a guinada musical no segundo disco, a preferência dos fãs pelo terceiro, etc). Mas eu vou além. Ouvir O Terno é apenas mais um exemplo de que o rock e a criatividade no Brasil estão em constante mutação, e a cada década, é capaz de trazer uma surpresa para nossos ouvidos.
1. Bote Ao Contrário
2. O Cinza
3. Ai, Ai Como Eu Me Iludo
4. Quando Estamos Todos Dormindo
5. Eu Confesso
6. Brazil
7. Pela Metade
8. Vanguarda?
9. Quando Eu Me Aposentar
10. Medo do Medo
11. Eu Vou Ter Saudades
12. Desaparecido
Este disco me “ganhou” quando assisti ao seu lançamento em um show do Terno em um Opinião quase vazio meses depois de seu lançamento. Era a segunda vez do grupo na cidade, a primeira com Biel na bateria, e a primeira de várias vezes que assisti ao trio depois. Cheguei a encontrar os garotos depois nos bastidores, peguei autógrafos, bati papo, todos bem simples e humildes. Gosto bastante do Melhor do que Parece, mas este deve ser, mesmo, o melhor disco da banda, que mudou muito de lá para cá, tanto musicalmente quanto em termos de popularidade, e parece, agora, vai rumar para o ostracismo, com Tim investindo em uma carreira solo “a la” Rodrigo Amarante (para manter a comparação com o Los Hermanos que já identifiquei anos atrás), alternativa, sem muita mídia, mas sempre interessante e atraente para aqueles já cativados por suas composições (eu mesmo cheguei a assistir a um de seus shows solo, sozinho mesmo, se alternando entre o violão e o piano, no Theatro São Pedro, alguns anos atrás).
Lamento por quem tem preconceito com o grupo (assim como quem tem com o Los Hermanos) e acaba perdendo momentos muito legais como alguns dos que escutamos ao ouvir este disco, que, não a toa, acabou ficando na nossa lista de melhores discos nacionais da década passada, ainda que, a meu ver, em posição inferior à que merecia!
Valeu Micael. A galera tem um preconceito até por questões que vão além da música né. Existe um lado de “tom político da casa do Caetano? Não gosto”, e daí é difícil mudar a opinião. O Terno é um baita disco, e uma lástima que o Tim cresceu tanto a ponto de ser o Ian Anderson d’O Terno, assim como a banda tenha entrado esse hiato