Datas Especiais: 40 Anos de Ride the Lightning
Por Diogo Bizotto
Pense rápido: qual é seu álbum favorito de heavy metal? Difícil responder? Pois para mim, apesar de quase 30 anos estudando o gênero e ter ouvido muitas centenas de discos, trata-se de uma tarefa relativamente fácil. Não é de hoje que Ride the Lightning, que completa 40 anos de lançamento amanhã, 27 de julho, ocupa posição de grande privilégio entre os magníficos álbuns do estilo que já tive o prazer de escutar. James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Cliff Burton cunharam com esta obra mais que um simples amontoado de músicas dispostas em sequência. Ride the Lightning é atestado da maturidade do heavy metal, uma mostra contundente de que aquilo que bandos de cabeludos vinham fazendo em diferentes partes do globo era mais do que primitiva agressividade juvenil, mas algo para ser levado a sério e receber reconhecimento como qualquer outra elevada forma de arte.
Kill ‘em All, lançado um ano antes, já havia tido grande impacto na afirmação do underground como força criativa e do Metallica como líder incontestável de um movimento que vinha ganhando força nos dois extremos dos Estados Unidos e, ainda em menor proporção, na Europa: o thrash metal. Ao mesclar, talvez inconscientemente, a velocidade, a proficiência técnica e a agressividade da New Wave of British of Heavy Metal com a crueza e a atitude hardcore, os músicos abriram a foice e facão um novo caminho a ser explorado, reconhecendo sua influência no passado, mas livre de amarras e de concepções que ainda vigoravam, como a rivalidade entre punks e headbangers. O segundo passo, Ride the Lightning, jogou os últimos resquícios de ingenuidade para bem longe e pavimentou de vez essa estrada, que seria percorrida em ritmo frenético pelo Metallica por ao menos mais três lançamentos, construindo sua reputação como a mais bem sucedida banda de heavy metal de todos os tempos.
Um grande álbum tem em sua produção um dos mais sólidos pilares a fim de sustentar a qualidade de suas composições. Em busca disso, o quarteto deixou os Estados Unidos e deslocou-se para a Dinamarca, terra natal de Lars, a fim de trabalhar com Flemming Rasmussen no Sweet Silence Studios, na capital Copenhague. O resultado dessa parceria foi uma sonoridade tão gélida quanto o inverno nórdico, sem a rispidez juvenil de Kill ‘em All, mas com muito mais solidez e, principalmente, peso, ancorado nas musculosas performances de todos os músicos, que ainda tinham muito a evoluir, mas que já se mostravam capazes de alçar voos muito mais altos que aqueles concretizados um ano antes, provável resultado dos shows que o grupo vinha realizando para promover seu nome e o lançamento do primeiro disco, tornando o quarteto mais afiado e confiante na própria competência. A evolução nas composições, então, foi assombrosa. Por mais que decidir qual álbum do Metallica é o favorito para cada fã seja difícil e muitos ainda prefiram Kill ‘em All, é flagrante quão grande foi o salto em termos de complexidade das canções. Mais que um ataque insano de riff atrás de riff e solos faiscantes, Ride the Lightning é dinâmico, versátil e bem trabalhado, apresentando uma atmosfera única a cada faixa.
Outro fator que contribui para que o julgue meu preferido é o fato de contar com aquelas que tenho como as quatro melhores músicas que o Metallica já concebeu em sua vitoriosa carreira: “For Whom the Bell Tolls”, “Fade to Black”, “Creeping Death” e “The Call of Ktulu”. Agora imaginem minha satisfação em ter experimentado a grande sorte de ver três dessas canções (as três primeiras citadas) executadas na primeira oportunidade que tive de assistir o Metallica ao vivo, em 28 de janeiro de 2010, em Porto Alegre. Além dessas, de Ride the Lightning também foi tocada a faixa-título, tudo isso apenas na primeira meia hora de espetáculo, a meia hora mais intensa de todas as dezenas de shows que já tive a felicidade de presenciar. Guardo em especial o momento em que James disse, após o término da primeira música do set, “Creeping Death”: “Metallica is with you. Are you with us?”, seguido da introdução de “For Whom the Bell Tolls”. Aquele foi o instante em que percebi a proporção daquilo que presenciava e pensei “PUTA QUE PARIU, EU TÔ NUM SHOW DO METALLICA”. Nem James pensando, minutos depois, que aquela era a primeira apresentação da banda na capital gaúcha (era a segunda, a primeira ocorreu em 6 de maio de 1999), sendo corrigido em seguida pelo público e por Kirk, serviu para diminuir a intensidade daquela noite.
Um fato digno de nota em Ride the Lightning é a última presença de créditos para o guitarrista Dave Mustaine (Megadeth) como compositor na banda, que ocorre com a faixa-título e com “The Call of Ktulu”. Além disso, também aparecem nele os primeiros créditos para seu substituto, Kirk Hammett, que passou a ocupar sua vaga pouco antes de ter início a gravação de Kill ‘em All. Quatro músicas contam com sua colaboração: “Fade to Black”, “Trapped Under Ice”, “Escape” e “Creeping Death”. Cliff Burton, que até então havia assinado apenas a instrumental “Anesthesia”, do disco anterior, também mostrou seu valor como compositor, ajudando a dar forma a seis das oito canções que compõem o álbum. Uma delas é a brutal abertura “Fight Fire With Fire”, que engana os ouvintes por alguns segundos em função de sua tranquila introdução acústica, mas logo descamba em uma sessão de porradaria pouquíssimas vezes reproduzida com tanta intensidade em trabalhos posteriores, mostrando a evolução do grupo em relação ao disco anterior. Os vocais de James, inclusive, estão incluídos nisso, pois aquele moleque espinhento da contracapa de Kill ‘em All aparenta ter ganhado autoconfiança gigantesca, soando mais desafiador e menos juvenil, evoluindo junto à sua capacidade de criar riffs memoráveis
Por falar em memorável, a faixa-título de Ride the Lightning conta com uma das mais marcantes introduções de todo o catálogo do grupo, na qual Lars e Cliff martelam seus instrumentos sem dó enquanto Kirk e James cospem notas de suas guitarras. Além disso, seu refrão também é perfeito para grudar na mente do ouvinte e nunca mais sair. Apesar da excelência das duas primeiras, é na terceira música que reside aquele que talvez seja, ao menos para mim, o momento mais grandioso da trajetória do Metallica. A maneira como “For Whom the Bell Tolls” é construída, partindo dos sinos anunciando sua introdução, passando pelo baixo distorcido de Cliff, de sua longa e bem trabalhada introdução e da letra versando a respeito do livro homônimo de Ernest Hemingway, além dos solos de Kirk, é sinônimo da mais pura perfeição em forma de música. Exagero? Não! Atestado puro do talento e do empenho de um quarteto que tinha tudo para conquistar o mundo com sua arte e assim o fez! Ao vivo, então, a canção ganharia contornos ainda mais épicos, e diferentes plateias não apenas entoariam sua letra, mas solfejariam as melodias desta que é, até hoje, uma das mais aguardadas presenças nos setlists do grupo.
Para colocar dúvida quanto ao primeiro lugar no pódio ocupado por “For Whom the Bell Tolls” existe “Fade to Black”. O lamento suicida, alimentado pelo fato do equipamento do grupo ter sido roubado na época, é, mais que uma das mais importantes canções no catálogo da banda, a primeira balada do grupo e do próprio thrash metal, em uma época em que a maioria das primeiras formações rotuladas como tal sequer haviam lançado seus discos de estreia, mais uma mostra da ousadia e do pioneirismo do Metallica. Introduzida acusticamente e crescendo aos poucos, tornando-se mais e mais pesada, “Fade to Black” estabeleceu um modelo que nortearia a composição de outras músicas do tipo pela banda, como “Welcome Home (Sanitarium)” (Master of Puppets, 1986) e “One” (…And Justice for All, 1988), que também receberam a pecha de clássicos, provando o acerto do grupo, apesar do risco de desaprovação que existia em uma época mais radical. Vale mencionar ainda que Kirk, apesar de ter sido questionado quanto à sua capacidade nas seis cordas diversas vezes ao longo dos anos, apresenta em Ride the Lightning um desempenho dos mais marcantes, e o solo de “Fade to Black” é, não apenas meu provável favorito em toda a discografia da banda, um dos melhores já criados em toda a história do rock.
As faixas seguintes, “Trapped Under Ice” e “Escape”, são provavelmente as únicas do disco que recebem uma dose de críticas, tanto por parte de fãs quanto da própria banda. Não à toa, foram executadas ao vivo pouquíssimas vezes. “Escape”, inclusive, foi tocada na íntegra somente em uma oportunidade. O que eu penso disso? Besteira! “Trapped Under Ice”, adaptada de uma música de Kirk composta em seu tempo como guitarrista do Exodus, faz uma conexão com a rispidez de Kill ‘em All e tem na sua velocidade um trunfo, ajudando a equilibrar o disco após duas canções mais cadenciadas. “Escape”, por sua vez, tem em seu refrão uma característica positiva, além de um grudento riff principal. De certa forma, soa até um pouco mais “comercial” para os parâmetros do Metallica naqueles tempos. Mais fraca? Talvez, mas sem comprometer uma nota dez, caso precisasse avaliar Ride the Lightning dessa maneira.
Já a seguinte, “Creeping Death”, é não menos que monumental. Perfeita para ser executada ao vivo, criando grande interação com o público, soou como patrolas passando sobre meu corpo quando foi música de abertura do show que presenciei em 2010. Não à toa, é a segunda faixa mais tocada pelo Metallica em suas apresentações, perdendo apenas para “Master of Puppets”. Quer apresentar o poder de fogo da banda para alguém que ainda não a conhece? Taca “Creeping Death” no talo e aguarde a reação. Se não gostar dela, acho difícil que esse ser realmente tenha algum gosto por heavy metal. Faixa que finaliza o álbum, a instrumental “The Call of Ktulu” é motivo de debate entre os fãs, que alimentam comparações entre esta e a instrumental presente em Master of Puppets, “Orion”. Muitos apontam “Orion” como favorita, citando entre seus argumentos a performance avassaladora de Cliff Burton, que realmente debulha o baixo na canção. Prefiro, porém, “The Call of Ktulu” e sua cativante progressão, através da qual riffs evoluem ao natural e instauram um clima que encontra paralelo no universo de seres fantásticos criados pelo escritor norte-americano H. P. Lovecraft, do qual foi extraída a ideia para o título da faixa.
Outro fato que atesta a importância que Ride the Lightning teve, e dessa vez quase de imediato, foi a assinatura de um contrato com a gravadora major Elektra Records um mês e meio após seu lançamento, sacramentando o crescimento de um movimento que até então era totalmente underground e mostrando para outros artistas que era, sim, possível galgar o sucesso, desde que talento e trabalho estivessem presentes em proporções semelhantes. Além disso, basta uma checada na sequência do track list de Master of Puppets para atestar que sua elaboração teve muito a ver com o bem sucedido posicionamento das faixas em Ride the Lightning. Podem conferir: com exceção de “Orion” e “Damage Inc.”, que tiveram posições trocadas, é fácil estabelecer comparações com as músicas que integram a ordem de execução nos dois discos. Agora, vocês concordando ou não, será que realmente preciso de mais argumentos para defender a importância e a qualidade desta obra? Creio que não. Encerro aqui minha homenagem, crente de que ela não faz jus à grandiosidade deste álbum, mas na esperança de fomentar uma discussão: afirmei logo de início que Ride the Lightning é meu disco favorito de heavy metal. Pois bem, qual é o de vocês? Fico no aguardo.
Track list:
1. Fight Fire With Fire
2. Ride the Lightning
3. For Whom the Bell Tolls
4. Fade to Black
5. Trapped Under Ice
6. Escape
7. Creeping Death
8. The Call of Ktulu
Acho que meu disco de heavy metal favorito em todos os tempos seria “Black Sabbath Vol. 4”, mas é só para responder ao desafio no início da matéria!!
“Ride the Lightning” é um disco que me acompanha desde 1987, e eu conheci por meio de uma amiga que era fanática pela banda e pelo Motorhead. Mas não foi meu primeiro LP do Metallica – essa honra cabe ao “Master of Puppets”. Mas foi o segundo, hehehe… Eu acho o álbum praticamente perfeito, e não posso deixar de registrar minha decepção quando, pouco depois de ter comprado este disco, adquiri o “Kill ‘em All” que, mesmo sendo bom, era meio cru e meio primitivo em relação aos outros dois, muito mais elaborados e bem trabalhados. Questão de gosto!! Obrigado por chamar a atenção, amanhã ele vai para o CD player!
Gosto muito dos quatro primeiros álbuns do Metallica lançados nos anos 80, mas a minha opinião sobre Ride the Lightning nunca mudou. Pois, o “quarentão” de hoje é tratado por mim como o “patinho feio” dos quatro primeiros discos dos americanos por um motivo simples: tirando as suas três principais canções “For Whom the Bell Tolls”, “Creeping Death” e, em especial, “Fade to Black” (minha favorita), as cinco faixas restantes costumam dividir opiniões. A faixa-título e “Fight Fire With Fire” são poucas vezes tocadas nos shows da banda, por outro lado “Trapped Under Ice” e “Escape” (principalmente) entraram na galeria das canções subestimadas do Metallica – e que até mesmo a própria banda não valoriza.
Mas o ponto mais fraco de Ride the Lightning no meu ponto de vista reside em seu final, com a canção mais “diferente das outras” do tracklist: a instrumental de quase 9 minutos “The Call of Ktulu” (é aquela coisa, não gosto de “Los Endos”) que não se encaixou muito bem pro meu gosto como um adequado “grand finale” a este disco. Tá, tem também a versão orquestrada dessa mesma canção no ao vivo S&M (1999) que eu achei bem superior, mas a verdade é que não sou muito fã de canções instrumentais que encerram um disco de metal/hard visto por muitos como um “clássico”, tal como o nosso álbum quarentão de hoje: é sim um clássico, mas não considero nem de longe o melhor disco do Metallica nos anos 80 porque este posto pertence ao aclamadíssimo Master of Puppets, que veio depois (não cito toda a carreira deles pois o que foi lançado do Black Album até o 72 Seasons não me interessa). Enfim, deixo aqui os meus parabéns ao Ride the Lightning por ainda se manter, apesar dos pesares, firme e forte nessas quatro décadas hoje completadas com sucesso.
Ah, e sobre a pergunta do começo desta mesma matéria, afirmo que o meu disco favorito de heavy metal é o Screaming for Vengeance, do Judas Priest (lançado em 1982) – a perfeita síntese de como o estilo deve soar aos meus ouvidos. Simples assim.
Screaming for Vengeance é top 3 para mim, Igor! Sabbath ganha porque além de tudo é uma paixão antiga…
Não curto muito o Sabbath talvez pela persona do Tony Iommi, esse “canhoteiro” superestimado por muitos… Tecnicamente, o Sabbath para mim é muito “pobre” se comparado com outras bandas como o Metallica, o Priest, o Maiden, o Saxon e até mesmo o Accept. Compreendes?
Claro! É tudo uma questão de gosto pessoal, eu particularmente adoro o Black Sabbath e o Tony Iommi. E gosto muito das bandas que você citou, ainda que menos do que o Sabbath
Tudo bem, Marcelão… O Sabbath é daquelas bandas que até hoje não consigo entender o motivo de tanta veneração dos fãs de metal, já que, como eu disse antes, outras bandas que vieram depois são (musicalmente e tecnicamente falando) infinitamente superiores a Iommi e seus comparsas…