Caetano Veloso & Banda Black Rio – Bicho Baile Show [2002]

Caetano Veloso & Banda Black Rio – Bicho Baile Show [2002]

Por Mairon Machado

No ano de 2002, foi lançada a incrível caixa Todo Caetano. O box da Universal Mercury traz nada mais nada menos do que toda a obra de Caetano Veloso até então, diluida em nada mais nada menos do que 41 (!) CDs e 1 DVD. Um dos 3 CDs inéditos do box (que apresento abaixo no nosso canal através da coluna Man in the Box) traz o registro da apresentação de Caetano durante a turnê do álbum Bicho (1977) ao lado da banda Black Rio no Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro, em 1978.

 

Caetano estava fazendo a transição da sua carreira anárquica (que começára com Transa, 1972, passando por Araçá Azul de 73 e a dupla Joia / Qualquer Coisa, lançados em 1975) para o lado mais popular que o levou ao status de ícone da música brasileira (com os lançamentos de Muito Dentro da Estrela Azulada, de 1978, o mega sucesso Cinema Transcendetal de 1979, Outras Palavras, de 1981 e Cores, Nomes, de 1982), sendo Bicho o disco que faz essa mudança, quase uma coletânea de sucessos, já que contém “Tigresa”, “Odara”, “Gente”, “O Leãozinho”, “Um Indio”, “Two Naira Fifty Kobo” e mais as anárquicas “Olha O Menino”, “A Grande Borboleta” e a sensacional “Alguém Cantando”, com a voz da irmã de Caetano, Nicinha.

Encarte do CD

Caetano vinha sendo criticado pela impresa justamente por se afastar da Tropicália e “se vender” ao lado mais comercial, e antenado com a onda disco music, e o sucesso da Black Rio com o excelente disco Maria Fumaça, chamou o grupo formado por Claudio Stevenson (guitarras), Jamil Joanes (baixo), Sidinho Moreira (percussão), Cristóvão Bastos (piano elétrico), Oberdan Magalhães (saxofone, flauta), Lucio Da Silva (trombone) e Barrosinho (trompete) para dividir o palco neste audacioso e impressionante show, que com certeza é uma das maiores performances da carreira do baiano, felizmente resgatada por Charles Gavin no box citado acima.

A linda introdução da Black Rio para “Intro/Odara”, com a presença da flauta de Oberdan, já prepara o terreno para o que virá a seguir, 80 minutos de muita energia em um conjunto que está vivendo uma forma impecável. Então, começa o swing dos metais e da guitarra, além do groove da ótima cozinha comandada pelo baixo trepidante de Jamil Joanes, embalando “Odara” por mais de 8 minutos, com solos de guitarra, fantástico arranjo de metais, e Caetano cedendo espaço para a Black Rio se apresentar para seu público. Caetano então empunha o violão para a introdução de “Tigresa” (mais uma audácia começar o show com duas músicas do mais recente álbum). Aos poucos, a Black Rio vai surgindo, transformando totalmente esse clássico, com os metais e o piano elétrico fazendo inserções magistrais. A performance de Caetano também é de destaque, com seus exageros vocais que marcam sua carreira sendo presentes, e ao mesmo tempo com uma força pouco comum em sua voz. O solo de trompete aqui é Magistral com M maiúsculo, assim como toda a canção! A Black Rio também faz mais uma das suas junto de Caetano, ao reformular “London London”, de uma canção triste para uma suave e dançante faixa, onde a guitarra brilha com passagens muito bem inseridas, assim como a harmonia dos metais casa muito bem com a percussão.

Parte interna do encarte

Caetano então sai do palco para deixar a Black Rio brilhar. Quem nao conhece a banda, prepare os ouvidos para muita ginga, e para o groove impactante do baixão de Jamil Joanes, um dos maiores músicos do Brasil. O hepteto manda ver em versões arrepiantes para “Na Baixa Do Sapateiro”, “Leblon Via Vaz Lobo”, e a pérola de abertura da novela Loco-Motivas, “Maria Fumaça”. As três faixas, presentes no álbum homônimo do grupo (1977), são apresentadas com muitos improvisos individuais, e é genial, além de muito humilde, Caetano abrir esse longo trecho do show para que seus músicos brilhem. São quase 20 minutos exclusivos do grupo, nos quais a Black Rio mostra por que é uma das bandas mais cultuadas no mundo do funk/disco nacional, e não à toa, Maria Fumaça é um clássico atemporal dos lançamentos nacionais.

A percussão então traz Caetano para o palco, interpretando “Two Naira Fifty Kobo”, esta sim, muito fiel ao original, e com o baiano prestando sua homenagem à Jorge Ben, Luiz Melodia, Gilberto Gil e a própria Black Rio. Os improvisos retornam em “Gente”, relembrando a fase Devadip de Carlos Santana, com o saxofone, órgão e percussão brilhando na introdução dessa empolgante canção. Os arranjos dos metais compensam a ausência dos vocais femininos originais, criando uma nova visão para o que ouvimos sair das caixas de som, além de fazer passagens que não estão presentes na versão original, principalmente o trecho final com a trilha d’Os Trapalhões. E o embalo segue com mais uma recriação, agora a assustadora e irreconhecível “Alegria, Alegria”. Quem conhece a famosa versão tropicalista irá se surpreender com o que está registrado aqui. Guitarra a la Chic, metais a la Earth, Wind & Fire, uma versão puramente Black Tropical.

Capa interna gatefold

Temos mais uma sequência Black Rio, com “Baião” e “Caminho Da Roça”, novamente com muitos improvisos – o que Cristóvão faz ao piano deve ter sido digno de abrir um sorriso de orelha a orelha em nomes como Chick Corea (R.I.P.), Jan Hammer e Herbie Hancock – e encerrando o show com uma inexplicável revisão para “Qualquer Coisa” – não há palavras para descrever o quanto reformularam a música do álbum homônimo de 75, apenas ouça – e o ritmo trio elétrico grooveado de “Chuva Suor E Cerveja”, clássico carnavalesco de Caetano que agitou (e ainda agita) carnavais Brasil afora.

Todo Caetano, quando encontrada completa, e com o CD 41 aqui resenhado, é um rim, um fígado e um pulmão, e mesmo o CD individual não se encontra por menos de 500 reais. Por sorte adquiri a minha em uma época onde ainda não valia tanto, mas para quem não tem, felizmente streamings estão aí para compensar o fato de ter esta mídia fisicamente, permitindo uma audição fantástica, que dará um tapa na boca daqueles que ainda ousam chamar Caetano de chato, babaca, entre outros adjetivos pejorativos, sem ao menos conhecer a obra do cara. Viva Caetanto, que completa hoje 82 anos. Parabéns e muita saúde. Você é totalmente demais!

Contra-capa do CD

Track list

1. Intro / Odara

2. Odara

3. Tigresa

4. London London

5. Na Baixa Do Sapateiro

6. Leblon Via Vaz Lobo

7. Maria Fumaca

8. Two Naira Fiffy Kobo

9. Gente

10. Alegria Alegria

11. Baião

12. Caminho Da Roça

13. Qualquer Coisa

14. Chuva Suor E Cerveja

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