Shows Inesquecíveis: 10 Anos de Titãs em Porto Alegre
Por Micael Machado
De certa forma, a popularidade dos Titãs pode ser medida pelos locais em que o grupo se apresentou na capital gaúcha. Em 1993, na turnê de Titanomaquia, assisti à banda pela primeira vez no Ginásio Tesourinha, com capacidade para umas sete mil pessoas. Na época dos discos Acústico MTV, Volume 2 e As Dez Mais, encontrei com eles por duas vezes no Ginásio Gigantinho, para 18 mil lugares. Anos depois, em 2012, na turnê de 30 anos, eles estavam no Pepsi On Stage, que tinha uns quatro mil espectadores em um local para sete mil. Um ano depois, na turnê “Titãs Inédito”, o palco foi o Araújo Vianna e seus 3 mil e quinhentos lugares. Em 2014, quando o quarteto lançou Nheengatu, seu melhor disco em quinze anos (pelo menos), a casa que lhes acolheu foi o Bar Opinião, com seus dois mil lugares praticamente esgotados para um show que, com certeza, superou muitos dos citados acima!
Uma das razões para isto foi o repertório escolhido para a apresentação. Na mesma pegada do álbum que vinham divulgando, lançado no meio daquele 2014, Paulo Miklos (voz e guitarra), Branco Mello (voz e baixo), Sérgio Britto (voz, teclados e baixo – nas músicas com Branco nos vocais principais), Tony Bellotto (guitarra) e o músico convidado Mário Fabre (bateria) resolveram focar nas composições mais “pesadas” do grupo, muitas delas grandes hits de sua carreira, provando que quem pensa que os Titãs são apenas aquele grupo de sucessos “bonitinhos” como “Epitáfio” ou “Nem Cinco Minutos Guardados” está bastante enganado. Passavam apenas alguns poucos minutos da hora marcada quando os cinco músicos entraram no palco usando máscaras que remetiam às maquiagens do clipe de “Fardado”, que inclusive foi a canção que abriu a noite, após a mesma introdução “tribal” que eles usavam na turnê de 30 anos. Provando não ter medo de arriscar e confiar (pelo menos à época) no repertório de seu então novo lançamento, o grupo emendou logo mais cinco composições de Nheengatu (todas elas usando as tais máscaras), as quais, se não receberam a recepção mais calorosa do pessoal, pelo menos se saíram melhor do que na apresentação do ano anterior, quando ainda eram ilustres desconhecidas!
Os cinco músicos mascarados no palco do Opinião
Com pouco menos de vinte minutos de show, uma longa chamada da bateria de Fabre (enquanto os músicos se desfaziam das máscaras) foi a senha para o início de “Polícia“, que, para muitos, foi realmente a música que “começou” a apresentação, e, ao final desta, Sérgio se dirigiu ao pessoal pela primeira vez, dando o tradicional “boa noite Porto Alegre” e dizendo ser “um prazer tocar pela primeira vez as músicas de Nheengatu na cidade”. Só se ele quis dizer que era a primeira vez “oficialmente”, pois a próxima canção “Fala Renata”, já havia sido tocada tanto no show de 2012 quando no de 2013, o que não foi suficiente para arrancar uma reação mais emocionada do pessoal.
Se o público parecia ainda meio “desligado” das novas canções (a certa altura, Sérgio perguntou quantos ali já haviam ouvido seu novo lançamento, para a resposta positiva de apenas alguns poucos), a cada música mais conhecida a festa era enorme, com todos no público cantando junto praticamente todos os versos. Mantendo quase todo o set list em “blocos” de duas canções para cada vocalista, os Titãs foram alternando as composições de Nheengatu (foram doze no total) a sucessos como “Bichos Escrotos“, “Flores”, “AAUU”, a já obrigatória “Vossa Excelência” (com direito a mais um discurso irônico de Miklos, onde ele se anunciou como um candidato “ficha suja” para a próxima eleição que viria), “Diversão” ou “Televisão”. O espaço para os “lados B” da longa carreira dos paulistas foi bastante reduzido, mas apareceu na forma de canções como “Desordem” (onde Britto cantou os primeiros versos do refrão e ouviu a galera entoar em peso todo o restante antes do início efetivo da música), “32 Dentes”, “Cabeça Dinossauro” ou “Estado Violência”, que fizeram a festa dos fãs “de verdade” do grupo.
Com o repertório (corretamente, na minha opinião) focado nos discos Cabeça Dinossauro (de onde vieram oito músicas) e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (que cedeu quatro números para o show), ficou fácil comprovar que Nheengatu tem realmente muito mais afinidade musical com estes discos (e também com o já citado Titanomaquia, que, infelizmente, foi ignorado neste novo show) do que com a “fase pop” que os Titãs atravessaram após o sucesso do Acústico MTV. Além disso, foi fácil perceber que Branco e Paulo estavam cada vez mais seguros como instrumentistas, enquanto Mário mostrava ser merecedor de ocupar o lugar que um dia foi do “monstro” Charles Gavin (e que voltou a ser dele temporariamente anos depois), e que Tony é, e sempre foi, a alma “roqueira” e rebelde do conjunto (ou da tribo, como Sérgio se referiu aos Titãs em certo momento da apresentação), com riffs e solos que o colocam como um dos mais subestimados guitarristas de sua geração!
Momento da apresentação dos Titãs
“Sonífera Ilha” (um pouco mais “pesada” que o habitual) encerrou a primeira parte da apresentação, com os cinco retornando para um bis que iniciou com “Canalha”, também de Nheengatu. Britto então se dirigiu ao microfone para lembrar que aquela canção não era dos Titãs, e sim de Walter Franco, e que era uma das duas únicas da noite que eles não haviam composto. A outra seria a próxima, a cover para “Aluga-se“, de Raul Seixas, mais uma que levou o pessoal próximo do delírio. O bis se encerrou com “Homem Primata” (que também levantou a galera), mas o conjunto ainda voltaria uma segunda vez ao palco, com uma sequência matadora que iniciou com “Comida”, passou por “Igreja” (que teve a recepção mais morna do bis) e a “calminha” “Marvin”, que deveria, oficialmente, encerrar de vez a apresentação e deixar a todos os presentes no Opinião satisfeitos com o que haviam assistido.
Só que o pessoal “bateu pé”, e, aos gritos de “mais um, mais um” e “Titãs, Titãs”, exigiu um terceiro retorno do quinteto. Visivelmente satisfeitos, Sérgio assumiu o microfone para cantar “Família” junto com o imenso coral do público, apresentando os músicos no decorrer da mesma e fazendo a tradicional citação a “Panis Et Circenses”, d’Os Mutantes, próxima ao seu final. Após agradecer pela noite “inesquecível”, foi sucedido ao microfone por Branco, que
cantou “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana”, naquela que deveria ser a derradeira canção desta data!
Mas a galera ainda não havia se dado por satisfeita, e repetiu os chamados pela volta dos Titãs ao palco! Claramente de forma improvisada, e mostrando-se surpreendidos pela situação, os paulistas retornaram pela quarta vez, com Sérgio declarando que “não esperavam por aquela reação”, e que “não estava no programa da noite tocar baladas”, mas “as pauleiras haviam esgotado”. Assim, depois de lembrar que a letra da próxima música havia sido musicada a partir de um poema do piauiense Torquato Neto, o grupo tocou “Go Back”, que, seguida pela balada “Prá Dizer Adeus”, finalmente satisfez a vontade daqueles que queriam algo mais “calmo” ao invés da “gritaria” (como Britto se referiu a músicas como “AAUU”) que havia predominado até ali nas quase duas horas e quinze minutos que já durava o espetáculo. Ao final desta última, o responsável pelo som da casa, mais do que depressa, emendou logo no som mecânico a canção “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso, evitando assim que o pessoal pedisse por mais uma canção, algo que, pela empolgação de todos, acredito que seria bem possível de ocorrer!
Tivesse acabado no segundo bis, como havia sido planejado, já teria sido um grande show (com as composições de Nheengatu, ao menos para mim, que gostei muito do disco, se mostrando dignas de dividir o repertório com os antigos sucessos dos Titãs), mas as duas voltas “extras” que o grupo fez (em uma atitude de respeito aos fãs de certa forma até surpreendente em tempos onde muitos artistas – com menos estrada e relevância que os paulistas, diga-se de passagem – parecem não estar “nem aí” para a vontade de seu público) tornaram aquela noite muito especial. Uma pena que, nas turnês posteriores, as músicas de Nheengatu fossem praticamente ignoradas nos set lists, com a banda voltando a investir em um repertório mais “leve” e “palatável” para a maior parte dos fãs dos paulistas, que, dez anos atrás, mostraram aquele que, talvez, tenha sido o último arroubo de rebeldia nos palcos de um grupo que já foi um dos mais importantes do país, mas que, hoje em dia, especialmente após o final da turnê de reunião, se tornou apenas “mais um” na multidão! Lamentável!
Set List da apresentação – em Porto Alegre, apesar de estar escrito “Circo” na parte de baixo
Set List:
1. Fardado
2. Pedofilia
3. Cadáver Sobre Cadáver
4. Baião de Dois
5. Terra À Vista (Chegada ao Brasil)
6. Senhor
7. Polícia
8. Fala, Renata
9. Bichos Escrotos
10. Mensageiro da Desgraça
11. Republica dos Bananas
12. Flores
13. AAUU
14. Desordem
15. Vossa Excelência
16. Diversão
17. Televisão
18. 32 Dentes
19. Cabeça Dinossauro
20. Quem São Os Animais
21. Estado Violência
22. Lugar Nenhum
23. Eu Me Sinto Bem
24. Sonífera Ilha
Primeiro Bis:
25. Canalha
26. Aluga-se
27. Homem Primata
Segundo Bis:
28. Comida
29. Igreja
30. Marvin
Terceiro Bis:
31. Família
32. A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana
Quarto Bis:
33. Go Back
34. Prá Dizer Adeus