Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Firth of Fifth [1973]

Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Firth of Fifth [1973]

Por Mairon Machado

No ano de 1973, o Genesis já figurava como uma das mais importantes bandas do rock progressivo britânico. Graças ao sucesso da turnê de Foxtrot, com o vocalista e flautista Peter Gabriel exibindo uma série de fantasias e encenações que chamavam muito a atenção de um público curioso pela teatralidade apresentada nos palcos, faltava apenas a consolidação através da venda de um single.

O grupo conquistou isso através de Selling England by the Pound, seu quinto disco de estúdio, que teve uma matéria em homenagem aos seus 50 anos aqui. Esse mesmo álbum, que foi o mais vendido na carreira do Genesis até aquele momento, é recheado de Maravilhosas canções, e a tarefa de escolher apenas uma para dar sequência a série Maravilhas do Mundo Prog, que já apresentou “Stagnation“, “The Musical Box” e “Supper’s Ready“.

genesis1
Mike Rutherford, Phil Collins, Steve Hackett, Peter Gabriel e Tony Banks

A canção escolhida acabou sendo aquela em que os músicos do Genesis destacam-se mais que as fantasias de Gabriel. Não que as canções “fantasiadas” sejam ruins, só que “Firth of Fifth” é uma exaltação ao talento de Tony Banks (teclados, mellotron, piano, violões), Steve Hackett (guitarra, violões), Mike Rutherford (baixo, violões) e Phil Collins (bateria), além do próprio Gabriel na flauta.

O nome da canção é uma paranimásia, ou seja, uma junção de duas palavras parônimas (com sonoridade semelhante) em uma mesma frase, popularmente conhecido como trocadilho, e refere-se ao estuário de River Forth, na Escócia, conhecido como Firth of Fourth.

genesis3
O estuário de River Forth, popularmente conhecido como Firth of Fourth, que inspirou nossa Maravilha de hoje.

Terceira canção do Lado A, após as clássicas “Dancing With the Moonlit Knight” e “I Know what I Like (In Your Wardrobe)” ela abre com sua incrível introdução ao piano, daqueles riffs introdutórios inesquecíveis, que até um macaco ébrio reconhece, com Banks mostrando suas qualidades sozinho ao estilo clássico e trazendo a voz rasgada de Gabriel em um andamento muito suave de bateria, com o órgão e a guitarra fazendo mudanças suaves de acordes. Percebemos ao fundo as bonitas escalas de baixo, executadas com primor por Rutherford, e após duas estrofes vocais, Gabriel fica acompanhado apenas pelo dedilhado de violões e por acordes de moog e órgão. Collins faz marcações nos pratos e chimbais, e os acordes que acompanham os vocais de Gabriel são cada vez mais longos, com o dedilhado incessante de violões ao fundo, retornando então ao ritmo cadenciado e encerrando a primeira parte da letra.

Entramos no coração instrumental de “Firth of Fifth”, primeiramente com os acordes de piano e as marcações que dão espaço para Gabriel solar na flauta, arrancando lágrimas dos sulcos do vinil com um tema mais do arrepiante. No meio do solo de flauta, Banks passa a solar ao piano, dando velocidade para a parte instrumental e ganhando o auxílio da marcação do baixo e da bateria, pulando então para o moog, aonde repete o tema da introdução, agora com Collins exibindo-se com viradas e marcações complicadíssimas, acompanhadas primordialmente pelo baixo.

Steve Hackett gravou seu mais lindo solo em “Firth of Fifth”.

Hackett então surge com arpejos na guitarra, enquanto Banks encerra seu solo no moog, e assim, somos levados ao ponto máximo da canção, que é o solo de guitarra de Hackett. Sem ser virtuosístico, é apenas uma série de notas que capricham no vibrato e nos arpejos, acompanhadas apenas por acordes de órgão e a marcação de baixo e bateria, mas que causam arrepios até em uma formiga. O tema central do solo é talvez o ponto mais reconhecido da carreira de Hackett, ainda mais com a entrada do mellotron acompanhando suas notas, e chega a ser fantasmagórico o que as caixas de som estão retumbando nas paredes.

O solo continua, com Hackett atribuindo mais uma série de notas, e então, ele repete novamente o tema principal de seu solo, tendo o mellotron ao seu lado, como um fiel escudeiro, encerrando um dos momentos mais mágicos do rock progressivo com a suavidade e volúpia de uma borboleta no ar, retornando então ao vocal de Gabriel, que encerra a letra dessa Maravilha acompanhado por órgão, mellotron, as bases de baixo e guitarra e as viradas de bateria, deixando apenas Banks com o piano dedilhando por alguns segundos.

Tony Banks, o mentor da Maravilha “Fifth of Firth”
Tony Banks, o mentor da Maravilha “Fifth of Firth”

O único ponto questionável dessa obra-prima é do que se trata a letra. Escrita por Banks em parceria com Rutherford (pequenos trechos), sendo que o próprio Rutherford confessou anos depois que é uma das piores letras que já colaborou. Basicamente, é um passeio por um rio, que guarda as lembranças de um passado no qual os homens o utilizava apenas para o trabalho, sem valorizar a beleza de seus caminhos. Esse rio possui cachoeiras, ninfas sedutoras, até desaguar no mar e ser engolido por ele (no caso, o Deus Netuno), enquanto seu caminho está em constante mutação. Desta forma, Banks faz uma alusão com a dificuldade dos homens em aceitar e enfrentar seus destinos.

Em contraste com a simplicidade da letra, sem sombra de dúvidas, o momento máximo do álbum é o solo de Hackett, que facilmente figura entre os melhores solos de guitarra do rock progressivo, ao lado de David Gilmour em “Comfortably Numb”, Steve Howe em “Yours is no Disgrace” e Alex Lifeson em “La Villa Strangiato”. No álbum, consta que a canção é de autoria do quinteto, mas posteriormente, Rutherford revelou que Banks é o responsável por criar toda a composição. Sua importância é tão grande que, enquanto Hackett permaneceu na banda, ela sempre foi interpretada ao vivo. A introdução ao piano acabou sendo retirada das apresentações a partir da turnê do Outono de 1973, pois Banks achava que o som retirado do piano elétrico não tinha o mesmo efeito que a versão original.

Partitura da introdução da Maravilha “Firth of Fifth”
Partitura da introdução da Maravilha “Firth of Fifth”

Selling England by the Pound possui no mínimo mais três candidatas a Maravilhas Prog: a já citada “Dancing With the Moonlit Knight”, “The Battle of Epping Forest” e “The Cinema Show”, sendo a última uma das preferidas da maioria dos fãs do grupo (como é o caso do nosso fiel leitor Igor Maxwell). Após Selling England by the Pound o Genesis fez uma bem sucedida turnê, na qual as fantasias (e a imagem) de Gabriel não pararam de crescer.

O auge do egocentrismo do vocalista acaba sendo seu último álbum no grupo, o incrível The Lamb Lies Down on Broadway. Uma verdadeira nebulosa de Maravilhas Prog, o disco que narra as viagens alucinógenas de Rael  também é de difícil seleção para apenas uma única canção representá-lo. A escolhida para daqui um mês fica por conta do principal momento da história, “The Colony of Slippermen”, que irá encerrar a nossa série de Maravilhas Prog feitas pelo Genesis.

12 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Genesis – Firth of Fifth [1973]

  1. Nossa, o que falar de “Firth of Fifth” ? Na minha opinião, ESTA é a canção do Genesis que fica registrada para a posteridade como uma amostra perfeita/grandiosa do talento e da genialidade de seus cinco membros, superando facilmente coisas anteriores como “Watcher of the Skies” e “The Musical Box”. Mas para mim só não supera a “Supper’s Ready” porque a longa suíte presente em Foxtrot (o disco que veio antes de SEBTP) ainda é a maior canção de todos os tempos e a minha favorita do Genesis. Boa análise!

    1. Obrigado pelo comentario Igor. Eu não sei dizer qual minha favorita do Genesis, hoje creio ser “Supper’s Ready” também, mas “Firth of Fifth” certamente é Top 5. Abraços

      1. Valeu pela resposta, chefe… “Firth of Fifth” também é das minhas canções favoritas do Genesis, e está no meu top 20 da banda em nona posição, o que está de ótimo tamanho!

  2. Costumo dizer aos meus alunos que existem o que chamo de “Os clássicos incontornáveis”, aquelas obras da história da humanidade com a qual devemos nos deparar ao menos uma vez na vida se seguirmos certos rumos.

    Vejam: os clássicos incontornáveis são etapas de um caminho que se decide seguir e que não têm como prosseguir sem passar por eles, ou seja, nunca são o destino final, mas sim passagens, portais, viradas de chave ou como queiram chamar… Sem eles, não chegaremos nunca nos clássicos dos clássicos. “O poderoso chefão”, de Coppola, é um desses clássicos se você decide gostar de cinema; “A noite estrelada”, de Van Gogh, se for pela pintura; o “Gol perdido do meio de campo na Copa de 70” do Pelé se sua praia for aprofundar-se em futebol; a “Arpergionne” de Schubert está no caminho dos que seguem estudando e ouvindo a boa música clássica e por aí vai…

    Obrigado, Mairon, pela postagem tão bonita e densa sobre esse sublime “clássico incontornável”!

  3. A primeira vez que ouvi essa música sensacional foi no ao vivo “Seconds Out”. Quando consegui o “Selling England by the Pound”, fiquei maravilhado com a introdução de piano, e passei anos sem entender a razão de ela ter sido limada na versão ao vivo. Agora o Mairon satisfez minha curiosidade…
    O texto é perfeito, a cada linha eu parecia estar ouvindo a música! Parabéns por fazer justiça a uma verdadeira maravilha do mundo prog!

    1. Muito obrigado Marcello. Curiosamente a primeira vez que ouvi também foi no Seconds Out, disco que me apresentou também “Supper’s Ready” citada acima. Fico com as originais hoje, mas gosto muito do Seconds Out, um disco que até acho meio injustiçado na Discografia do Genesis. Abraços

  4. Em um dos muitos canais de react que existem hoje em dia no youtube, vi o “analista” comentando que o nome da música faria referência às variações entre as notas da melodia, que variam em “escalas de quintas”, ou algo assim. Como não sou músico, não sei afirmar se isso é verdade, mas o sujeito é compositor e condutor de coros (se alguém quiser conhecer, o canal é do Doug Helvering), então, certamente manja mais do que eu.
    Algum dos músicos ou “metidos a músicos” leitores do site poderiam explorar mais essa característica, ou mesmo desmenti-la, pois é algo “nada a ver”?

      1. Não estou duvidando, e também tinha esta informação. Mas achei curioso o tal sujeito lá apontar isso sobre a construção da música, e como ela se encaixaria no título… enfim, alguém com mais conhecimento musical do que nós talvez diga alguma coisa!

  5. Já que a Consultoria parece ter o GENESIS em alta conta, por que ela não faz um artigo focado exclusivamente em STEVE HACKETT? É impressionante como o guitarrista, dono de um timbre belíssimo e singular, é menosprezado na história da banda, seja pelos seus próprios integrantes como da mídia em geral. STEVE HACKETT é um dos maiores guitarristas de todos os tempos e merece mais respeito!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.