Selos Lendários: O Rock nas Majors (Parte 1)
Por Ronaldo Rodrigues
Até então, nossa série “Selos Lendários” se concentrou em desvendar histórias de companhias fonográficas que investiram diretamente no rock e ajudaram a consolidar sua massificação. Esse investimento se consolidou de forma mais presente através da criação de subsidiárias de grandes selos já existentes ou de iniciativas independentes que deram certo. As companhias que não abriram subsidiárias ou criaram parcerias com selos para lançamentos direcionados ao mercado do rock a partir dos anos 60, entraram, elas próprias, em vias de fato.
Neste texto, porém, vamos abordar um outro aspecto da relação do rock enquanto mídia e produto de consumo e os selos. Nosso foco será tratar de bandas que assinaram e tiveram seus lançamentos concretizados diretamente pelas grandes majorsao longo dos anos. E essa trajetória estará dividida em 2 textos.
Columbia Records
A Columbia é simplesmente a mais antiga companhia fonográfica do mundo, fundada em 1888, nos EUA. Em 1931 foi adquirida pela EMI, em uma fusão com parte da RCA-Victor (outra companhia pioneira) e aí seguiram-se dezenas de operações comerciais, mudanças de nomes, filiais em outros países com operações independentes e muito blá blá blá de negócios. Esse foi o primeiro grande conglomerado fonográfico que existiu. Um fato bastante relevante dentro dessa história toda é que em 1988 a Sony adquiriu a CBS (uma subsidiária da Columbia) e em 1991 a EMI vendeu o restante da Columbia para a Sony. Mas já em 1968 se desenhava o primeiro acordo entre os americanos e os japoneses.
A Columbia realizou vários feitos que ajudaram no desenvolvimento da indústria fonográfica – foi uma das primeiras companhias a ter tecnologia suficiente para gravar grupos com muitos músicos, orquestras ou corais, feito que desenvolveu na década de 1920; foi uma das primeiras a lançar o formato LP (long-play), no fim da década de 40. Foi também a primeira companhia a assinar com Frank Sinatra, ajudou a popularizar o swing-jazz das big-bands e foi a companhia que colocou em LP a genialidade do trompete de Louis Armstrong e de Miles Davis.
Partindo para o território do rock, a Columbia marcou vários golaços – enxergou o talento da galera boêmia de Nova York e assinou com Bob Dylan. Todos seus discos clássicos, da fase folk à fase elétrica foram lançados diretamente pelo selo. Jazz, r&b e pop ainda eram as forças maiores dentro da companhia. Mas pouco a pouco, o rock foi tomando espaço, como o próprio público jovem assim desejava consumir.
Em 1964, a dupla Simon & Garfunkel também assina com a companhia, após ficar bastante conhecida no circuito universitário de Boston. Todas as suas glórias fonográficas dali em diante receberiam a estampa e o compacto contendo “Sound of Silence” atingiu o número 1 nas paradas da Billboard. O sucesso da dupla fez a Columbia buscar ainda mais talentos no rock e na música jovem. Outro grupo importantíssimo para os anos 60 foi uma bem sucedida aposta da Columbia – The Byrds.
O fim dos anos 60 viu surgiu outros dois nomes que se tornariam gigantes ao longo da próxima década – Chicago (à época como Chicago Transit Authority e sua irresistível combinação de rock, blues e jazz) e Santana. Bem interessante notar que todos os nomes citados foram apostas da Columbia e que ela, com raras exceções, não surfou na onda de sucessos já existentes, oferecendo propostas tentadoras aos artistas para se agregarem ao selo. Uma postura de liberdade artística parcial também era presente na Columbia. Apesar da chuva de críticas devido a mudança de direcionamento, a Columbia não abandonou Miles Davis quando este mudou os manches de sua carreira e aproximou-se do rock, do funk e do soul. A ousadia foi coroada com o sucesso –Bitches Brew é um dos títulos de jazz mais vendidos em todos os tempos.
Se o leitor quer saber de mais nomes que foram lançados pela Columbia, aí vão alguns – Janis Joplin, Blue Öyster Cult, Mahavishnu Orchestra, Aerosmith, Judas Priest, Bruce Springsteen, Journey. E pode crer que todos os clássicos lançamentos dessas bandas são da Columbia. Outro estrondoso sucesso da Columbia no anos 70 foi o lançamento de Head Hunters, de Herbie Hancock em sua fase eletro-funk. Na música pop, medalhões como Barbra Streisand, Earth Wind & Fire, Neil Diamond e Billy Joel faziam a farra dos tostões. Fora isso, deve se acrescentar a coleção de Grammys que os discos do selo ganhavam desde o fim dos anos 50.
Nos anos 70, uma de suas subsidiárias, a Epic Records, lançaria discos de Jeff Beck, Beck Bogert & Appice e do Kansas.
No fim dos anos 70, acompanhando as novas tendências no rock, a Columbia lança The Clash e Elvis Costello. Após o fim dos Wings, Paul McCartney também assina com o selo e alguns de seus discos a partir de 1978 saíram pela estampa norte-americana. A partir dos anos 80, a música pop passa novamente a concentrar a maior parte das apostas e lançamentos do selo. Uma aposta solitária no cenário grunge dos anos 90 foi o Alice in Chains.
Apenas a Atlantic tinha um cast tão poderoso e cheio de artistas de sucesso que fazia frente à Columbia nos EUA.
RCA-Victor
A RCA-Victor tem uma história tão ou mais complicada quanto a Columbia. Suas origens remontam ao fim do século 19 e tem muito a ver com a própria criação dos gramofones e dos primeiros aparelhos para reprodução de sons nos EUA. A RCA (Radio Company of America) nasceu quando a GE (General Electric) comprou a companhia de rádio American Marconi e seu objetivo primário era a produção e o desenvolvimento de gramofones e rádios. O nome RCA-Victor surge em 1929, quando a Victor Talking Machine Company adquire a RCA. Apenas em 1945 é que a RCA-Victor começa a produzir e lançar discos.
O envolvimento da RCA-Victor com o rock vem desde os primórdios do estilo. Bastaria dizer apenas que Elvis Presley foi “arrematado” pela companhia por US$ 35.000 dólares (uma baba na época) da Sun Records. Também Roy Orbison, Sam Cooke e Isley Brothers integravam o cast da gravadora. A partir de 66, um pequeno movimento buscando as novidades que surgiam no rock – The Monkees, Jefferson Airplane e Guess Who assinam com o selo e lançam seus mais reconhecidos trabalhos. Mas parecia não haver muita estratégia na RCA-Victor em se tratando do mercado para o rock, já que esses parcos lançamentos estavam no meio de uma série de cantores pop, latinos e brasileiros inclusive (Luiz Gonzaga, Antônio Carlos & Jocafi, Martinho da Vila, Cassiano, entre muitos outros tiveram lançamentos pelo selo).
Apesar disso, a RCA-Victor enxergou o auge do glam-rock e tratou de abocanhar um contrato com David Bowie em 1971 e a tira colo, vieram Lou Reed e Iggy Pop. Talvez estas tenham sido as contribuições mais significativas dessa major para o rock.
Nos anos 80, a RCA-Victor foi adquirida pela BMG e em 2004, a BMG se fundiu à Sony e constituiu uma das atuais big four.
Muito legal essa série, e é bom recuperar o trabalho das majors na música. As grandes gravadoras podiam não dar tanta liberdade artística aos seus contratados quanto as menores, mas em alguns casos elas produziram algumas revoluções; o caso da RCA-Victor com Bowie é muito curioso, porque ele conseguiu levar alguns dos seus favoritos (Lou Reed e Iggy) para gravar lá, emprestando seu apoio a eles e garantindo que conseguissem alguma exposição. Lou ainda ficou a maior parte da sua carreira na RCA, mas Iggy tratou de se livrar o mais rápido que pôde!