Piah Mater – Under the Shadow of a Foreign Sun [2024]
Por Fernando Bueno
O Spotify geralmente apresenta algumas sugestões para os seus usuários baseados naquilo que estão ouvindo. Há umas semanas apareceu uma capa de uma banda que eu nunca tinha ouvido falar. Normal, porém nem sempre isso me incentiva à ouvir alguma coisa. Entretanto a capa era tão interessante, tão curiosa que me fez clicar no link. E ainda bem que o fiz.
Lá pelo meio do disco já bastante impressionando com o que estava ouvindo resolvi fazer uma busca sobre a banda e para minha surpresa se tratava de um grupo brasileiro. A banda carioca Piah Mater foi formada em 2013 e é conhecida por sua sonoridade que mescla elementos de doom metal, black metal e música experimental. O grupo é liderado pelo vocalista, guitarrista, baixista e produtor Luiz Felipe Netto e também conta com Igor Meira na guitarra. O baterista Kalki Avatara entrou no Piah Mater a partir de 2016, mas foi substituído em algum momento por Pedro Mercier, que gravou o último álbum. Não consegui entender direito se os membros oficiais são somente o Luiz Felipe e o Igor sendo outros membros apenas músicos contratados.
Um pouco do histórico que consegui apurar. O primeiro álbum da banda, intitulado Memories of Inexistence, foi lançado em 2014 e recebeu ótimas críticas da imprensa especializada. O disco apresenta uma atmosfera sombria e introspectiva, mas já com bastante das ideias que apresentaram nos álbuns seguintes. Em 2018, a Piah Mater lançou seu segundo álbum, The Wandering Daughter, que consolidou a reputação do grupo como uma das bandas mais promissoras do cenário nacional. O álbum traz uma abordagem mais experimental e progressiva, com faixas longas e complexas que exploram novas possibilidades sonoras.
Mas foi mesmo no terceiro e mais recente lançamento do grupo que a banda acertou a mão e é o álbum que me fez ouvir o Piah Mater, Under the Shadow of a Foreign Sun, foi lançado em 2024 e marca uma nova fase na carreira do grupo. O disco apresenta uma sonoridade ainda mais densa e atmosférica, com influências que vão desde o black metal até o post-rock com algumas pitadas de influências brasileiras. As letras do álbum refletem sobre questões existenciais e espirituais, criando uma atmosfera sombria e introspectiva.
O grande diferencial do Piah Mater é conseguir trazer todas as influências musicais para dentro do som deles sem isso parecer forçado tornando o todo um som único e marcante. Os elementos mais evidentes de sua música são o doom metal com guitarras pesadas e ritmos arrastados e o death/black metal com os vocais rasgados, agressivos, riffs rápidos e intensos e os blast beats que não poderiam faltar. Junto disso há também a presença de música experimental que cria atmosfera densa e vão além do metal. O progressivo também é bastante marcante trazendo complexidade, mudanças de ritmos e estruturas que desafiam as convenções do gênero dentro do rock. Tudo isso envolto de uma atmosfera sombria, introspectiva e bastante impactante. Claro que tudo isso não ficaria bom se não tivessem um trabalho de gravação muito bem-feito que mantém o padrão da música independente em qual vertente eles esteja abordando em cada trecho da música.
“As Island Sinks” inicia no melhor estilo de prog metal, voz limpa numa melodia bonita, com riffs intrincados e bateria bem marcada, mas é na entrada do vocal gutural que as coisas mostram como serão dali para frente. Io início da longa “Fallon Garden” remete até mesmo o King Crimson ou o Van der Graaf Generator de alguns discos com a inclusão de instrumentos de sopro dando um peso e criando um clima de certo desconforto, bastante adequando para a música. É uma pena não ter esses discos na mão para ver a ficha técnica. Nessa faixa também aparece a versatilidade vocal de Luiz Felipe. Já em “Macaw’s Lament” – macaw é o inglês para arara – é a primeira faixa que traz uma certa brasileiridade para somar ao som. Uma bela composição no violão.
E o clima da faixa anterior se mantém em “In Fringes”, lembrando até o que o Angra geralmente faz em suas músicas, principalmente aquelas com participações de artistas nacionais. Mas a música é muito mais do que isso e o clima até mais progressivo se mantém, mesmo com as vocalizações extremas. “Terra Dois”, a segunda faixa mais longa com pouco mais de dez minutos, é provavelmente a faixa mais forte do álbum, mas ainda não decidi. Porém a última faixa, “Canicula” é talvez a mais diversificada do álbum. Iniciando com uma melodia de violão e flauta e cantada em português nem parece que está presente em um disco de metal. O dueto de voz masculina e feminina também funciona bastante. No trecho final o peso volta para fechar o álbum de forma perfeita.
Com uma carreira sólida e uma proposta musical única, a Piah Mater se destaca como uma das bandas mais inovadoras e interessantes do cenário metal brasileiro, podendo facilmente conquistar fãs aqui no Brasil e no mundo. Muito comparado com o Opeth por muitos que ouvem o som da banda, entretanto imagino que a comparação seja motivo de orgulho para os músicos.
Como disse a linda capa foi o principal motivo de ter chamado a minha atenção e para quem olha as anteriores percebe uma ligação dessa com a do álbum anterior. Também me lembrou as capas do Coroner e do Bloodbath. Entrei em contato com o perfil da banda no instagram questionando o motivo disso, mas a resposta foi que foi uma escolha estética para incorporar a logo sem poluir a arte e também para criar uma continuidade com o disco lançado há seis anos atrás. Não sei quem dos integrantes que é responsável pelo instagram e nem se é algum deles mesmo. Mas o mesmo me passou que a aquisição dos CDs da banda por hora é feita pelo bandcamp e eles vem da Itália. Atualmente estamos com problemas para importação e é uma pena que uma banda brasileira não tenha seu material disponibilizado por lojistas daqui. Entretanto me prometeu que mais para o fim do ano eles terão algumas cópias disponíveis. Espero conseguir as minhas.
Curioso como ainda temos tantas bandas de qualidade a descobrir, e como muitas bandas do nosso próprio país acabam passando despercebidas por nós. Isso para os poucos que ainda se interessam em procurar por música de qualidade em uma cena cada vez mais dominada por sertanojos, “trépis” e “fânqui pancadão”… Eu sou mais um que nunca havia ouvido falar do grupo, e achei a proposta sonora bem interessante, mas, a julgar pelas referências, penso que não será para os meus ouvidos..
E realmente é lamentável uma banda brasileira, ainda mais uma com tantas qualidades apontadas pelo Fernando, não ter a oportunidade de lançar seus registros em seu próprio país. A indústria de CDs no Brasil atualmente é algo lamentável, temos basicamente alguns selos independentes (como a Shinigami, a Hellion, o Wikimetal ou a Fuzz On Discos) investindo em lançamentos (ou relançamentos, muitas vezes) de grupos já consagrados, ou a Universal lançando algumas poucas cópias de “novidades” (na maioria, de grupos que não me atraem) a preços fora da realidade do consumidor médio… preços estes que vão cada vez mais às alturas, afastando os poucos de nós que ainda investem em mídias físicas…
Quanto à questão das dificuldades para importação, é uma vergonha que ainda não tenha surgido algum deputado disposto a levar adiante o projeto de igualar a isenção das mídias musicais (CDs, vinis e DVDs) à dos livros… afinal, nos anos 70 todo LP tinha a inscrição “Disco é cultura” na contracapa… se é assim, porque não dar mais acesso à “cultura” a quem se interessar por ela? Ou, agora que o mercado para mídia física é infinitamente menor que há 40, 50 anos, já não é mais interessante o “povo” ter cultura?
É lamentável termos de pagar tantas taxas de importação sobre um produto sem similar no território nacional, e que não compete diretamente com a indústria brasileira… mas isso é assunto para outro post, não tem nada a ver com o assunto deste…
Assino embaixo o comentário do Micael.
Tirei o texto a seguir do resumo de uma defesa de tese de um camarada que não sei quem é:
“Este estudo tem por objetivo investigar a contribuição do artigo 2º da Lei Complementar
nº 4, de 2 de dezembro de 1969, conhecida como “Lei disco é cultura”, para a expansão
do mercado brasileiro de discos ocorrida na década de 1970. Consequência da política
econômica de forte estímulo ao consumo do regime militar, a “Lei disco é cultura” autorizava as empresas produtoras de discos fonográficos a abater, do montante do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias (ICM), o valor dos direitos autorais artísticos e conexos,
pagos aos autores e artistas brasileiros. A busca por investimentos estrangeiros era um
aspecto fundamental do modelo econômico da ditadura. A expectativa era que a “maior
eficiência” das empresas multinacionais contribuísse para um rápido crescimento. Essa
política favoreceu a expansão das gravadoras estrangeiras, que tiveram seus interesses e
demandas acolhidos pelo governo.”
Ou seja…
Mudaram a legislação de impostos (para variara um pouco) e Disco Não É Mais Cultura!!!!