10 Anos de Rick Wakeman em Porto Alegre
Por Mairon Machado
Em 2014, Rick Wakeman já havia se tornado um habituée da cidade de Porto Alegre. Vez por outra, o eterno ex-tecladista do Yes apresentava-se pela capital gaúcha, causando aquele sentimento de nostalgia para milhares de admiradores não somente dos tempos em que ele portava uma vasta cabeleira loira sobre uma capa brilhante enquanto executava peças intrincadas nos distintos teclados que comandava no Yes, mas também de sua importante obra solo.
Porém, a passagem de Wacko no Rio Grande do Sul naquele ano causou um estardalhaço gigante, tornando realidade o sonho de jovens (alguns nem tão jovens assim) que não puderam presenciar o primeiro show de Wakeman pela terrinha, no ano de 1975. Naquela época, o tecladista lotou o Ginásio Gigantinho, apresentando a turnê do álbum Journey to the Centre of the Earth na íntegra, acompanhado por orquestra, coral e patinadores.
Com direito a um narrador contando a história da Viagem Ao Centro da Terra de Júlio Verne, o show começou exatamente com a apresentação da história pelo narrador, falando que “A história começa em 24 de maio de 1863 em Hamburgo …“, seguida por uma inesquecível revisão na íntegra do álbum de 1975, com a adição de novas partes que ampliaram a história e tornaram o show um pouco mais atraente do que já era. O grupo portou-se do lado direito do palco (para quem assistia), enquanto o coral ficou no lado esquerdo, deixando a Orquestra preencher o resto do palco.
Falar da performance de Wakeman é chover no molhado. Uma técnica impressionante, personalidade forte e um carisma marcante chamam a atenção. Só que dessa vez, a presença da Orquestra e do Coral acabou ofuscando um pouco o músico loiro nas passagens das quatro partes da suíte original de “Journey to the Centre of the Earth” (a saber “The Journey”, “Recollection”, “The Battle” e “The Forest”), e também da versão regravada para a revista Classic Rock em 2012, com mais vinte minutos da obra, que acabaram ficando de fora da primeira versão.
As passagens do coral, as linhas das cordas, intervenções de metais e a percussão do tímpano arrepiavam a espinha, e arrancavam lágrimas dos presentes. Ao mesmo tempo, a competente banda de apoio de Wacko tocava as linhas da suíte com precisão cirúrgica. Porém, vale ressaltar que o show pecou bastante na parte vocal. Ashley Holt certamente já não tem a mesma potência vocal de quando gravou o álbum Journey to the Centre of the Earth, e apesar de ter arrancado aplausos ao final de “Recollection”, teve por várias vezes a voz falhando, ainda mais nos tons mais altos. Já a vocalista Ana Lonardi, revelada ao Brasil no programa global The Voice, substituiu Gary Pickford-Hopkins sem empolgar, e para alguns, erroneamente. A voz da cantora é bonita, e certamente ela canta bem, mas comparar com Gary seria uma injustiça, e pior, por diversas vezes Ana acabou atrasando ou adiantado a entrada da letra, faltando também força em sua voz nos momentos mais intensos, como o final de “The Journey”, e principalmente durante toda “Quaternary Man”. De qualquer forma, ela fez muito bem sua parte, e esse comentário acaba sendo mais um perfeccionismo diante da grande obra que é Journey to the Centre of the Earth.
Por diversas vezes, o atraso acabou sendo ocasionado pela plateia, que não aguentando a emoção de ver uma obra tão importante e rica diante de seus olhos, vibrava e urrava como em uma partida de futebol, aplaudindo tão intensamente que não permitia ao narrador continuar a história. Méritos para o narrador, que infelizmente vou ficar devendo seu nome, já que ele respeitosamente aguardava o encerramento dos aplausos para continuar a história.
Vários foram os momentos que marcaram o espetáculo, como aqueles onde a Orquestra ficava solando sozinha, Wakeman pulando de um teclado para outro, com uma longa capa negra coberta de detalhes brilhantes e solando velozmente com sua técnica marcante, o baixo pulsante de Martin (filho do também ex-baixista do Jethro Tull, Dave Pegg), o lindo solo de piano em “Mastodons”, ou quando Ashley comandou a plateia para acompanhar com palmas o trecho no qual “Hall of the Mountain King” é citado, que fez até o compenetrado Wakeman entrar na brincadeira, ou o silêncio da plateia apreciando com respeito e louvação cada nota que saia das caixas de som, e ainda um belíssimo jogo de luzes.
Depois de exatamente uma hora ininterrupta, um pouco mais do que a versão de 2012, “Journey to the Centre of the Earth” foi encerrada com aplausos que sacudiram as estruturas do Araújo. Emocionado, Wakeman agradeceu a presença de todos, saindo do palco ovacionado. Depois de alguns segundos, retornou para apresentar a sequência final de Return to the Centre of the Earth (lançado em 1999), com direito a um belo solo de Pegg e Dave. Esse momento foi saudado com muitos aplausos, urros e gritos histéricos (e por que não apaixonados) dos fãs, que não deixavam Wakeman sair do palco. Ressalto aqui que, infelizmente, a interpretação de Ana durante “Ride of Your Life” novamente deixou a desejar, sem a mínima força para acompanhar a grandeza da orquestra.
Por outro lado, Wakeman novamente surpreendeu, quando empunhou seu teclado de mão durante “Floodflames” fazendo um breve duelo com o guitarrista Colquhoun – que mesmo com a perna quebrada por conta de uma queda enquanto corria, solou de pé ao lado de Wakeman, permanecendo sentado durante todo o resto do show – no qual fizeram mais uma vez uma citação para “Hall of the Mountain King”, e depois, circundou o Araújo Viana, passando a centímetros deste que vos escreve e fazendo dezenas seguirem-no como em fila indiana, enquanto solava como se nada de mais estivesse fazendo. INCRÍVEL!
O tecladista saiu por mais alguns segundos, voltando sem palavras. Enquanto isso, os fãs amontoavam-se diante do palco para acompanhar mais uma revisão para “The Battle”, já que Wacko, visivelmente surpreso, alegou não ter ensaiado nada para o bis, e que só podia mesmo era apresentar algo que já tinha tocado. Você acha que alguém ficou descontente?
Encerrada a apresentação, mais uma surpresa. Assim como no show de 2012, uma longa fila se formou para aguardar um afago de Wakeman e seus colegas. Depois de mais ou menos meia hora, os músicos apareceram, e receberam um a um os fãs. Ashley, Tony e Dave foram extremamente simpáticos, enquanto Wakeman estava visivelmente cansado, mas em nenhum momento negou-se a tirar fotos, dar autógrafos e bater um breve papo com quem chegava perto, provando que mesmo um artista renomado e consagrado pode sim vestir a sandalinha da humildade e colocar-se como um mero humano diante de vários mortais, apesar de toda sua grandeza. Um show memorável, e que passados dez anos, ainda está vivo na memória daqueles que estiveram presentes naquela noite.
Set list
1. The Preface
2. The Journey Overture
3. Journey’s Dawn
4. Crystals
5. The Gothic Cathedral
6. A Quest for Water
7. The Hansbach
8. Fervent Prayer
9. The Recollection
10. Lost & Found
11. Echoes
12. 4 Miles
13. The Reunion
14. A New Vista
15. A World Within a World
16. The Raft
17. The Battle
18. Cumulus Clouds
19. The Storm
20. The Cemetery
21. Quaternary Man
22. Mastodons
23. The Forest
24. Ages of Man
25. The Tunnel
26. Hall of the Mountain King
27. Mount Etna
Encore 1
28. Ride of Your Life
29. Pegg’s Solo
30. Dave’s Solo
31. Floodflames
32. Hall of the Mountain King
33. Mount Etna
Encore 2
29. TheBattle
Um show que ficou marcado na história, sem dúvidas! Não parece ter passado tanto tempo, porque ainda guardo na memória muito do que presenciei, e mais, muito do que SENTI naquela noite no Araújo! São sensações e sentimentos que os vídeos de youtube ou os DVDs oficiais nunca conseguirão proporcionar àqueles que preferem assistir aos seus artistas preferidos do conforto de seus sofás!
Belo resgate, Mairon!
Valeu Micael. Em comparação ao show de 2012, foi um show ainda melhor. Fora que o cara é um gentleman. Queria ter visto a ultima apresentação dele em porto alegre, mas apesar do teu excelente relato, não fiquei motivado a me deslocar até lá para tal.