10 Anos de The Endless River
Por Mairon Machado
Depois de passados vinte anos do último lançamento de estúdio do Pink Floyd, o aclamado The Division Bell, o mundo foi surpreendido com o anúncio de mais um lançamento ligado ao grupo. Poucos eram os fãs que podiam imaginar isso, ainda mais quando em meados do segundo semestre de 2013, os principais músicos ligados ao Floyd, no caso o guitarrista e vocalista David Gilmour, e o baixista e vocalista Roger Waters, anunciaram em diversos locais que estavam planejando lançar mais um álbum solo em 2014.
Nem Roger nem David lançaram material solo, e o que chegou ao mercado via download em uma sexta-feira, 07 de novembro (e três dias depois no meio físico, em diversos formatos), batizado The Endless River, foi o décimo quinto álbum de estúdio dos britânicos, completando portanto 10 anos hoje.
Lembro ainda hoje a primeira opinião que veio à mente quando ao ouvir The Endless River, sem saber da história que rolava por detrás do álbum: “Qual a necessidade do Pink Floyd lançar um novo álbum de estúdio vinte anos após praticamente sumir do mapa, com Gilmour desenvolvendo uma carreira solo bastante irregular e Waters excursionando mundo afora apresentando shows clássicos do grupo, no caso os das turnês Dark Side of the Moon e The Wall?”. Responderei isso logo abaixo.
Voltamos então para 2014. Em declaração à época, Gilmour disse que o álbum é uma homenagem para Wright, que faleceu de câncer em 15 de setembro de 2008, e foi construído aproveitando-se mais de vinte horas de material que foi registrado entre 1993 e 1994, e que acabou ficando de fora de The Division Bell por diversas situações, sendo finalizado no estúdio caseiro de Gilmour durante o decorrer desse ano. Essa material era conhecido entre os seguidores do Pink Floyd como o famoso álbum de música ambiente The Big Spliff, o qual nunca foi lançado oficialmente. Efetivamente, os produtores Phil Manzanera, Youth e Andy Jackson pegaram o material que já tinham do The Big Spliff, e com a regravação de algumas partes por Gilmour, Mason, Atzmoth e Pratt, concluíram The Endless River.
Dentre vários aspectos envolvendo a divulgação do álbum, alguns chamaram a atenção, como os gigantescos cartazes espalhados por Estados Unidos e Inglaterra, além da afirmação de que o cientista Stephen Hawking iria participar com sua voz. A curiosidade sobre a participação do cientista Hawking é matada logo de cara, com “Things Left Unsaid”, uma canção meditativa apenas com falas do cientista e longos acordes de teclados acompanhando um triste solo de guitarra, lembrando o início de “Shine on You Crazy Diamond”, que estende-se para “It’s What We Do”, a qual privilegia os solos de Wright com o moog e um tradicional solo de Gilmour, em um andamento suave e bastante viajante, característico dos bons momentos do Floyd pós-Waters, daqueles de fazer qualquer fã de Gilmour abrir um grande sorriso ao ouvi-lo, e “Ebb and Flow”, pequena faixa com Wright ao piano elétrico e intervenções da guitarra, formando uma mini-suíte de doze minutos que cria o pensamento de “Oh, não temos falcatrua por aqui”.
Passamos então para uma série de canções muito breves que exaltam as qualidades de Wright, começando com “The Lost Art of Conversation” uma triste faixa com Wright ao piano e muitas camadas de sintetizadores, seguida por “On Noodle Street”, na qual o músico sola com o órgão acompanhado por um leve andamento de baixo e bateria, bem como intervenções pontuais de guitarra e sintetizadores. “Night Light” retorna para as viajantes camadas de sintetizadores, e então começamos a perceber que The Endless River está se tornando um tanto quanto repetitivo, girando em canções que mais parecem construídas em um computador (o que não deixa de ser verdade) e sem muita adição de música em si.
“Allons-Y (1)” é a primeira canção mais animada de The Endless River, com aquela levada marcante dos álbuns A Momentary Lapse of Reason e The Division Bell, e nesse momento, mais uma pulga salta da orelha do ouvinte para lhe avisar: “Meu caro, observe, não está faltando nada?”. Sim, as vocalizações femininas que tanto agradaram nos dois álbuns citados, simplesmente sumiram, e pior (ou melhor), o disco é todo instrumental. Sim meus amigos, um álbum do Pink Floyd TODO instrumental, isso é o que temos em The Endless River. O ritmo de “Allons-Y (1)” continua em “Allons-Y (2)”, a qual surge depois de “Autumn’ 68″, canção nada próxima a “Summer’ 68″, apenas com sintetizadores e órgão de igreja repetindo um breve tema. Hawking volta em “Talkin’ Hawkin’”, blues suave levado pelas camadas de órgão, piano, baixo e bateria com tímidas participações da guitarra, e o escritor da célebre obra “O Universo Numa Casca de Noz” fazendo mais uma fala para The Endless River, no meio da canção.
A tensa “Calling” é responsável por abrir a última parte do disco, com sintetizadores que parecem ter sido extraídos da trilha sonora de algum álbum de ficção científica, saindo das pequenas vinhetas para fazer um meio-de-campo entre elas e a maior canção do álbum (em termos de duração), que é “Louder than Words”, composta pela esposa de Gilmour, Polly Samson, e que já havia saído na mainstream rock radio nos Estados Unidos, inclusive ganhando uma espécie de single quando de seu lançamento, e única a contar com os vocais de Gilmour e vocalizações femininas durante o refrão, tornando The Endless River um álbum não totalmente instrumental. Acho essa a canção mais fraca do álbum, e seu contraste com o que ouvimos anteriormente torna-se gritante. Apesar de não ser uma má canção, ela é um tanto quanto uma repetição paraguaia dos melhores momentos do Floyd, apresentando além das características citadas acima um majestoso solo Gilmouriano, que é o principal momento de “Louder than Words”.
Entre ela e “Calling”, Gilmour exibe-se acusticamente em “Eyes to Pearls” e “Surface”, duas faixas relativamente curtas, na qual a primeira apresenta apenas camadas de sintetizadores e um tema simples feito pelo violão, enquanto a segunda contém um dedilhado nervoso ao violão, vocalizações, sintetizadores e o esmagamento das cordas do slide guitar de Gilmour.
A homenagem para Wright prometida por Gilmour é muito bonita de se ouvir. Ouvindo como um fã de Pink Floyd que sou, gosto do álbum, apesar de achá-lo um tanto quanto repetitivo, mas acredito que isso se deve por que não sou muito acostumado com música ambiente, e tão pouco consideraria ouvir um disco do Floyd dessa forma. Por outro lado, sinto que houve um certo “C” de ciúme por parte de Gilmour em relação ao tremendo sucesso que Waters estava vivendo em carreira solo na época. Posso estar exagerando, mas quem acompanha a carreira solo de Gilmour irá concordar comigo que The Endless River podia tranquilamente ter sido lançado sob o pseudônimo David Gilmour, mas, é claro que o pseudônimo Pink Floyd chama muito mais atenção e gera muito mais cifras. Tanto que depois, Gilmour lançou o ótimo Rattle That Lock, fez uma turnê mundial (que o trouxe pela primeira e única vez ao Brasil), voltou a Pompeia em 2016 (lançando Live at Pompeii em 2017) e recentemente (6 de setembro) lançou Luck and Strange, que vem recebendo muitos elogios.
O fato é que, independente se minha “análise conspiratória” sobre o lançamento do décimo quinto álbum do Floyd ser verdadeira ou falsa, enquanto o grupo tiver material perdido com qualidade similar a este, vale a pena sim que o mercado e os fãs sejam propiciados e agraciados com ele. Portanto, havia sim necessidade do Pink Floyd lançar um novo álbum de estúdio vinte anos após praticamente sumir do mapa, não para ganhar algumas cifras a mais, para dar um gosto de “viu, sou melhor que você” à Gilmour ou qualquer outra teoria conspiratória que as mentes criativas mundo a fora possam criar, mas para mostrar aos novos amantes da música aquilo que os velhos já sabem há muito tempo: em se tratando de boa música, o Pink Floyd é um perito.
Track list
1. Things Left Unsaid
2. It’s What We Do
3. Ebb and Flow
4. Sum
5. Skins
6. Unsung
7. Anisina
8. The Lost Art of Conversation
9. On Noodle Street
10. Night Light
11. Allons-y (1)
12. Autumn ’68
13. Allons-y (2)
14. Talkin’ Hawkin’
15. Calling
16. Eyes to Pearls
17. Surfacing
18. Louder than Words
A bela resenha do Mairon me fez ouvir o disco pela primeira vez em, creio, uns cinco anos, com uma atenção bem maior do que as audições anteriores. Minha opinião sobre “Endless River” não mudou, na verdade: é o único álbum do Pink Floyd que eu coloco na categoria de “desnecessário”, embora não seja o pior (esse “honroso” título cabe, na minha opinião, ao “A Momentary Lapse of Reason”, que julgo bem pouco inspirado). Vale muito como homenagem a Rick Wright, um grande músico que, pelo seu perfil discreto, nunca teve o reconhecimento que merecia. Curiosamente, gosto de “Louder Than Words”!
Eu já falei isso diversas vezes e simplesmente não entendo esse ódio ao AMLOR….
Falar que um disco de sobras é melhor que ele é demais…rs
Eu curti muito “A Momentary Lapse of Reason” quando foi lançado, e eu ainda não tinha completado a coleção do Pink Floyd. Ao longo dos anos, o que tinha me chamado a atenção nas primeiras audições passou a perder o encanto, e o disco foi baixando cada vez mais no meu conceito. Tem coisa boa nele? Sem dúvida. No contexto geral da produção das bandas clássicas no longínquo 1987 ele se destaca, mas o problema é que o grupo fez (e faria) coisa muito melhor. E como estou entre os poucos que gostam muito de “Ummagumma” e de “More”, “A Momentary…” acaba ficando na rabeira…
É um disco bacaninha. Sem dúvidas, muito superior ao Endless River. O Endless River nem parece Pink Floyd, parece um disco do Yanni.
Davi pegou pesado na comparação… Nada contra o Yanni (não gosto do trabalho dele, mas respeito assim mesmo), mas acho que o Gilmour ia tirar as calças pela garganta se visse isso, hehehe,,,
Um motivo para eu gostar do “Endless River” e o preferir ao “AMLOR” é o fato de a banda estar tentando criar uma música um pouco diferente, inesperada. Mas como tudo muda, pode ser que na próxima vez que ouça os discos do Pink Floyd em sequência eu mude minha opinião sobre os dois…