Cinco Músicas Injustiçadas: Rolling Stones

Cinco Músicas Injustiçadas: Rolling Stones

Por Marcello Zapelini

Vamos aos fatos: apesar de ter uma carreira de mais de sessenta anos, The Rolling Stones são bastante estáveis em termos de seu repertório. Todo mundo conhece a banda, todo mundo conhece algumas músicas, mas se você que é fã comentar sobre suas favoritas com um ouvinte ocasional, provavelmente será recebido com vários comentários de “não conheço essa aí” para músicas muito legais. Muitas músicas que a banda gravou nunca tiveram versões ao vivo, muitas foram tocadas pouquíssimas vezes em shows, e as antologias oficiais repetem quase sempre os mesmos cavalos de batalha (afinal, quem compra uma coletânea vai querer sempre os hits, não as obscuridades). Entretanto, antologias “semioficiais” lançadas em todos os cantos do planeta acabam trazendo músicas inesperadas, o que tornou selecionar as músicas para esta seção um tanto complicado. Ainda assim, há várias pérolas no catálogo do grupo que nunca receberam a atenção merecida da banda na hora de montar um setlist ou dos compiladores. O grupo, aliás, é muito mal servido no quesito “raridades”: Metamorphosis, de 1975, traz muitas demos em que só Mick Jagger aparece cantando acompanhado por músicos de estúdio, e Rarities 1971-2003 não faz jus ao nome, trazendo músicas fáceis de se encontrar em outros lançamentos e deixando de lado algumas verdadeiras raridades.

Os critérios para que uma música faça parte desta lista são os seguintes: ela não pode ter sido lançada em single, nem ter feito parte de um disco ao vivo oficial – e não deve aparecer em discos piratas, pelo menos não nos mais conhecidos. Não pode aparecer em coletânea (ao menos não nas oficiais) e nem pode ter recebido versão de outro artista (se isso ocorrer, não deve ter feito muita diferença no meio musical). Por fim, tem que ter impressionado o autor o suficiente para ele julgar que ela merecia maior atenção. Como será visto, esses critérios foram meio flexibilizados para que a lista refletisse mais as preferências pessoais deste que vos escreve. Assim, a lista resultante procurou trazer material das três fases do grupo, com Brian, Mick Taylor e Ronnie. Na verdade, seria possível fazer uma lista de injustiçadas para cada uma dessas fases; se esta seção render alguma discussão, quem sabe não rola alguma coisa assim? Vamos às músicas!


The Lantern – Their Satanic Majesties Request (1967)

Esta balada folk se destaca no álbum Their Satanic Majesties Request, ele próprio injustiçado para alguns (e uma grande porcaria para outros), pelo fato de ser uma das poucas músicas que não tiveram grandes inovações ou experimentações em termos do arranjo. Levada ao violão por Keith Richards (que ainda toca uma boa guitarra elétrica) e com um belo vocal de Mick Jagger, “The Lantern” começa com o som de sinos de igreja (confesso que até agora não entendi o que eles têm a ver, mas…) e traz Brian Jones no órgão, possivelmente também tocando os metais que a embelezam. Bill e Charlie desempenham seu papel tradicional, com o baterista se destacando quando se faz necessário. Nicky Hopkins no piano é o único session man presente. Com uma letra curiosamente filosófica para os padrões de Mick Jagger, essa música prenuncia o trabalho acústico que dominaria Beggar’s Banquet, mas nunca chamou muito a atenção do público. Their Satanic Majesties Request é um dos discos menos lembrados da banda, a não ser quando se trata de fazer retrospectivas da carreira, e os próprios integrantes da banda, ao falarem do álbum, raramente a mencionavam. Mas o trabalho brilhante de Richards, somado ao baixo sempre preciso de Bill Wyman e uma bateria surpreendentemente pesada de Charlie Watts fazem com que a música seja suficientemente atraente para me motivar a trazê-la para essa seção.


Soul Survivor – Exile on Main Street (1972)

A música que encerra Exile on Main Street teve seu riff de guitarra copiado pela própria banda em “It Must Be Hell”, do álbum Undercover (1983) e reciclado em “Rock and a Hard Place”, de Steel Wheels (1989). Isso deveria ser o bastante para ela chamar mais a atenção, certo? Errado, muito errado. “Soul Survivor”, apesar das guitarras brilhantes de Richards e Mick Taylor (tocando com slide), e do vocal furioso de Mick Jagger, com o apoio de Nicky Hopkins no piano (que chega a tocar desacompanhado antes da coda da música), de um monte de backing vocals (dentre eles, um certo Mac Rebennack, que a maioria dos mortais conhece como Dr. John) e da seção de metais formada por Bobby Keyes e Jim Price, nunca saiu do seu status de encerramento do álbum duplo. Durante a turnê de 1972, a música não foi nem mesmo cogitada para as apresentações ao vivo, e depois que os Stones voltaram a se apresentar regularmente no final dos anos 80, “Soul Survivor”, diferentemente de outras músicas de Exile …, nunca apareceu nos setlists. Mesmo Mick Taylor, que revisita músicas pouco conhecidas do catálogo do grupo em seus shows, parece não ter interesse em tocá-la ao vivo. Em termos de coletânea, ela só apareceu na raridade Rolling Stones Volumen 2, um CD promocional mexicano que era distribuído pela Coca-Cola (por isso flexibilizei a regra das coletâneas), e trazia seis músicas praticamente sem relação alguma entre si. Uma pena; se servir de consolo, a descarada “It Must Be Hell” também nunca apareceu em shows ou coletâneas da banda.


Hide Your Love – Goat’s Head Soup (1973)

Gravada originalmente por Mick Jagger ao piano e Mick Taylor soltando fogo na guitarra, “Hide Your Love” data de 1969, mas só foi ser lançada em 1973, no lado B de Goat’s Head Soup, com Charlie na bateria, o produtor Jimmy Miller no bumbo, Keith Richard no baixo e Bobby Keyes no sax barítono, adições posteriores à gravação original para que a música se encaixasse melhor no disco da sopa de cabeça de bode. “Hide Your Love” é basicamente um blues simples, com uma letra absolutamente inócua, que serve de veículo para solos brilhantes de Taylor, estimulado por Jagger, que solta um “go on, my man” no meio dela. The Rolling Stones sempre foram uma banda bastante coesa, que abria pouco espaço para o brilho individual de seus músicos, mas aqui são uma base para um guitarrista solo se divertir livremente; talvez isso tenha pesado na hora de escolher músicas para as antologias. O clima é de uma jam session que virou música – algo que você jamais esperaria de uma banda como os Stones. “Hide Your Love” não apareceu no setlist da turnê de 1973, e depois que Mick Taylor saiu, dificilmente apareceria, já que Ronnie Wood, apesar de ser um guitarrista habilidoso, prefere ser o fiel escudeiro de Keith Richards, brilhando bem menos do que poderia; com isso, as chances de ela ser valorizada por meio de apresentações ao vivo caíram bastante. Quando Goat’s Head Soup foi homenageado com uma box set, uma versão alternativa de “Hide Your Love” acabou encontrando lugar no CD de raridades, mas foi só; os compiladores sempre preferiram “Angie” para representar o álbum de 1973 nas coletâneas.


Think I’m Going Mad – single b’side (1983)

“Think I’m Going Mad” foi gravada em 1979 durante as sessões que geraram Emotional Rescue. Por algum motivo, o grupo achou que essa balada frágil não se enquadrava no LP e a engavetou sem muita cerimônia, só para recuperá-la no início de 1984, quando o terceiro single de Undercover, com “She Was Hot” no lado A, foi lançado. Teoricamente, a música foi lançada em compacto e não se enquadraria, mas, honestamente, tirando fãs do Iron Maiden, a maioria não presta atenção nos lados B. A banda é acompanhada aqui por Mel Collins, que brilha no sax, tanto na introdução quanto num solo, com Mick Jagger no piano, Ronnie Wood tocando pedal steel guitar de forma bastante discreta (um instrumento que ele sempre gostou e até hoje faz umas aparições nos shows dos Stones, normalmente sem pedal para apoiar), e Keith, Bill e Charlie nos seus papéis tradicionais. É verdade que Emotional Rescue teve sua dose de baladas, mas “Think I’m Going Mad” poderia ter entrado no lugar da muito mais fraca “Indian Girl”; possivelmente o fato de que Jagger nunca completou a letra da música a seu contento deve ter pesado bastante. No entanto, é uma bela canção em que a harmonia vocal de Keith acrescenta um tempero adicional, e a bateria precisa de Charlie Watts e o baixo discreto de Bill emprestam um charme adicional. Quando a banda lançou Rarities 1971-2003, esta foi uma das exclusões mais flagrantes nesse mal planejado lançamento, e à exceção de uma box set contendo todos os singles lançados desde 1971, “Think I’m Going Mad” nunca encontrou seu lugar numa antologia, menos ainda num setlist de show.


Hold on to Your Hat – Steel Wheels (1989)

Quando Steel Wheels foi lançado em 1989, este velho fã dos Stones tinha passado por maus bocados defendendo álbuns fraquinhos como Undercover e Dirty Work perante seus amigos, e ainda tinha passado três anos sem nada de novo da banda. O disco trazia Rolling Stones soando mais forte e mais rocker do que nos imediatamente anteriores, e detonou uma longa turnê americana – e posteriormente uma europeia – em que algumas músicas foram apresentadas, mas não essa aqui. “Hold on to Your Hat” é curta e surpreendentemente pesada para os padrões dos Rolling Stones, com múltiplos solos de guitarra tocados por Keith Richards – de acordo com os créditos do álbum (e conferidos pelos especialistas como Nico Zentgraf), Ronnie se restringiu ao baixo, com Mick tocando uma guitarra rítmica bem distorcida e Charlie fazendo o seu usual na bateria. A letra não é nada de especial, basicamente sendo a velha misoginia de Mick Jagger em destaque. Steel Wheels tem doze músicas, reflexo da duração maior dos discos introduzida pela popularização dos CDs, o que ajuda a entender por que esse rock pesado nunca chamou muito a atenção da maioria das pessoas – mas não passou desapercebido aos ouvidos de um fanático como eu, que nunca esqueceu a surpresa que o tomou quando a ouviu pela primeira vez, pois não se parecia em nada com as outras músicas do grupo. Como as músicas mais famosas do álbum sumiram dos setlists das turnês recentes, a possibilidade de que “Hold on to Your Hat” venha a ser tocada ao vivo pela banda é praticamente nula.

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