Um fim de semana inesquecível com o Iron Maiden

Um fim de semana inesquecível com o Iron Maiden

Por Fernando Bueno

Acredito que todo mundo já deve ter lido pelo menos uma das diversas resenhas que saíram nos sites especializados sobre um desses últimos dois shows que o Iron Maiden fez nesses dias 06 e 07 de dezembro. Porém vou tentar trazer uma abordagem mais pessoal desses dias que pode fazer com que alguns se identifiquem com a história e até podemos debater nos comentários. Imagino que ninguém imaginava o quanto seriam históricos esses shows mas eu quero começar o relato indo para um dia antes do primeiro dessas apresentação no Allianz Park, para a quinta feira.

O British Lion confirmou tardiamente, alguns meses depois do anúncio dos shows da banda principal de Steve Harris. Eu, que tinha programado chegar dois dias antes do primeiro, acabei sendo, de certa forma, obrigado a garantir meu ingresso. Pensei que me arrependeria de não fazer isso e essa intuição se revelou verdadeira como vocês poderão saber a seguir. O local confirmado, Fabrique Club, fica próximo do Allianz Park, próximo também do Memorial da América Latina, local onde foram realizadas as duas edições do Summer Breeze Brazil e onde será o festival que herdou a franquia, Bangers Open Air, em 2025.

Um espaço bem menor, com a capacidade de cerca de 600 pessoas, menos até que o Cine Jóia onde foi realizado o show do British Lion em 2018. Ver shows nesses locais é uma oportunidade de ficar pertinho dos músicos e considerando que um dos que estariam no palco dali poucas horas é uma lenda do heavy metal, sempre é uma oportunidade de ouro de conseguir ficar perto e tirar aquela foto bacana.

Com Simon Dawson

Os fãs chegaram logo cedo e uma pequena fila foi-se formando. Eu não cheguei tão cedo quanto muitos dos que já estavam por ali, mesmo assim deu bastante tempo de ficar em frente ao local conversando e batendo papo com outros fãs o que é sempre algo muito gostoso de se fazer. Entretanto dessa vez teve algo que chamou atenção. Um dos organizadores estava dando um número de senha para os que iam chegando com a promessa de que o Steve Harris atenderia alguns fãs. Claro que para quem chegou bem cedo essa perspectiva era real. Dá para imaginar que aqueles primeiros que chegaram tinham chances reais de serem atendidos, mas quando ele já estava lá pelo número 50, 60 e até 73 (que era o meu número) muitos já começaram a não ter tanta certeza assim. No fim soubemos que essas senhas foram até o 106. Era óbvio que ele não iria atender tanta gente, ainda mais com o tempo fechando e ameaçando uma bela chuva. Durante as 5 horas que ficamos ali em frente a chuva veio por pelo menos três vezes. Chegou uma van que trouxe alguns dos músicos, mas em um primeiro momento não conseguimos identificar quem desceu. Depois chegou mais uma e também não tínhamos certeza de quem estava entrando. Alguns momentos depois o vocalista Richard Taylor e o baterista Simon Dawson saíram e atenderam algumas pessoas.

Com o patrão Steve Harris

Quando foi preparado um local em que Steve Harris atenderia essas pessoas a tensão foi se formando. Muitos dos que estavam ali, como eu, sequer tinham chegado perto dele alguma vez. E a fila foi andando, andando, andando até transformar aquele estado de desesperança em euforia e incredulidade. No fim das contas ele ficou por cerca de uma hora atendendo todo mundo com a senha com apenas uma exigência, apenas um item para assinar, alguns tinham uma dezena, e com as fotos sendo batidas por um segurança. Como não tinha levado nenhum dos itens da minha coleção dei meu ingresso e pedi se ele poderia assinar meu braço com intuito de fazer uma tatuagem depois. Ele gentilmente disse que sim, tiramos as fotos e saí dali realizando um sonho e um terço de século depois deixando aquele Fernando adolescente lá do começo da década de 90 muito feliz. É louvável um músico desse calibre fazer isso pelos fãs. Mostra o respeito que ele tem pelas pessoas que estão há anos, décadas, acompanhando o que ele faz.

Depois disso parecia que a noite já estava ganha. O show de Tony Moore foi um pouco diferente do que esperava. Sem ninguém mais sobre o palco ele tocou guitarra, teclados e cantou sobre bases pré-gravadas, muitas vezes duelando consigo mesmo com a ajuda de uma imagem no telão. Extremamente simpático pareceu que estava curtindo muito a oportunidade. Em vários momentos homenageando sua mãe que faleceu recentemente. Já o British Lion nos apresentou um show melhor que aquele de 2018, pois para mim o material do segundo disco, The Burning (2020), é superior que aquele da estreia de 2012. Encontrei muitos amigos que fiz ao longo desses anos colecionando e conversando sobre música e alguns músicos de destaque do metal nacional.  

Dia de show do Iron Maiden amanhece diferente. Porém eu tinha uma missão, encontrar um estúdio de tatuagem mais próximo e mais confiável possível. Isso acabou atrapalhando a intenção de chegar o mais cedo possível no estádio. Alguém dos amigos do pessoal da “torcida organizada do Iron Maiden”, o Cartel de Maidenllin, me disse que tinham um convite sobrando para entrar junto do First to the Barrier, uma das vantagens de ser membro do fã clube oficial da banda. Porém cheguei tarde e não consegui mais pegar eles na fila. Quando cheguei já tinham entrado. Conversando com outras pessoas que estava ali e também tinham chegado mais tarde fui convidado por um outro fã que estava sozinho a entrar junto dele. Fica aqui um agradecimento especial ao Robinson lá de Minas Gerais pela gentileza, por ter me salvado de ter que voltar para a longa fila que já se formava e companhia pelo menos durante o pré-show.

Ser um dos primeiros a entrar tem suas vantagens. O problema é se manter na posição durante o dia todo ainda mais depois que os portões normais se abrem e as pessoas irem chegando desesperadas para encontrar o melhor lugar possível. O aperto durante o dia todo era igual o aperto durante o show. Para amenizar a segurança da grade distribuía água durante o dia todo, algo que achei tão louvável, quando a disposição das pessoas que estavam nas primeiras filas em abastecer as que estavam logo atrás. O público de metal é diferenciado!

No entorno, poucas pessoas realmente conheciam o Volbeat, muita gente não sabia sequer qual era o tipo de música que eles tocavam, de onde eles vinham e fui perguntado uma vez se era banda de algum filho dos músicos do Iron Maiden. Para uma banda com quase vinte anos de carreira achei baixo esse reconhecimento que eles têm entre o público. O show bastante correto, mostrando uma banda muito versátil, indo desde um rockabilly até o thrash metal a la Metallica. Michael Poulsen, guitarra e vocal, tem um ótimo carisma, estava muito alegre e tentou de tudo para fazer a plateia agitar com a banda. Kaspar Boye Larsen, baixista e Jon Larsen, baixista, seguram muito bem, principalmente nas variações de andamento da banda, fazendo com maestria tanto um groove quando uma pancadaria mais pesada. Destaque também para o técnico guitarrista Flemming C. Lund, que não faz parte oficialmente da banda sendo apenas um músico para apresentações ao vivo.

No último acorde do show do Volbeat o clima mudou. O público começou a se espremer ainda mais e rearranjar as posições para esperar o Iron Maiden. O tempo entre um show e outro nem foi muito grande, mas as expectativas, a ansiedade e o aperto fizeram parecer horas. Quando se apagaram as luzes e surgiu “Doctor, Doctor” nos auto falantes a excitação foi lá no alto. Incrível como essa música do UFO se tornou parte praticamente essencial de um show do Iron Maiden. No final dela, quando boa parte do público achou que era a hora veio o tema de Blade Runner, composto pelo músico grego Vangelis, e para aumentar ainda mais a ansiedade de todos o início de “Caught Somewhere In Time” é também pré-gravado e, para catarse completa, a banda entra no palco com o riff principal dessa música. Na sequência “Stranger In A Stranger Land” que me fez viajar lá para quando eu consegui a gravação em VHS do 12 Wasted Years, lembrando logo a abertura do documentário com essa música e mostrando a plateia pulando ao som do baixo de Steve Harris. Nostalgia pura!

Como todos sabem a turnê The Future Past World Tour 2024 foca no material do Somewhere In Time (1986) e do último disco de estúdio Senjutsu (2021) e era hora desse último ser lembrado no show e o fizeram com a faixa que se tornou um clássico instantâneo, “The Writing on the Wall”. É incrível como o público se identificou com essa música sendo executada ao vivo. Não sabemos direito como será a próxima turnê, mas dificilmente ela sairá do repertório. “Days of Future Past” e “The Time Machine” não possuem o mesmo apelo, mas são grandes faixas, porém foram as primeiras músicas em que deu para ouvir, lá no meio do gargarejo do palco, a voz do Bruce Dickinson, pois até então todas as músicas eram cantadas / berradas por uma turba enlouquecida. “The Prisoner” elevou novamente a voz do público para diminuir novamente em “Death of the Celts”.

Depois disso foram somente clássicos irrefutáveis com “Can I Play With Madness”, “Heaven Can Wait”, a esperadíssima e emocionante “Alexander the Great”, “Fear of the Dark” que é a música que o público mais odeia amar da banda – não tem um único ser no meio da multidão que não entôa os “ôôôô” e considerando a loucura que foi para se manter vivo no meio do povo, impossível dizer que não seja talvez o maior clássico da banda – e para fechar a única da fase Paul Di Anno “Iron Maiden”.

Entendo a escolha de “Hell on Earth” para abrir o encore, pois é uma faixa forte do último disco, mas acredito que seja longa e cheia de climas demais para apresentações ao vivo em estádios enlouquecidos, mas a calmaria logo foi-se embora novamente com “The Trooper” e “Wasted Years”, que fechou os trabalhos do primeiro dia de show no estádio.

Muitos que estavam ali iriam embora satisfeitos por mais um show de sua banda preferida, mas outros tantos já começavam a pensar no dia seguinte. Por mais que possa se pensar que é exagero ver dois shows que se sabe que seriam exatamente iguais, também não poderia deixar de aproveitar a oportunidade por já estar na cidade depois de longos 3.200 km de viagem. Com medo de perder o metrô para voltar comecei a sair, quando fui salvo pela segunda vez no dia. Dessa vez encontrei pessoalmente o Tomas Gouveia, que eu só conhecia dos grupos de colecionadores e ele gentilmente me ofereceu uma carona para uma estação que fosse mais fácil a ida para o local que estava hospedado, fica aqui meu agradecimento novamente.

Tinha programado para o dia seguinte ao primeiro show minha primeira oportunidade de ver uma apresentação de heavy metal da arquibancada. Sempre optei por ir de pista e foi um acerto essa escolha. Dois dias seguidos seria muito puxado, ainda mais que eu me conheço e se eu estivesse na pista eu iria querer chegar o mais próximo possível do palco. Porém o domingo amanheceu nublado e a nuvem que se abateu sobre nossas cabeças não era sinal de chuva era um sinal de tristeza, pois logo de manhãzinha ficamos sabendo oficialmente da notícia de que aquele seria o último show de Nicko McBrain com o Iron Maiden. Foram 42 anos de banda e não teve um fã que não sentiu. Claro que muito se especulava sobre a possibilidade física de Nicko para novas turnês. O AVC que ele teve ano passado só aumentou a preocupação dos fãs. Portanto não era algo totalmente inesperado, mas era algo que ninguém queria, mas infelizmente chegou e teríamos a chance de sermos os últimos fãs do mundo que veriam isso. O Brasil teve várias oportunidades que se tornaram históricas com o Iron Maiden e essa seria mais uma.

Por tudo o que aconteceu nos dois dias anteriores me dirigi ao estádio já com muito mais tranquilidade do que o normal. A ansiedade de chegar cedo, entrar logo e estar pronto o quanto antes para o início dos shows sempre foi algo que me acompanhou, mas dessa vez foi um pouco diferente. A única coisa que me fazia ter um pouco mais de pressa era o fato de que no dia anterior não tinha conseguido nem chegar perto do merchandising e eu queria garantir algum item, ainda mais sabendo que este seria um dia histórico e, por isso, apesar de não ter gostado da estampa da event shirt acabei ficando com essa mesmo. A grande diferença entre a arquibancada e a pista é que a partir do momento que você estabelece um lugar seu, abre-se a oportunidade de sair e voltar quantas vezes quiser, ou quantas vezes se sentir que dá para incomodar todas as outras pessoas da mesma fila que a sua. No geral, como era de se esperar, o show foi exatamente igual, entretanto dessa vez dava para ouvir o que o Bruce Dickinson estava cantando, já que o pessoal que estava na arquibancada não estava se esgoelando como o pessoal da pista no dia anterior. De diferente mesmo foi o anúncio do Bruce sobre a decisão do Nicko, fazendo os fãs gritarem o nome do baterista a cada oportunidade e essa comoção, ao meu ver, acabou encurtando os discursos do Bruce antes de “The Time Machine” e “Death of the Celts”.

Acabado o show se encerrava o terceiro dia de programações e só bastava voltar bem, dormir e me arrumar para voltar para casa. No domingo de manhã a notícia do nome que vai substituir Nick McBrain no Iron Maiden, Simon Dawson, aquele mesmo que saiu atender os fãs no dia do show do British Lion. Na volta para o aeroporto deu tempo ainda de encontrar o Ian Garbinato de Fagundes, também precisando se descolar de Congonhas para Viracopos. Não sabe quem é ele? Alguns de vocês devem conhecê-lo como O Cara do Metal, influenciador e músico dessa cena do heavy metal nacional. Bastante simpático ficamos conversando sobre a cena no caminho até a hora que cada um foi pegar seu vôo. Ficou a promessa de eu ouvir seu disco recém gravado. A decolagem do avião encerrou de vez um fim de semana histórico em vários sentidos. Fica aqui meu agradecimento Ao Steve Harris pela gentileza, ao Nick McBrain pelos serviços prestados, para o Fábio Leite pela estadia e pelo meu amor à música, pois sem ele esses momentos nunca aconteceriam. Up the Irons!!

      

17 comentários sobre “Um fim de semana inesquecível com o Iron Maiden

  1. Belo relato, Fernando! Com certeza, foi um final de semana que entra para a história da banda, e quem pode, como você, fazer parte dele, certamente guardará essa lembrança pela eternidade!
    Muito legal a atitude do “Patrão” de atender tanta gente assim antes do show do BL! Já vi muito artista com uma estrada e uma importância para o meio musical infinitamente inferiores à dele agirem de forma muito mais “estrelinha”, se recusando a sequer dar um “oi” para quem esperou horas numa fila para lhes ver! Atender a todos, e com simpatia e atenção (do que se tira do seu relato), não algo “mecânico” como alguns fazem, é uma das coisas que diferencia quem é “de verdade” de tanto músico “modinha” que tem por aí!
    Ri sozinho das suas considerações sobre ter ido na arquibancada e não na pista no segundo dia! Em 1996, eu vi o Deep Purple grudado “na grade” do bar Opinião, e levei tanto soco, chute e cotovelada que decidi que “não tinha mais idade” pra essas aventuras. Acho que o último show “de estádio” que vi da pista foi o Roger Waters na turnê de recriação do The Wall, depois disso, sempre que posso, vou para a arquibancada, onde posso, quando o peso da idade e do corpo aperta, sentar e dar um “descanso” da empolgação do show! Pena que, aqui em Porto Alegre, os promotores ainda insistam em fazer shows em locais sem a estrutura adequada para tal eventos (tipo o famigerado Estacionamento da Fiergs), mas, já faz tempo, sempre que posso, vou para algum lugar onde eu fique “elevado” em relação ao pessoal da pista, e que me dê oportunidade de sentar e curtir o show sem passar pelos perrengues “normais” de uma apresentação desse porte!

  2. Sem dúvida, shows inesquecíveis. Eu, que nunca tinha tido vontade de assistir um show do Iron Maiden, tinha decidido ir ao do dia 7 – mas quem diz que consegui ingresso? Não sei quando será o próximo da banda por estas terras, mas vou tentar de novo, já que esse eu perdi!! Muito legal a resenha do show, deve ter sido emocionante mesmo. Estou atualmente como o Micael – não tenho mais pique para assistir show na pista (too old for this sh*t!).

  3. Fui no show do dia 07 com um misto de expectativa, apreensão e desconfiança e ao seu fim só tinha um sentimento comigo: melancolia! Isso porque o show do Iron Maiden atual, e esse “atual” já tem um bom tempo, é apenas um espetáculo de nostalgia, uma recordação dos “bons tempos de antigamente que não voltam mais” e ele só serve para quem quer usufruir disso…Como esse não é o meu caso, tudo acaba tendo um odor desagradável de necrofilia. O que importa aqui, e isso vale tanto para os shows atuais do Metallica quanto aos da volta dos Titãs e de Sandy e Júnior, por exemplo, não é a música em si e sim ser transportado para um tempo passado em que a vida era “melhor” para 99% do público. Mas se é isso que o público deseja, fazer o quê, não é mesmo? PS.: Impressionante a semelhança atual de Steve Harris com o mito Didi Mocó!!!!

      1. Cara, o que o público do Iron Maiden mais faz é “waste your time searching for those years”, então…O público do show que eu fui não estava “realize you´re living in the golden years” de jeito nenhum, ele estava mesmo era em 1986 e não em 2024, se é que você me entende.

      2. Acabei me esquecendo de comentar! Já que você é fanático pelo Iron, e não sei se você sabe disso, a Rolling Stone Brasil soltou uma edição caprichada e especialíssima dedicada à banda. Já adquiri a minha e o negócio é coisa fina! Pode comprar sem medo!

  4. Muito legal a resenha! Acredito que foi sensacional mesmo! Fui nos dois dias no Allianz! Só acho um exagero a tattoo no braço, jamais faria isso! Nem do Ozzy que é o meu ídolo máximo. Rsrsrs

        1. Só não tive o prazer de conhecer pessoalmente. Acho que vou ter que ir para Cananéia mesmo…

  5. Infelizmente não fui aos shows mas o relato do Fernando é emocionante, detalhado e completo, a forma que escreve permite até a visualização mental do que ele relata, isso é fantástico. Belíssimo depoimento, Up the Irons!!!

  6. Belo relato, Fernando! Foram os deuses do metal que conspiraram para você entrar no FTTB comigo. Nos vemos em 2026. Up The Irons 🤘🏻

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