Maravilhas do Mundo Prog: Yes – Heart of the Sunrise [1971]
Por Mairon Machado
O ano de 1971 encerrava de forma significativa para os britânicos do Yes. Depois da estreia do guitarrista Steve Howe no terceiro álbum do grupo, The Yes Album, lançado em fevereiro do mesmo ano e contendo a Maravilhosa “Yours Is No Disgrace”, dentre outras pérolas do cancioneiro progressivo, o tecladista Tony Kaye saía do grupo em agosto de 1971, indo parar no Flash de Peter Banks (ex-guitarrista do Yes) e formando o Badger pouco depois. Howe, Jon Anderson (vocais, flauta, percussão), Chris Squire (baixo, violões, voz) e Bill Bruford (bateria, percussão) buscaram o nome de Rick Wakeman para ser o substituto de Kaye, uma aposta que mostrou-se totalmente correta, já que Wakeman praticamente foi o responsável pela definição do som do Yes.
O tecladista loiro estava com apenas vinte e dois anos na época, mas já era considerado um dos principais tecladistas de sua geração. Em 1969, com apenas vinte anos, havia gravado os mellotrons de “Space Oddity”, clássico de David Bowie, que fez seu nome surgir no ramo musical, indo parar no Strawbs de Dave Cousins. O grupo de folk rock não era exatamente o lugar ideal para o virtuosismo e a genialidade de Wakeman, que continuou sua parceria com Bowie no álbum Hunky Dory (1971), gravando o piano das clássicas “Life On Mars?”, “Oh! You Pretty Things” e “Changes”, além de ser músico de estúdio em diversas outras gravações.
Com o Strawbs, Wakeman gravou os álbuns Dragonfly e Just a Collection of Antiques and Curios, ambos de 1970, e se preparava para o terceiro álbum com o grupo quando chegou o convite para integrar o Yes, através de uma ligação de Chris Squire. A estreia de Wakeman no Yes é na data de 24 de setembro de 1971, menos de um mês depois de ter sido oficializado como novo membro, em uma apresentação em Devon. O diferencial de Wakeman era sua capacidade de tocar vários estilos de teclados, como moog, mellotron, piano, sintetizadores, órgão hammond, entre outros.
Além disso, a formação clássica de Wakeman na Royal College of Music, permitiu que ele aprendesse muito sobre composição e improviso, e apesar de não ter concluído o curso por conta dos trabalhos que lhe apareceram, o período em que estudou naquele local foi fundamental para sua genialidade nas teclas. A nova formação do Yes estava então consolidada como Jon Anderson, Steve Howe, Chris Squire, Rick Wakeman e Bill Bruford, uma das formações mais emblemáticas do rock progressivo, assim como são David Gilmour, Roger Waters, Rick Wright e Nick Mason (Pink Floyd), Keith Emerson Greg Lake e Carl Palmer (Emerson Lake & Palmer) e Peter Gabriel, Steve Hackett, Mike Rutherford, Tony Banks e Phil Collins (Genesis), isso só para citar alguns.
As gravações do novo álbum ocorreram durante todo o mês de setembro, muito por pressão da gravadora Atlantic. Como The Yes Album havia vendido muito bem, tendo sido quarto lugar no Reino Unido, a pressão por manter o grupo no alto foi grande. Assim, o quinteto resolveu fazer o possível para construir um álbum com pouco tempo de ensaios, tomando a liberdade de dividir a gravação para composições individuais, com apenas quatro canções interpretadas em conjunto pelo quinteto, sendo duas delas aproveitadas de material que ficou de fora de The Yes Album.
No dia 26 de novembro de 1971, Fragile chegou às lojas, e mostrou um grupo reforçado, abrindo com a clássica “Roundabout”, uma das canções que haviam sido trabalhadas na era Kaye. A introdução ao violão clássico, o ritmo cavalgante do baixo de Squire, o pseudo-samba na parte central e uma harmonia vocal inesquecível tornaram a mesa presente em todos os shows do Yes a partir de então. Para os fãs mais antigos, é o maior clássico do grupo em termos populares (ocupado por “Owner of a Lonely Heart” no coração dos mais jovens).
A primeira das faixas-solo aparece em seguida, “Cans & Brahms”, mostrando a genialidade de Rick Wakeman ao piano, inspirado na Sinfonia N° 4 in E minor de Johannes Brahms. Anos depois, o próprio Wakeman reconheceu que este não é um de seus melhores trabalhos, e que o fez somente por conta das obrigações contratuais com a A&M Records, o qual proibiu que seu nome aparecesse na capa do Yes, lembrando que Wakeman era como um músico extra no Strawbs, tendo um contrato exclusivo com a A&M Records. Como o Yes estava ligado à Atlantic Records, o nome de Wakeman somente aparecia através da famosa “Cortesia” do cedimento sobre os direitos autorais. Portanto, Wakeman teve que interpretar uma canção de outro artista, e não uma composição própria.
“We Have Haven” é a fusão de vozes de Anderson, acompanhado por seu violão, levando para a incrível “South Side of the Sky”, fortíssima candidata a Maravilha Prog, que encerra o lado A de Fragile com suas passagens de piano, o andamento quebrado de Bruford e Squire e a distorção na guitarra de Howe.
O Lado B tem a vinheta “Five Per Cent of Nothing”, uma conturbada criação de Bruford, acompanhado por Howe, Squire e Wakeman, a pop “Long Distance Runaround”, saída dos resquícios de The Yes Album, as espetaculares “The Fish (Schindleria Praematurus)”, com Squire dando show no baixo, e “Mood For a Day”, uma das mais lindas passagens de violão solo que os discos já registraram, e encerra com a Maravilha de hoje, “Heart of the Sunrise”.
Nessa, o quinteto aperfeiçoou o que havia apresentado em “Yours Is No Disgrace”, novamente começando com uma introdução arrebatadora, com todos os instrumentos fazendo as mesmas notas ao mesmo tempo, porém, em uma velocidade e peso descomunais para o rock progressivo. Os teclados de Wakeman entram sozinhos, fazendo a ponte entre as três primeiras escalas de baixo, guitarra, bateria e órgão, sendo que a terceira escala é uma incrível sequência de subidas e descidas em seus respectivos instrumentos, levando ao majestoso final da introdução com um breve tema de guitarra e baixo.
Squire então comanda o riff principal, acompanhado por Bruford, que faz chover em seu kit, enquanto Wakeman passeia com diversos acordes através de seu mellotron. O que Bruford faz é desumano para qualquer baterista, com quebradas, viradas, batidas invertidas, rufadas, tudo inventadas em poucos segundos, e do meio dessa tensa sessão, Howe cria um segundo riff, lembrando bastante o riff inicial, subindo e descendo escalas em sua guitarra, explodindo em batidas fortes da bateria.
Chegamos então no Maravilhoso trecho, com órgão, baixo, bateria e guitarra batalhando entre si em cima do riff inicial, e Wakeman sobressaindo-se em longos acordes de Hammond, enquanto o trio degladeia-se até a morte, encerrando lentamente essa incrível passagem.
O dedilhado de guitarra nos traz a voz adocicada de Anderson, cantando a primeira estrofe da letra que narra os momentos de um cidadão que sente-se perdido, por problemas diversos, sempre em busca de uma força interior através do amor, como o coração de um nascer do sol. A letra permite diversas outras interpretações, mas essa é a que Anderson sempre exaltou na maioria dos shows.
O baixo passa a fazer escalas, e a bateria então passa a acompanhar os vocais com breves rufadas, enquanto Howe brinca com o pedal de volume. Um pequeno tema instrumental faz a ponte para a terceira estrofe, a qual foge um pouco a melodia das duas primeiras. Passamos por mais duas estrofes vocais, chegando no refrão, com Anderson soltando a voz, e a perfeição instrumental concretizando-se entre dedilhados de guitarra, viradas de bateria, escalas de baixo e acordes de órgão.
Após o refrão, sintetizadores retornam para mais uma estrofe vocal, intercalada por temas que remetem-nos diretamente para a introdução, além de viajantes escalas de sintetizadores, baixo e bateria que interferem na sequência de escalas do tema introdutório, resultando para mais um leve momento aonde Howe brinca com o pedal de volume.
Escalas no piano levam-nos para a última parte da letra, com Anderson acompanhado apenas pelo baixo. Piano, guitarra e baixo repetem as escalas iniciais do piano, e resolvem acompanhar os vocais de Anderson, retornando então apenas para as escalas feitas apenas pelo piano. Mais uma repetição do riff introdutório, a sequência de escalas de piano e, finalmente, o êxtase final, com o mellotron trazendo novamente o refrão, no qual Anderson canta angélicamente, enquanto Rick dedilha seu piano e sola no moog, além de uma fantástica presença de Bruford, encerrando “Heart of the Sunrise” com mais uma repetição do riff inicial.
Ainda temos alguns segundos de revisão sobre “We Have Haven”, que encerram esse sensacional álbum em sua versão original, um dos preferidos para a maioria dos fãs do grupo. Até hoje, Fragile já vendeu mais de dois milhões de cópias somente nos Estados Unidos, chegando a cinco milhões ao redor do mundo. O álbum foi eleito o segundo melhor de 1971 em uma eleição realizada pelo site consultoriadorock.com, atrás apenas do quarto álbum do Led Zeppelin.
Além de ser o primeiro disco com a formação mais clássica do Yes, outra estreia ocorreu em Fragile, e que também foi de fundamental importância para consolidar a imagem do Yes. Afinal, este é o primeiro LP do grupo a contar com a arte de Roger Dean para a capa, além de um esboço para o famoso logo do grupo. A imagem é reconhecível por qualquer fã de rock progressivo, com uma estranha aeronave (apelidada de “Starship”, em referência à canção “Starship Trooper”) sobrevoando um planeta, que na contra-capa, começa a se desmanchar. A mesma ideia foi utilizada posteriormente por Dean na capa de Yessongs, e serviu de inspiração para Anderson criar a obra Olias of Sunhillow.
Na parte interna, um livreto com mais imagens de Roger Dean, além de fotos dos integrantes individualmente ou com familiares, acompanha a versão original do LP, imagens estas que ilustram essa postagem (*). Hoje, o mesmo tornou-se cobiçado, e é difícil encontrá-lo em boas condições de conservação.
O álbum alcançou a quarta posição nos Estados Unidos, a maior do grupo naquele país até então, e ficou em sétimo no Reino Unido. “Roundabout” foi lançada como single nos Estados Unidos, tendo “Long Distance Runaround” no lado B. A bolachinha alcançou a décima terceira posição na Billboard em abril de 1972, sendo que “Roundabout” foi bastante reduzida em sua duração final, tendo apenas três minutos e vinte segundos (mais de cinco minutos retirados da versão original).
A turnê de Fragile extendeu-se até 27 de março de 1972, tendo passado duas vezes pelos Estados Unidos, além de Reino Unido, Holanda e Bélgica. O quinteto voltou para os estúdios na sequência, e saiu de lá com uma de suas obras-primas, o aclamado Close to the Edge, cuja Maravilhosa faixa-título iremos destrinchar aqui, no Maravilhas do Mundo Prog.
* As imagens com este símbolo pertencem ao livreto que acompanha a versão original em LP de Fragile.
Fiz um trabalho de inglês em grupo em 97 e tivemos a difícil tarefa de escolher entre Heart of the Sunrise e Shine on your Crazy Diamond para basear o trabalho. Na época, escolhemos a música do Pink Floyd, mas eu teria escolhido de uns anos para cá Heart of the Sunrise, que se tornou na minha música favorita do meu disco favorito do Yes. Sobre Roundabout, acho que essa música pode ter ficado mais famosa fora dos fãs que Owner of a Lonely Heart devido aos vários memes gerados com a música e derivados do fato de que Roundabout foi usada como música de encerramento da versão anime dos episódios das Partes I e II de JoJo’s Bizarre Adventure. Parabéns pelo artigo!
“Heart of the Sunrise’ é uma daquelas músicas que cristalizam a essência da banda. É uma insanidade o que Bruford, Howe, Squire e Wakeman tocam nessa música, e a interpretação do Jon Anderson não fica atrás. Este “Fragile” é uma obra-prima do primeiro ao último segundo (certo, “Cans and Brahms” não é nada demais e “Five Percent for Nothing” não diz a que veio, mas todo o resto é muito bom), e para mim é top 3 do Yes. Quanto à maravilha de hoje, nada a acrescentar ao texto preciso do Mairon, só observar que a versão ao vivo com Tony Kaye e Trevor Rabin nos anos 80 também está muito boa!
Essa é top 5 das minhas favoritas do Yes: em “Heart of the Sunrise” o destaque vai para Bill Bruford, com sua melhor atuação nas baquetas dentro da banda. O cara mandou bem demais nessa! Aliás, o meu pensamento é de que o Bruford poderia muito bem ter saído do Yes com a cabeça tranquila depois do Fragile (disco/turnê), pois ele próprio percebeu durante as gravações do superestimado disco seguinte (Close to the Edge) que não dava mesmo pra continuar dentro da banda… Com isso o talentoso (e contraditório) baterista pediu as contas e saiu de vez do Yes após CTTE ser gravado no estúdio em meio a um terrível choque de egos entre seus membros. Felizmente o saudoso Alan White chegou e ocupou o trampo dentro do Yes até o fim de sua vida, quando nos deixou em 2022.
Enfim, Fragile mostra-me um caso raro de uma banda 100% unida, tocando muito e mostrando tudo o que sabe fazer, seja individualmente ou coletivamente, em um clima verdadeiramente amigável. O disco todo é mesmo muito bom, mas “Heart of the Sunrise” é definitivamente o ápice de seu tracklist, que por mim não precisava nem de repetir “We Have Heaven” no final. Simples assim!