Discografias Comentadas: Camel [Parte II]

Discografias Comentadas: Camel [Parte II]

O Camel em 1980: Jan Schelhaas, Kit Watkins, Andrew Latimer, Andy Ward e Colin Bass 

Por Marcello Zapelini

Sigo hoje com a segunda parte da Discografia Comentada do Camel, agora apresentando os álbuns lançados no final dos anos 70 e durante a década de 80, período conturbado e de diversas mudanças na formação.


Breathlees [1978]

Breathless é um álbum consideravelmente mais comercial do que os anteriores, mas ainda tem seus momentos de brilho. Pete Bardens deixou o grupo ao final das gravações, pois não concordava com o direcionamento que Latimer queria impingir à banda, mais voltado para o fusion. Andy Ward optou por continuar ao lado de Latimer, e para a turnê de lançamento foram contratados os excelentes tecladistas Dave Sinclair e Jan Schelhaas, ambos ex-integrantes do Caravan, por sugestão de Richard Sinclair. Dessa vez, Mel Collins aparece em foto individual e é creditado como co-autor em “The Sleeper” com Latimer, Bardens e Ward – a melhor música do álbum, e a que mais honra o passado. O álbum abre com a suave faixa-título, com destaque para a bela voz de Sinclair. Essa e a faixa seguinte (e segundo melhor momento do álbum) “Echoes” foram escritas por Bardens, Latimer e Andy Ward, trazendo Latimer no vocal, mas quase a metade dela é instrumental. “Wing and a Prayer”, da dupla Bardens/Latimer, traz o último vocal do tecladista registrado em disco do Camel, e seus teclados são o grande destaque dessa composição leve e alegre. Com guitarras surpreendentemente pesadas na introdução, “Down in the Farm” mais uma vez mostra a excelência de Richard Sinclair (que a compôs) como vocalista, e “Starlight Ride” (de Bardens e Latimer) é um tanto melosa. “Summer Lightning”, parceria entre Latimer e Sinclair, com vocal do baixista, é bem melhor, ainda que o timbre dos teclados não me agrade muito. Já “You Make Me Smile” me faz querer chorar, pois nada há que a impeça de ser a pior música do disco (Jan Schelhaas estreia nessa música, tocando clavinete); Latimer e Bardens não estavam nos seus melhores dias. O disco se encerra com “Rainbow’s End” (que traz Dave Sinclair ao piano), outra baladinha, como “Starlight Ride” – melhor do que essa, mas com um vocal agudo que não combina com o Camel (como bônus, há a single version da música). No todo, tem-se em “Echoes” e “The Sleeper” duas músicas muito boas, outras cinco que variam do razoável ao bom e duas bem fracas. Embora muito criticado por boa parte dos fãs, Breathless alcançou o 26º lugar na parada britânica. Não está à altura dos quatro primeiros discos, mas pode ser considerado o melhor álbum ruim que o Camel gravou.

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal)/Pete Bardens (teclados e vocal)/Andy Ward (bateria)/Richard Sinclair (baixo e vocal)/Mel Collins (saxofone e flauta)

O Camel em 1978: Jan Schelhaas, Richard Sinclair, Andrew Latimer e Mel Collins (de pé); Andy Ward e Dave Sinclair (sentados)

I Can See Your House From Here [1979]

Após a turnê de lançamento de Breathless, os primos Sinclair e Collins deixaram o grupo, que recrutou Colin Bass para o (surpresa!) baixo e Kit Watkins (ex-Happy The Man) para os teclados. Infelizmente, deste disco em diante o Camel nunca mais conseguiu ter uma formação estável, com vários músicos indo e vindo. Para piorar, as composições são bem pouco inspiradas, fazendo com que este seja o disco mais fraco da banda nos anos 70. O disco abre com “Wait”, com vocal de Colin Bass e os dois tecladistas se destacando nos sintetizadores; a música é boa, mas aquém do padrão que o Camel mantivera até 1977. O álbum traz duas boas instrumentais: “Eye of the Storm”, composição de Kit Watkins (que se divide entre a flauta e os teclados) e “Ice”, a mais longa do disco e forte candidata a melhor instrumental do Camel sem Pete Bardens. “Who We Are”, de Latimer, que também se responsabiliza pelo vocal principal e flauta, é outro destaque, muito bem trabalhada. “Survival” é uma bonita – e curta – vinheta instrumental orquestrada que antecede “Hymn to Her”, outra bela balada. Algumas músicas são medianas: “Wait” e “Your Love is Stranger than Mine” são cantadas por Colin Bass e, embora bastante comerciais, são bem feitas, e os tecladistas se destacam (o convidado Collins toca sax em “Your Love…”). Por outro lado, “Neon Magic” e “Remote Romance” (uma das piores coisas que o Camel fez em sua longa carreira) são bem mais fracas, apesar do bom solo de Latimer na primeira. Felizmente “Ice” termina muito bem o LP. Como bônus, o CD trazia “Remote Romance” na versão para single e “Ice” ao vivo para a BBC (na mesma versão que aparece no terceiro volume da série “On the Road”). A discografia da banda no ProgArchives, Wikipedia e Discogs traz um álbum intitulado Kosei Nenkin Hall, Tokyo, January 27, 1980, lançado pela Floating World Records, trazendo seis músicas em pouco mais de 41 minutos (uma delas um medley com músicas de The Snow Goose, o álbum traz a formação de I Can See…, apresentando três músicas desse LP (“Wait”, “Neon Magic” e “Hymn to Her”). Essa gravação foi lançada no disco pirata japonês Neon Magic, mas não sei se pode ser considerada oficial.

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta, teclados e vocal)/Andy Ward (bateria)/Colin Bass (baixo e vocal)/Jan Schelhaas (teclados)/Kit Watkins (teclados, flauta, clarineta)


Nude [1981]

Este álbum conceitual trata da história de Hiroo Onoda, soldado japonês que permaneceu no seu posto numa floresta filipina até 1974, quando seu comandante foi localizado e lhe ordenou que depusesse a arma, pois o Japão tinha se rendido ao final da Segunda Guerra Mundial. Nude é um bom disco de progressivo da década de 80 – que não foi exatamente generosa para com o estilo. O álbum se divide em 15 músicas – embora, tecnicamente, três delas sejam simples vinhetas; nenhuma delas chega a cinco minutos de duração, e várias têm uma tonalidade pop, mas o apelo comercial é reduzido pelo fato de a maioria das músicas serem instrumentais. Após a simples e agradável “City Life”, tem-se a curtinha “Nude”, instrumental levada ao piano que conduz a “Drafted”. Essas primeiras músicas com vocais são cantadas por Colin Bass, cuja voz suave combina perfeitamente com as belas melodias compostas por Latimer. As instrumentais “Docks” e “Beached” são mais enérgicas, a última com ótimos teclados, e “narram” a saída do Japão e a chegada às Filipinas. Outra bela instrumental, “Landscapes”, encerra o antigo lado A. O ritmo marcial de “Changing Places” abre o lado B, em mais uma instrumental, desta vez colocando em destaque a marcação de Ward e as flautas de Latimer e Collins. Na sequência, “Pomp and Circunstance” reintroduz a suavidade das primeiras músicas e de “Landscapes”, e a voz de Latimer se faz ouvir em “Please Come Home”; o chamado leva o soldado a refletir (“Reflections”) e a decidir se entregar (“Captured”), esta última escrita em parceria com Schelhaas, voltando para casa em “Homecoming”, mais uma instrumental com ritmo marcial. “Lies”, cantada por Latimer, traz Oonoda refletindo sobre a fama que granjeou por ter sido o último soldado a se render. Por fim, a boa “The Last Farewell” se divide em duas partes, “Birthday Cake” e “Nude’s Return”. Conceitual, majoritariamente instrumental, e menos comercial que os dois discos anteriores, Nude atingiu um respeitável 34º lugar na Inglaterra. A reedição em CD trazia parte do show registrado em On the Road 1981, mas não há bônus em “Air Born”. Susan Hoover, esposa de Latimer, forneceu a maior parte das letras.

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta, koto, teclados e vocal)/Andy Ward (bateria)/Colin Bass (baixo e vocal) + Duncan Mackay (teclados)/Jan Schelhaas (piano)/Mel Collins (saxes e flautas)

A formação do Camel em 1982: Andrew Latimer, Kit Watkins, Andy Dalby, Chris Rainbow, Stuart Tosh e David Paton

The Single Factor [1982]

Gravado por exigência da Decca, que demandou um álbum mais comercial e que produzisse pelo menos um hit single, The Single Factor não traz Andy Ward. O baterista estava abusando do álcool e das drogas, e chegara a tentar o suicídio. Andrew Latimer queria aguardar sua recuperação, mas a gravadora não quis saber. Assim, o disco foi gravado basicamente por Latimer, pelo baixista e vocalista David Paton (ex-Pilot) e pelo vocalista Chris Rainbow (ex-Alan Parsons Project). Os bateristas Graham Jarvis, Dave Mattacks e Simon Phillips, os tecladistas Haydn Bendall, Duncan Mackay e Francis Monkman, e Anthony Phillips (ex-Genesis, que toca mais teclados do que guitarra) estão entre os convidados do álbum, que ainda contou com Pete Bardens na instrumental “Sasquatch”.  Sobre as músicas, há mais duas instrumentais, “Selva” e “End Peace”, ambas com participação de Anthony Phillips. David Paton solta a voz em “Heroes” (nada a ver com a de Bowie), uma bonita balada que traz o guitarrista fazendo um solo de piano, e Chris Rainbow foi o responsável pelo vocal na curta “A Heart’s Desire”. Nas demais músicas, o vocal principal é sempre de Latimer. “No Easy Answer” é uma abertura razoável, mas “You Are the One” é descaradamente comercial e bem fraquinha (para piorar, ainda é o único bônus nos CDs, em versão editada para compacto). Após as boas “Heroes” (com Rainbow no vocal) e “Selva”, a curta “Lullabye” é levada por Latimer no piano e voz, mas não causa nenhuma impressão duradoura no ouvinte. “Sasquatch” é provavelmente a melhor música do disco: além de Latimer, Paton e Bardens, Anthony e Simon Phillips acabam criando uma formação impressionante que brilha do começo ao fim. “Manic” é outra música razoável, com algum peso (ainda que bastante pop), que traz a participação do ex-Curved Air Monkman. Na sequência, “Camelogue” é outra baladinha feita para tentar as paradas de sucesso; para outra banda, seria destaque, mas para o Camel, é pouco. “Today’s Goodbye” segue o mesmo padrão, mas é bem mais fraca. Por fim, tem-se “A Heart’s Desire”, com belo desempenho vocal de Rainbow, colada à instrumental “End Peace” – melhores que as anteriores, ainda que não sejam nenhuma maravilha. “The Single Factor” é um álbum fraco, sem grandes atrativos, que não ajudou em nada a carreira do Camel. Mais uma vez, a maioria das letras foi escrita por Susan Hoover – mas não se pode culpá-la quando as músicas eram tão desinteressantes

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, baixo, flauta, teclados e vocal)/David Paton (baixo e vocal)/Chris Rainbow (vocal) + vários convidados


Stationary Traveller [1984]

Terceiro álbum conceitual do Camel, inspirado pelas histórias dos alemães orientais, em especial os de Berlin, que viviam sob um regime de medo em que quase ¼ da população do país foi recrutada como colaboradora da polícia secreta. Último álbum de estúdio lançado pela Decca, Stationary Traveller não se compara com os discos do começo da carreira, mas junto com “Nude” não faz feio na discografia pós A Live Record. O álbum começa com “Pressure Points”, instrumental que dá um tom sombrio ao álbum e traz Latimer em belas guitarras. “Refugee”, em seguida, não é tão boa, com seu arranjo tipicamente oitentista; “Vopos”, em seguida, é bem superior, e teria se beneficiado de uma bateria humana (Paul Burgess fez falta nessa música). “Cloak and Dagger Man” traz a boa voz de Chris Rainbow, mas o excesso de sintetizadores de Ton Scherpenzeel rouba muito do impacto da música, que novamente apresenta bom desempenho de Latimer na guitarra. A faixa-título, em seguida, é uma bela música instrumental (o Camel raramente errava nesse departamento) dominada por Latimer na guitarra, flauta e violão. “West Berlin” abre bem o antigo lado B, trazendo Latimer no baixo, em música que fala da parte ocidental da cidade dividida; embora mais uma vez bem oitentista, é uma boa composição que teria rendido mais com um arranjo menos eletrônico. A bela “Fingertips” traz Paton em destaque no baixo fretless, e a volta de Mel Collins num sax aveludado que engrandece a música. Na sequência, duas boas instrumentais, “Missing” e “After Words”, esta última composta por Scherpenzeel e uma das pouquíssimas músicas sem participação de Latimer em toda a história do Camel. Outra boa composição encerra o disco, “Long Goodbyes”, com Rainbow no vocal e Latimer na flauta. As reedições em CD trazem “In the Arms of Waltzing Frauleins”, que a Decca mandou retirar da track list antes do lançamento do álbum e uma versão mais longa de “Pressure Points”, que anteriormente saiu num single de 12 polegadas.

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta, baixo, teclados e vocal)/David Paton (baixo e vocal)/Chris Rainbow (vocal)/Ton Scherpenzeel (teclados)/Paul Burgess (bateria) + Haydn Bendall (teclados)/Mel Collins (saxofones)

Camel 1984: Chris Rainbow, Ton Scherpenzeel, Andrew Latimer, Paul Burgess e Colin Bass

Pressure Points  Live In Concert [1984]

LP simples e VHS posteriormente relançado como CD duplo e DVD contendo show registrado no Hammersmith Odeon em 1984. Último álbum da banda pela Decca, que demitiu o grupo pouco depois, Pressure Points encerra a primeira fase da carreira do Camel. Mel Collins e Pete Bardens participam juntos de “Rhayader Goes to Town”; Bardens também toca em “Rhayader” e Collins em “Fingertips”. O álbum se concentrava nos álbuns após A Live Record, à exceção de “Breathless”, e incluiu também “Rhayader” e “Rhayader Goes to Town” do The Snow Goose; o upgrade para CD duplo incluiu mais algumas músicas, quase todas de Stationary Traveller, além de uma bela versão para “Lady Fantasy”. O LP original é uma raridade bastante valiosa, pois um erro de fabricação fez com que os LPs originais trouxessem o lado A identificado pelo selo do lado B, e vice-versa. Não é tão bom quanto A Live Record, mas tem bons momentos, como a versão completa de “Pressure Points”, “Vopos”, “Fingertips”, “Sasquatch”, o bom arranjo vocal de “Wait”, e as músicas de “The Snow Goose”.

Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal)/Colin Bass (baixo e vocal)/Chris Rainbow (vocal e teclados ocasionais)/Ton Scherpenzeel (teclados)/Richie Close (teclados)/Paul Burgess (bateria

4 comentários sobre “Discografias Comentadas: Camel [Parte II]

  1. Eita fasezinha braba aqui. Pouco se escapa do Camel nesse período na minha opinião. Gosto de alguma coisa do Breathless e uma que outra do Nude, mas o resto é complicado. Não conheço o Pressure Points pq sempre tive medo de ouvir o Camel ao vivo nos anos 80, mas fiquei curioso em ouvir as canções do Snow Goose com essa formação e vou atrás. Aguardando a terceira parte

    1. O Pressure Points, em sua versão em álbum duplo, é bem mais interessante do que poderia parecer à primeira vista, embora não se compare ao A Live Record. Essa fase do Camel eu gosto de ouvir da mesma maneira que ouço Genesis após o Duke: fechando os olhos e esquecendo do nome da banda… Tem músicas boas, mas é impossível não comparar com os quatro primeiros (e fantásticos) discos.

  2. Confesso que não conheço praticamente nada dessa fase, mas quem sabe, depois dessas resenhas, eu arrisque algo… Valeu, Marcello, pela postagem!

  3. Obrigado, Marcelo, pelo comentário, e espero que você encontre coisas boas ao ouvir a segunda fase da carreira do Camel! Eu confesso que por muito tempo fiquei somente nos álbuns até o A Live Record e só uns dois anos atrás que fui atrás do resto; encontrei coisas que gostei, algumas que me decepcionaram e coisas que, apesar de boas, não honravam o Camel. Mas acho que há mais coisas interessantes do que muita gente está disposta a admitir. Dessa fase, Stationary Traveler, Nude e Breathless são os que mais gosto e recomendaria correr atrás.

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