Discografias Comentadas: Camel [Parte III]
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Por Marcello Zapelini
Encerro hoje a Discografia Comentada do Camel, mas não em definitivo. Em abril trarei um “bônus track” com alguns lançamentos extra-discografia de estúdio oficial. Vamos hoje apresentar os álbuns pós-1990.
Dust And Dreams [1991]
Após vários anos passando por diversos problemas de ordem legal, o Camel reapareceu com sua configuração de quarteto e lançou mais um álbum conceitual que, como The Snow Goose, foi baseado num livro (neste caso, As Vinhas da Ira, de John Steinbeck). Latimer tentou negociar com a EG Records um contrato, mas desistiu quando lhe perguntaram por que Peter Frampton tinha deixado o grupo (logo após sair do Humble Pie ele formara o Frampton’s Camel, que só durou um disco). Vários meses negociando com a Virgin não deram em nada, então ele vendeu sua casa, construiu um pequeno estúdio e formou a Camel Productions para lançar seus discos de maneira independente. O álbum foi quase inteiramente composto por ele, com Susan Hoover colaborando com duas letras; a maioria das músicas é instrumental e há várias vinhetas, e os destaques vão para “Rose of Sharon”, cantada em dueto com Mae McKenna, “Go West”, “End of the Line”, “Milk’n’Honey” e as instrumentais “Broken Banks” e “Hopeless Anger”. Dentre outros colaboradores, um velho colega diz “presente”: David Paton contribui com alguns vocais. Dust and Dreams é um belo álbum, um tanto melancólico, cujo único defeito é não destacar a flauta de Latimer nos arranjos (“Sheet Rain” é um dos poucos momentos em que ela aparece); sua guitarra, por outro lado, continuava afiada. O grupo saiu em uma turnê mundial, com Hoover (a quem o disco é dedicado) como manager da banda.
Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta, teclados e vocal)/Colin Bass (baixo)/Ton Scherpenzeel (teclados)/Paul Burgess (bateria)
Em 1993 foi lançado Never Let Go, CD duplo ao vivo gravado na turnê de Dust and Dreams, lançado pela própria banda pela Camel Productions para comemorar vinte anos da banda. Na formação, Andrew Latimer (guitarra, flauta, teclados e vocal), Colin Bass (baixo e vocal), Mickey Simmonds (teclados) e Paul Burgess (bateria). Como Scherpenzeel fora contratado somente para as sessões de estúdio, o grupo recrutou Simmonds para os teclados, um excelente músico que tocou com Mike Oldfield, Fish e o Renaissance no começo do século XXI. O álbum foi gravado na Holanda e traz Dust and Dreams completo no CD 2, bem como músicas que revisitam toda a carreira do grupo. Muitos fãs preferem a versão ao vivo de Dust and Dreams presente nesse álbum à original de estúdio, mas não me incluo entre eles. Na verdade, embora Never Let Go seja um bom disco ao vivo, o Camel fez coisa melhor nesse quesito– tanto antes quanto depois.

Harbour of Tears [1996]
Outro disco conceitual, Harbour of Tears foi inspirado no Porto de Cóbh, na Irlanda, que foi o local de partida de muitos imigrantes irlandeses para os EUA. As composições são, novamente, todas de Latimer, com as letras fornecidas por Susan Hoover (“Harbour of Tears” e “Send Home the Slates” têm suas letras escritas em parceria pelo casal). Mae McKenna canta a capella a tradicional “Irish Air” na abertura do disco, seguida pela versão instrumental da mesma música. “Harbour of Tears”, triste como o nome sugere, traz Latimer cantando melancolicamente com apoio de Colin Bass e David Paton, e sua guitarra gilmouriana arrepia. “Send Home the Slates” traz Bass no vocal, que não decepciona nesta que é uma das melhores músicas do disco. Várias vinhetas instrumentais, como “Cóbh”, “Under the Moon” e “Generations”, fazem a ponte entre as músicas com vocais, e embora sejam bonitas, não chegam a se destacar. “Eyes of Ireland” traz Latimer no violão– que, como vimos, não é o primeiro instrumento de escolha do chefe– e bons vocais de Latimer, Paton e Bass. A instrumental “Running from Paradise” traz as flautas e penny whistles de Latimer em destaque; é uma das mais belas do álbum. Após a bonita “End of the Day” (mais uma vez com Latimer ao violão), o álbum se encerra com “Coming of Age” e “The Hour Candle”, duas excelentes instrumentais, a última dedicada ao pai do guitarrista e seguida por uma reprise de “Irish Air” a capella, como na abertura. Harbour of Tears é outro álbum bastante melancólico, que absolutamente não faz feio na discografia do Camel, honrando o que a banda fez de melhor no passado.
Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta, teclados e vocal)/Colin Bass (baixo e vocal)/Mickey Simmonds (teclados) + diversos músicos de estúdio, dentre eles John Xepoleas (bateria) e David Paton (baixo e vocal)

Veio então o CD duplo ao vivo Coming of Age, em 1998. Gravado em Los Angeles durante a turnê de Harbour of Tears, tendo na formação Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal), Colin Bass (baixo e vocal), Foss Patterson (teclados) e Dave Stewart (bateria). O primeiro disco revisita os anos 70 e 80 e o segundo é inteiramente dedicado a uma recriação do então último álbum de estúdio (de onde saiu a faixa-título.) Lançamento da própria banda pela Camel Productions. Considerado por muitos fãs um dos melhores álbuns ao vivo da banda, Coming of Age também saiu em DVD, incluindo cenas dos ensaios antes dos shows. Salvo melhor juízo, é a única gravação ao vivo do Camel feita nos EUA e lançada oficialmente em disco; acho muito interessante a banda seguir as seleções de músicas de The Snow Goose com as de Nude, revisitando parcialmente os dois primeiros álbuns conceituais lançados por eles. Se alguém estava curioso em saber qual era a aparência da letrista e musa de Latimer, no livreto há uma foto de Susan Hoover que continuava ocupando o cargo de manager da banda.

Rajaz [1999]
Apesar do nome, o Camel nunca tinha explorado em sua música os desertos do norte da África e do Oriente Médio até este álbum ser lançado pela Camel Productions. Diferentemente dos álbuns anteriores, este não é um disco conceitual. Rajaz começa com a bela instrumental “Three Wishes”, uma composição com todas as características da banda nos anos 70. Na sequência, “Lost and Found”, outra boa composição, mas que teria se beneficiado de um vocal melhor; Latimer não estava nos seus melhores dias nesse departamento. A terceira faixa, “The Final Encore”, é outra boa música que teria se beneficiado de um vocal mais sensível, com uma longa introdução instrumental com jeitão de trilha sonora de filme ambientado nas 1001 noites. A faixa-título traz o melhor desempenho de Latimer em todo o disco, brilhando na guitarra, flauta e vocal ao longo dessa linda e triste música, que no final lembra um pouco o Pink Floyd. “Shout”, entretanto, não segura a peteca e é provavelmente a música mais fraca de Rajaz. “Straight To my Heart” é outra balada floydiana, com letra quase autobiográfica que volta a destacar o bom trabalho de Latimer na guitarra, e eleva o nível mais uma vez, mantido pela instrumental “Sahara”. “Lawrence”, dedicada ao famoso Lawrence da Arábia, encerra o álbum. Composto por Latimer, com letras de Susan Hoover (à exceção de “Straight to my Heart” e “The Final Encore”, Rajaz manteve o alto nível dos discos anteriores e traz o Camel explorando uma sonoridade um pouco diferente da que o tornou famoso, mas sem perder os ingredientes que lhe deram identidade; a guitarra de Latimer ganha bastante destaque no álbum, fazendo desse disco uma companhia perfeita para quem admira o chefe.
Lineup: Andrew Latimer (guitarra, teclados, flauta, percussão e vocal)/Colin Bass (baixo)/Dave Stewart (bateria)/Ton Scherpenzeel (teclados)
Em 2001 é lançado The Paris Collection, CD simples gravado ao vivo na capital francesa, mais uma vez lançado pela própria banda. O Lineup traz Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal), Colin Bass (baixo e vocal), Guy Leblanc (teclados e vocal) e Denis Clement (bateria). A banda agora contava com dois músicos canadenses, Leblanc e Clement– o primeiro faz a plateia feliz ao conversar em francês entre as músicas. Diferentemente dos dois discos ao vivo anteriores, The Paris Collection não traz Rajaz completo– aliás, só uma música desse álbum (a instrumental “Sahara”) é incluída aqui. A turnê foi marcada por problemas e dificuldades: antes mesmo de começar, o baterista Dave Stewart decidiu sair do grupo, o ex-Jethro Tull Clive Bunker chegou a ensaiar com a banda, mas não se adaptou, Susan Hoover sofreu um acidente de equitação, Andrew Latimer ficou com bronquite e machucou um joelho, Guy Leblanc foi puxado do palco por um fã e quebrou uma costela… Os problemas de saúde prejudicaram a voz de Latimer e, com isso, boa parte do disco é instrumental, com Colin Bass assumindo a maior parte dos vocais com apoio de Leblanc. As versões de “Ice” (que abre o álbum) e “Lady Fantasy” (que o encerra) são os maiores destaques, estando à altura do passado da banda.

A Nod And A Wink [2002]
Comemorando os trinta anos de carreira, o Camel lançou este álbum que, pela primeira vez desde que Latimer e Hoover tomaram as rédeas (?) do camelo, admite outro compositor: o tecladista Guy Leblanc assina duas músicas. O disco é dedicado a Pete Bardens, que morreu de câncer enquanto a banda o estava gravando, e agradecimentos a todos os ex-integrantes do Camel, bem como ao ex-produtor Rhett Davies e à amada Susan Hoover.. A Nod and a Wink já traz a flauta de Latimer na bela faixa-título, que abre o disco com longo trecho instrumental, passando depois para a voz melancólica do guitarrista; Latimer e Leblanc fazem a música ter um interessante sabor de Pink Floyd. “Simple Pleasures” não chama muito a atenção, mas “A Boy’s Life” e “Fox Hill” são muito boas, em especial o trecho instrumental da segunda, que mostra como Latimer e Leblanc se entrosavam bem. “The Miller’s Tale” é outra bela música, quase inteiramente instrumental, em que os teclados de Leblanc imitam as cordas de uma orquestra. A também quase instrumental “Squigely Fair” é dominada pela guitarra de Latimer, que também toca flauta; após cinco minutos, tem-se um curto trecho com vocais (mas não há a letra no encarte), encerrando-se com uma bela coda levada por Leblanc nos teclados. “For Today” traz Terry Carleton na bateria e backing vocals, outra balada melancólica, dedicada a um homem apelidado High Driver, que se suicidou atirando-se do World Trade Center no 11 de setembro de 2001. O solo de guitarra mais uma vez escancara as influências de David Gilmour e do Pink Floyd sobre a banda, especialmente nos últimos anos, e a música comove. A Nod and a Wink é outro bom álbum que honra o nome da banda e mostra que os dias de tentar ser um sucesso comercial passaram, e hoje em dia o Camel se concentra em fazer música que seus fãs possam apreciar. Os problemas de saúde de Latimer forçaram a banda a parar entre 2003 e 2013, enquanto o guitarrista se tratava.
Lineup: Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal)/Colin Bass (baixo e vocal)/Guy Leblanc (teclados e vocal)/Denis Clement (bateria)

The Snow Goose Re-Recording [2013]
O que levou Andrew Latimer a regravar The Snow Goose é um mistério para mim. Quatro das composições originais foram reescritas, “Sanctuary”- que não acrescentou muito-, “Migration” (essa aqui realmente ficou melhor do que a original, com um belo trecho de piano de Guy Leblanc), “Rhayader Alone”, com uma guitarra emocionante de Latimer, e “Epitaph” (mais curta e mais melancólica que a original), e não há orquestra. Na capa do CD, uma dedicatória a Pete Bardens e o reconhecimento a Doug Ferguson e Andy Ward pelas suas contribuições, mas nenhum esclarecimento para a decisão de regravar o disco; aparentemente havia um plano de regravar mais álbuns originais, que até o momento não foi adiante. Há pouco o que dizer, a não ser que a obra continua linda, e que a formação da banda à época estava à altura do quarteto original, e a produção de Latimer e Clement é boa, com o álbum soando bem. Latimer não ousou muito em termos de arranjos, talvez somente se destaque os teclados mais modernos (algo que fica bem nítido em “Fritha” e “Flight of the Snow Goose”, por exemplo) usados por Guy Leblanc, Denis Clement é um baterista mais pesado do que Andy Ward e, por isso, as músicas ganharam mais energia (especialmente “Dunkirk”).
Lineup: Andrew Latimer (guitarra, teclados e flauta)/Colin Bass (baixo)/Guy Leblanc (teclados e vocal)/Denis Clement (bateria e teclados)

A regravação de The Snow Goose não comprometeu em nada o grupo, mas não parece ser capaz de granjear novos fãs à banda. Essa versão foi lançada na íntegra no DVD In From the Cold, gravado na Inglaterra, trazendo Jason Hart como segundo tecladista. Infelizmente, Leblanc faleceu pouco depois, em 2015, vítima de câncer nos rins. Um segundo DVD ao vivo, Ichigo Ichie, gravado no Japão, foi lançado em 2016 e marcou a estreia de Pete Jones nos teclados.
Fechando, em 2019 é lançado Live at the Royal Albert Hall, CD duplo e DVD gravado ao vivo no famoso teatro londrino em 2018, com o Camel tendo Andrew Latimer (guitarra, flauta e vocal) Colin Bass (baixo e vocal), Pete Jones (teclados, saxofone e vocal) e Denis Clement (bateria). No CD 1, Moonmadness é recriado integralmente pela banda, que não se apresentava no Big Al há décadas. Moonmadness continua um álbum excelente e o desempenho dos músicos é digno da versão original. De resto, uma seleção de músicas de toda a carreira do grupo, com a apresentação encerrando-se com “Lady Fantasy” (como na maior parte dos shows…). No todo, Live at the Royal Albert Hall é um souvenir de um show importante para o Camel, tem boa qualidade sonora e os músicos mantêm o alto nível instrumental associado ao grupo, mas é basicamente feito para os fãs. O álbum é dedicado a Andy Ward, Pete Bardens e Doug Ferguson.