Jethro Tull – Curious Ruminant [2025]
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Por Marcello Zapelini
Em 2022, os fãs do Jethro Tull foram contemplados com o primeiro disco de estúdio da banda desde 2003 (e o primeiro com material exclusivamente inédito desde 1999!), The Zealot Gene. Embora fosse uma mescla de composições gravadas somente por Ian Anderson e outras com a formação da época (David Goodier no baixo, John O’Hara nos teclados, Scott Hammond na bateria e os guitarristas Florian Opahle – despedindo-se da banda – e Joe Parrish-James), o projeto começou como disco solo. O bom álbum satisfez boa parte dos fãs da banda, e abriu caminho para o mais ambicioso – embora musicalmente não tão bem-sucedido, na minha opinião – álbum conceitual Rokflöte, lançado no ano seguinte, e inspirado no folclore nórdico. Surpreendentemente, Anderson não parou por aí, e agora em março o Jethro Tull nos entregou seu 24º álbum de estúdio, Curious Ruminant.
O novo álbum de Anderson e companhia (Goodier, O’Hara e Hammond continuam na banda, com o novo guitarrista Jack Clark fazendo sua estreia em estúdio), acompanhado por dois ex-integrantes (o tecladista Andrew Giddings, que esteve na banda nos anos 90 e início do século XXI, e o baterista – e filho de Ian – James Duncan, que só participou de apresentações ao vivo, e aqui participa de mais da metade do álbum), traz nove músicas que variam de cerca de dois minutos e meio até quase 17 (pode isso, Arnaldo? Um épico em pleno ano de 2025?). Verdade seja dita: os instrumentistas não chegam a se destacar muito, mas, por outro lado, Anderson continua afiado na flauta. O álbum foi disponibilizado em CD simples e edição DeLuxe com um segundo CD contendo as músicas remixadas, um Blu-Ray e um belo artbook, além das obrigatórias edições em vinil, uma delas com 2 LPs, 2 CDs, artbook e dois prints da arte do álbum. Agora a pergunta fatal: o disco é bom? Sim, é, e do trio de álbuns lançados nos últimos anos, é o melhor – ainda que não tenha uma música tão impactante quanto “Ms. Tibbetts”, que abre The Zealot Gene, e para mim é a melhor música do grupo desde “Budapest”, do longínquo Crest of a Knave (1987).
Claro, ninguém o colocará acima dos clássicos lançados nos anos 70 (nem, na minha opinião, dos excelentes e subestimados A e The Broadsword and the Beast), mas é um álbum para disputar lugar nas posições intermediárias de um ranking do melhor da banda. Anderson canta num registro mais baixo, e em alguns momentos quase sussurra a letra – algo que deve ter sido proposital para que ele possa interpretar essas músicas ao vivo. O álbum inicia com duas boas músicas mais rock, “Puppet and The Puppet Master”, aberta pelo piano de O’Hara e com bom solo do estreante Clark, e a faixa-título, com Anderson citando o cogito ergo sum de Descartes (cuja imagem aparece na página com a letra da música)! Anderson se destaca nas letras: “Puppet…” brinca com a sensação de ser alguém que manipula a audiência e ao mesmo tempo é manipulado por ela, e em “Curious Ruminant” ele deixa bem claro que o “ruminante” do título não tem a ver com os herbívoros que se pode imaginar, mas sim com o hábito de “remoer” pensamentos. A folksy “Dunsinane Hill” não teria soado deslocada em Songs from the Wood, e é uma das mais belas composições do novo álbum, na minha opinião, com sua letra que alude a “Macbeth”, de Shakespeare. Na sequência, “The Tipu House”, inspirada pelas árvores de um bairro de Barcelona, mantém o clima folk, ao passo que “Savannah of Paddington Green” traz nosso herói em temas ecológicos, pensando no aquecimento global que, segundo ele, fora abordado originalmente pelo Jethro Tull na clássica “Skating Away on the Thin Ice of the New Day”, de Warchild.
“Over Jerusalem” é mais ambiciosa, com um interlúdio instrumental que me remeteu a “Thick as a Brick”, em que Anderson reflete sobre as tensões políticas e religiosas da cidade sagrada das três grandes religiões monoteístas do mundo. Ela prepara o terreno para a longa “We Drink From the Same Well”, que deve ter chamado a atenção dos fãs mais assíduos nos shows do Jethro Tull, pois vários trechos são instrumentais e já tinham sido “testados” ao vivo nos interlúdios em que Ian descansa sua voz. Derivada de uma composição que Anderson criou para um flautista indiano (que não a gravou), ela traz de volta Andrew Giddings e é um destaque não só do disco, mas do próprio Jethro Tull, uma vez que somente “Thick as a Brick” e “A Passion Play” são mais longas que ela na carreira da banda (a música é alguns segundos mais longa que “Baker Street Muse”, do Minstrel in the Gallery); Clark não participa da música, que mistura trechos de demos originais com novas contribuições musicais. O álbum encerra-se com Anderson recitando um belo poema sobre as dores da morte de um ente querido sobre uma base instrumental inteiramente feita por ele em “The Interim Sleep”. É impossível não se emocionar com seus versos doloridos, ainda que a música de fundo não se destaque.
Nas edições DeLuxe, o artbook traz dados biográficos sobre os músicos, comentários sobre as novas músicas, diversas fotos em preto e branco (feitas pelo próprio Anderson), e várias fotos dos diferentes músicos com máscaras do carnaval de Veneza – e é curioso ver como Andrew Giddings parece mais velho do que o próprio Ian, embora seja mais de quinze anos mais jovem. O segundo CD traz uma mixagem alternativa para todas as músicas (Anderson produziu e fez a engenharia de som e a mixagem do álbum), mas não percebi diferenças significativas, e o Blu-ray apresenta mais mixagens diferentes do álbum, uma conversa a respeito das novas músicas e, ao final, Ian declamando as letras.
A caminho dos 78 anos, Ian Anderson tem mantido nos últimos anos um ritmo invejável em termos de novos lançamentos e apresentações ao vivo (mais de 180 desde 2022); sua voz envelheceu, mas ele soube adaptar a música às suas limitações vocais, e suas habilidades na flauta e violão continuam intactas. Se este for o último disco do Jethro Tull, a banda terá se despedido bem, mas espero que não seja: adoraria ver Anderson e Barre reunidos novamente para fechar a carreira (pode até ser com acompanhamento de Goodier, O’Hara e Hammond).
Track list
- Puppet And The Puppet Master
- Curious Ruminant
- Dunsinane Hill
- The Tipu House
- Savannah Of Paddington Green
- Stygian Hand
- Over Jerusalem
- Drink From The Same Well
- Interim Sleep
Assim como foi com The Zealot Gene, só fui ouvir esse disco hoje por conta da resenha do Marcello, que sim, é melhor que o disco. Curious Ruminant até tem seus momentos, mas penso que Ian Anderson se escora no nome Jethro Tull para faturar um a mais, ao invés de (corretamente ao meu ver) seguir lançando discos pela carreira solo dele, que também tem discos medianos como esse. Jethro Tull acabou quando o Martin Barre saiu, e não vejo pq Ian insiste em seguir com o nome da banda a não ser pelas questões monetárias. Reafirmo, a resenha é (bem) melhor que o disco. Parabéns Marcello