The Donnas – Spend The Night (2002):

Por Davi Pascale
Em 2002, The Donnas lançou Spend The Night, seu álbum mais bem sucedido e que contém seu maior hit, o rock “Take It Off”. Contudo, contrariando as expectativas da cena roqueira da época, o grupo ficou na promessa e encerrou as atividades após lançar apenas mais dois álbuns. Vamos lá entender melhor um pouco dessa história.
O The Donnas tem sua origem em 1993, em Palo Alto (California). As colegas de escola Maya Ford (baixista) e Allison Robertson (guitarrista) decidiram criar uma banda de rock formada somente por garotas. Ok, a ideia não era exatamente nova. O mundo do rock já havia nos presenteado com artistas do porte de The Runaways, Girlschool e L7. Agora… vamos combinar que a história começa a ficar interessante quando nos recordamos que estamos falando sobre garotas de 13 anos de idade, ainda cursando o ginásio.
Em entrevista presente no DVD bônus do álbum Spend The Night, a guitarrista comenta que não foi exatamente uma escolha. “Eu e Maya tocávamos instrumentos e queríamos ter uma banda para tocar no colégio, mas os garotos se recusavam a tocar com a gente. ‘Não queremos garotas’, ‘Hey, isso aqui é uma banda de rock’, sabe”? Depois de tantas negativas, as duas convenceram suas amigas Torry Castellano e Brett Anderson a aprenderem a tocar bateria e a cantar, respectivamente.
“Estávamos cursando a oitava série. Estudávamos no Jordan Middle School e eles tinham o Day On The Green, onde as bandas se apresentavam. Nós escolhemos quem eram as garotas que queríamos na banda e conversamos com elas. Nós perguntamos à ‘nossa baterista’ (…) Ela disse que sempre quis tocar bateria e alugou uma que era horrível. Soava como um monte de potes e panelas. Ela não tinha a mínima ideia de como tocar e tentava replicar o que fazíamos”, relembra Alisson Robertson em entrevista à Lollipop Magazine. “Nossa cantora demorou uma semana para aceitar. Ela tinha medo de soar horrível. Eu sabia que conseguiria porque já tinha visto ela cantando em cima do rádio. Quando topou, tínhamos três semanas para se preparar para o evento”.

O grupo adotou, então, o nome de Ragady Anne e começou a ensaiar noite após noite. Como tudo foi feito na correria, não houve tempo para criar um repertório e elas fizeram o primeiro show com covers. Entre as escolhidas, estavam American Society (L7) e “Rocket Ride” (Shonen Knife). “Lembro que queria criar um nome legal para mostrar aos garotos quão legais nós éramos. Todos eles tinham bandas com nomes horríveis: Verbal Constipation, Pablo, Purple Butterflies, Groove Handle”…
Não deu certo. Os garotos diziam à elas que a banda era medonha e começaram a chama-las de ragadies (sarna). Depois de 2 anos, elas mudaram o nome para Electrocutes e, com esse nome, gravaram seu primeiro álbum: Steal Your Lunch Money. O disco que tem um som sujo, rápido e direto, beirando ao hardcore, só chegaria ao mercado em 1999.
Em 1996, nasceu o The Donnas. A ideia era ser um projeto paralelo ao Electrocutes. As garotas encaravam como uma brincadeira e ficaram bravas quando viram que o Donnas estava crescendo e o Electrocutes, não. “Fizemos um show como Electrocutes, em São Francisco, junto com uma banda surf que se vestia igual ao Jornada nas Estrelas, o Vulcan Ears. E ali conhecemos um rapaz chamado Darin. Ele veio falar com a gente super animado, dizendo que tinha escrito várias canções que ele visionava sendo gravadas por garotas. Ele nos ensinava como tocá-las, gravava e lançava. Foi assim que nasceu o primeiro single das The Donnas”.
Não apenas o primeiro single, mas todo o primeiro álbum foi criado por Darin. Foi somente no segundo disco, American Teenage Rock n Roll Machine, que as garotas começaram a compor e a imprimir sua identidade. Enquanto o primeiro álbum soava como Ramones puro, os discos lançados pelo selo Lookout (American Teenage Rock n Roll Machine, Skintight e, especialmente, Turn 21) traziam uma bem vinda influência de hard rock nas composições.

As garotas passaram a flertar o punk rock que faziam com o hard rock dos anos 70 e 80, incorporando referências de Motley Crue, Kiss, Joan Jett e AC/DC em seu som. Se em canções como “You Make Me Hot”, a influência já era notável (não há como negar que o lick de guitarra foi chupado de “Too Fast For Love” do Motley Crue), tudo ficou ainda melhor em Spend The Night, o primeiro álbum do grupo lançado por uma multinacional, a Atlantic.
Em outra entrevista ao Lollipop Magazine, Donna R comentou sobre as gravações do disco. “A gravadora nos deu 3 meses, mas nós terminamos em 3 semanas. Poderíamos ter trabalhado por mais tempo, se quiséssemos. O que gosto nele é que ele tem uma sujeira, soa como tocamos em nossos shows. Eu amo fazer tomadas extras, mas porque gosto da textura. Não é para esconder algo ou para tocar algo que não vamos conseguir reproduzir ao vivo. Nossa obsessão sempre foi fazer com que nossos álbuns soassem o mais próximo possível ao que fazemos no palco”.
Indiscutivelmente, as guitarras de Alisson eram o grande diferencial do The Donnas. A banda tinha o time perfeito. Torry era consistente e tocava com vontade. Brett era graciosa e conhecia bem suas limitações vocais, mas quem se destacava era mesmo a guitarrista. Não apenas pelo timbre que tirava, mas principalmente pelos riffs espertos que construía e pelos solos simples, porém precisos. Lembro que a primeira vez que escutei o disco, em vários momentos seus solos me traziam um ‘q’ de Ace Frehley. Não foi nenhuma surpresa, para mim, quando vi uma entrevista onde ela declarava ter o Kiss como sua banda preferida e Ace como seu maior ídolo.

O disco começa com a contagiante “It´s On The Rocks”, antes de seguir para os (ótimos) singles “Take It Off” e “Who Invited You”. De cara, notamos mais uma mudança. Brett Anderson havia evoluído enquanto vocalista. Embora continuasse cantando em uma região baixa, a executava com maior segurança, principalmente se comparado aos 3 primeiros discos. “All Messed Up”, “Dirty Denim” e “You Wanna Get Me High” seguem a sonoridade alto astral mantendo o clima de festa.
Clima que transparece, inclusive, nas letras das canções. As meninas não tentavam reinventar a roda, não traziam temas profundos, não era um texto difícil. Pelo contrário, apostavam em temas usuais no cenário hard rock: diversão, relacionamento e afins. Na segunda metade do álbum, os grandes destaques ficam por conta de “Pass It Around”, “Please Don´t Tease” e “5 O´ Clock In The Morning”.
Spend The Night é, sem dúvidas, o trabalho mais forte das garotas e um dos trabalhos mais bacanas das bandas de rock daquela geração. O disco bebia na fonte das bandas dos anos 70 e 80, sem soar caricato ou datado. As músicas eram excelentes, arrisco a dizer que não tinha nenhum filler por aqui. E o grupo tinha uma magia. O DVD que acompanha o álbum, contudo, é não mais do que ok. A entrevista é bem superficial e serve apenas para mostrar um pouco da personalidade das garotas. Não é por aqui que você vai conhecer a história delas ou compreender as mudanças de direcionamento. O clipe de animação é bem feitinho, enquanto o making of das gravações do disco aposta mais nas brincadeiras que faziam entre si, do que como o álbum, de fato, foi gravado. Como, na época, tínhamos poucas imagens delas aqui no Brasil, acabava sendo um ítem curioso na coleção.

Infelizmente, a banda não teve sorte. O trabalho seguinte – Gold Medal – não teve boa aceitação e contou com algumas complicações. A primeira prensagem do CD saiu com erro, vinha com o final de uma música cortada. Além disso, o time responsável por trabalhar o grupo foi cortado da gravadora durante o período de divulgação e os novos profissionais não tinham ideia do que fazer com as garotas. A Atlantic entrava em uma nova era e tentava convencer as integrantes à se tornar um grupo pop. A saída do cast era inevitável.
As meninas ainda insistiram no projeto e fundaram a Purple Feathers, por onde lançaram o ótimo Bitchin´, antes de ter que encarar mais um problema. Durante a excursão – que trouxe o grupo duas vezes ao Brasil (eu assisti a primeira) – Troy Castellano foi obrigada a largar a banda devido à um problema crônico no ombro, causado por utilizar técnica errada ao tocar. Somou tudo isso ao problema de alcoolismo de Brett e a queda na procura por shows e as garotas anunciaram, em 2012, o fim do The Donnas. Uma pena! Esse é um grupo que faz bastante falta na cena.
Faixas:
01) It´s On The Rocks
02) Take It Off
03) Who Invited You
04) All Messed Up
05) Dirty Denim
06) You Wanna Get Me High
07) I Don´t Care (So There)
08) Pass It Around
09) Too Bad About Your Girl
10) Not The One
11) Please Don´t Tease
12) Take Me To The Backseat
13) 5 O´ Clock In The Morning
DVD:
01) Andy Dicks Interviews The Donnas
02) The Donnas Spend The Night: A Five Month Slumber Party
03) Do You Wanna Hit It (Animated Music Video)