Maravilhas do Mundo Prog: Yes – The Revealing Science of God (Dance of Dawn) [1973]

Maravilhas do Mundo Prog: Yes – The Revealing Science of God (Dance of Dawn) [1973]

Por Mairon Machado

A quarta Maravilha Prog dos britânicos do Yes foi difícil de escolher. Pertencente ao sexto disco do grupo, Tales from Topographic Oceans, ela possui mais três irmãs gêmeas, todas lindas e capazes de serem categorizadas como Maravilhas. Mas acabei recorrendo a “The Revealing Science of God (Dance of Dawn)” por três aspectos: primeiro, o fato de que é a única canção do álbum na qual o Yes trabalhou em conjunto, não havendo um destaque individual; a segunda, é por conta de ela ser a responsável por abrir os trabalhos no vinil duplo, lançado no dia 14 de dezembro de 1973. A terceira explico mais adiante.

Preciso primeiro citar que antes do lançamento de Tales from Topographic Oceans, uma mudança na formação do Yes ocorreu, e que foi muito importante para o andamento do grupo nos anos subsequentes. Jon Anderson (vocais, violões, percussão, flauta), Steve Howe (guitarras, violões, Danelectro Sitar, vocais), Chris Squire (baixo, harmônica, violões, percussão, vocais), Rick Wakeman (teclados) e Bill Bruford (bateria, percussão) haviam acabado de lançar Close to the Edge, um dos principais discos do rock progressivo, detentor da Maravilhosa faixa-título, além das essenciais “And You And I” e “Siberian Khatru”, que colocaram o álbum em um patamar muito acima dos demais álbuns do grupo no quesito importância para o rock progressivo.

Porém, Bruford estava desgostoso com os caminhos que o Yes começou a trilhar, mergulhando em composições pesadas, densas e complexas, fugindo do lado jazzístico e repleto de improvisos que caracterizou a fase inicial do grupo. Assim, pediu as contas e foi parar no King Crimson de Robert Fripp, abrindo um enorme buraco na parede de sustentação do grupo.

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Klaus Voormann, Alan White, Yoko Ono, John Lennon e Eric Clapton. A Plastic Ono Band, em 1969.

Foi o produtor Eddie Offord que encontrou a solução para os problemas. Eddie era amigo de John Lennon, e havia ficado hipnotizado com a performance do baterista da Plastic Ono Band. O grupo de John e Yoko Ono fazia suas experimentações com blues, jazz e rock, e estava bem longe da linha progressiva que o Yes caminhava, mas White mostrou que podia sim segurar as baquetas do grupo. Sua pegada era mais forte, sem tanta virtualidade como Bruford, e foi aprovado logo no primeiro ensaio, quando tocou “Siberian Khatru”.

White participou da turnê de divulgação de Close to the Edge, e fez a maior parte da bateria do primeiro ao vivo do grupo, o triplo Yessongs, um dos principais álbuns ao vivo de todos os tempos, lançado em 1973. O disco apresenta Close to the Edge na íntegra, e conta com Bruford fazendo uma apresentação impecável nas faixas “Perpetual Change”, “Long Distance Runaround” e “The Fish (Schindleria Praematurus)”. Foi sétimo colocado no Reino Unido e décimo segundo nos Estados Unidos, mostrando que o Yes já desfilava como um dos preferidos pelos fãs.

Foi durante a turnê de Close to the Edge que começou a surgir a ideia da gravação de Tales from Topographic Oceans. Anderson teve contato com o livro Autobiography of a Yogi, de Paramhansa Yogananda, e despertou seu interesse pelas escrituras sagradas apresentadas pelo autor em uma nota de rodapé. As quatro escrituras principais foram vislumbradas por Anderson na forma de música, e acabaram se tornando o sexto álbum de estúdio do grupo.

Yessongs, primeiro registro ao vivo do Yes, e um dos álbuns essenciais do progressivo
Yessongs, primeiro registro ao vivo do Yes, e um dos álbuns essenciais do progressivo

Mais detalhes conto neste texto de aniversário do álbum, mas é fato que a ideia gerou três rachas dentro do Yes. De um lado, Anderson e Howe, criador e configurador respectivamente da ideia e da música do álbum, e primeiros “iniciados” na religião hindu, bem como a assumirem o vegetarianismo. De outro, Squire e White, recém adeptos ao vegetarianismo, e indecisos se a ideia realmente deveria ser seguida, já que o projeto final levava para um álbum duplo com apenas quatro longas canções, cada uma ocupando um lado do vinil. Por fim, Wakeman, o único que bebia álcool, comia carne vermelha e totalmente contrário as experimentações longas, definidas pelo próprio como enrolações.

O projeto foi levado adiante por pressão de Anderson e Howe, e foi o primeiro disco do Yes a ser o mais vendido dentro do Reino Unido, com oitenta mil cópias vendidas antes mesmo de seu lançamento, no sistema pre-order. Até hoje, é o álbum mais vendido da carreira do Yes no período progressivo, totalizando mais de cinco milhões de cópias, e ficando atrás apenas de 90125, com sete milhões de cópias.

A complexidade do álbum acabou não agradando há muitos, mas conquistou uma enorme geração de fãs, e continua criando essa desavença. Para os que apreciam a obra, a discussão é acirrada sobre qual é o movimento preferido dentre os quatro. Uma pesquisa na página oficial do Yes no facebook, aponta a comprovação dessa divisão de opiniões.

43% dos que comentaram a publicação “Qual é a sua parte favorita em Tales from Topographic Oceans” escolheram “The Revealing Science of God”, enquanto 42% escolheram “Ritual”, a última parte do LP. As demais partes, “The Remembering” e “The Ancient”, receberam respectivamente 11% e 4%, em um total de mais de quatrocentos comentários. Apesar do número não grande de comentários, isso ilustra bem o que pensam os fãs do grupo em todo o mundo, e essa é a terceira e última justificativa para apresentar “The Revealing Science of God” como a primeira Maravilha prog de Tales from Topographic Oceans, abrindo espaço para futuramente comentar sobre as demais. 

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Chris Squire, Rick Wakeman e Steve Howe (acima); Jon Anderson e Alan White (abaixo)

Nossa escolhida recebeu a seguinte definição por Anderson, na capa interna do vinil: “Primeiro Movimento: Shrutis (tradução: Textos Sagrados) A Ciência reveladora de Deus pode ser vista como uma flor permanentemente aberta, da qual emergem as verdades simples, registrando as complexidades e a magia do passado, e fazendo-nos ver que não deveríamos esquecer nunca a canção que nos foi dada escutar. O conhecimento de Deus é uma indagação objetiva e constante“.

Não há divisões entre os vinte minutos e vinte e cinco segundos da suíte. Toda ela é uma única e hipnotizadora peça, falando pela busca de uma força maior (Deus), surgindo com os vocais de Anderson e leves notas da guitarra, tocadas com o pedal de volume. A marcação de teclados e baixo cresce ao fundo, enquanto as vozes de Anderson começam a se sobrepor (ao vivo, Howe e Squire faziam as vozes de apoio). A canção não para de crescer, com cada instrumento ocupando seu espaço gradativamente, em uma incessante tensão, que conclui-se com uma virada de bateria. Wakeman apresenta o primeiro tema da canção feita no moog, e temos uma breve sequência de solos de guitarra e moog, feitas sobre um andamento quebrado, arrastado, que repete-se por diversas vezes durante o álbum.

É esse andamento que carrega o início real da letra, cantada por Howe, Anderson e Squire. Os teclados apenas fazem marcações, enquanto baixo e guitarra pequenas intervenções, e começamos a nos deparar com a série de mudanças que “The Revealing Science of God” apresenta. Quando Anderson fica sozinho, o andamento está mais alegre, sendo o refrão o ponto forte, com as frases “What happened to this song we once knew so well“.

Mais duas estrofes sobre o ritmo alegre e repete-se a melodia do refrão, alterando porém a letra (“What happened to wonders we once knew so well“), levando para a fantástica ponte que muda completamente a canção. Os três cantam ao mesmo tempo, com palavras soltas, em um andamento veloz aonde a bateria de White destaca-se com seu andamento percussivo, explorando bastante o bumbo. A guitarra cavalga, permeando as palavras do trio com escalas velozes e rasgadas.

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A versão nacional de Tales from Topographic Oceans, lançada pela ATCO.

Após esse momento, somos levados pelas mágicas notas com pedal de volume da guitarra de Howe. Baixo e bateria conduzem o ritmo marcado enquanto Howe repete o mesmo tema por diversas vezes, até que o moog repete o primeiro tema da canção. Começa então o jazzístico solo de Howe, acompanhado pelos acordes de mellotron e o bonito acompanhamento de baixo e bateria.

Anderson retorna, agora com o moog fazendo intervenções e Howe divertindo-se com os harmônicos. Viajamos pelos acordes de mellotron e moog, enquanto o ritmo da guitarra, baixo e bateria propulsiona força para essa magnífica viagem, conduzida pela voz de Anderson. A sobreposição dos instrumentos é perfeita, e surpreendentemente, retornarmos aos momentos tensões das palavras soltas, com Wakeman espancando o piano.

Entramos no meio da viagem de “The Revealing Science of God”, talvez a melhor parte da suíte, com baixo e guitarra fazendo um excepcional duelo de notas, levando para o solo de Howe, carregado de distorção e notas velozes, acompanhado pela pegada de baixo e bateria e com pouca participação dos teclados.

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Steve Howe e Jon Anderson, durante a turnê de Tales from Topographic Oceans

Mais uma guinada surpreendente aparece, com todos os instrumentos parando repentinamente, deixando apenas Howe dedilhar sua guitarra. Tímpanos e pratos fazem intervenções, e eis que Anderson surge solando um emocionante tema em sua flauta, abrindo espaço para o moog.

A voz de Anderson então apresenta mais uma parte inédita, cercado por mellotron, moog, sintetizadores, escalas de baixo e as notas aleatórias da guitarra, pisoteando o pedal de volume. Wakeman dá show com o mellotron, executando um mesmo tema junto a Danelectro Sitar de Howe, carregada de efeitos. O órgão de igreja e o mellotron ganham força, fazendo um lindo tema que é acompanhado pelas vocalizações de Anderson, enquanto guitarra e moog solam independentemente ao que está acontecendo ao fundo.

A explosão da bateria de White anuncia mais uma sequência pesada e tensa, na qual Wakeman extrapola o limite de sua genialidade com um alucinante solo de moog, perfeito para balançar pernas e cabeças em qualquer lugar que se ouve, encerrando com longos acordes de mellotron que levam a parte final da suíte.

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Alan White, Chris Squire, Rick Wakeman e Jon Anderson, na turnê de Tales from Topographic Oceans

Somente com o mellotron, Anderson canta em notas longas, trazendo então as demais vozes e os instrumentos, voltando então para o ritmo quebrado e ao refrão “What happened to this song we once knew so well“, concluindo nossa Maravilha conforme seu começo, apenas com as vozes sobrepostas enquanto os teclados fazem marcações e Howe desliza seus dedos pela guitarra, pisoteando o pedal de volume, em um encantador arranjo vocal. Um espetáculo sonoro, mas que, se você não está disposto e preparado para o choque de mudanças que é apresentado, certamente não irá aprovar.

O Yes saiu em uma gigantesca turnê para divulgar o álbum, mas as coisas não andavam bem internamente. Conforme citado, Wakeman ficou bastante desgostoso com o resultado final de Tales from Topographic Oceans, e inclusive, foi a público declarar sua má vontade com o mesmo. Para piorar, durante uma apresentação no Manchester Free Trade Hall, Wakeman começou a rever sua vida no Yes, principalmente depois de um incidente no mínimo curioso. Enquanto Howe solava sozinho ao violão na bela “The Ancient”, o roadie de Wakeman estava comendo uma comida indiana, e havia levado um prato de mesma origem para o palco. Wakeman, sentindo o cheiro da comida, acabou comendo o prato em pleno palco, o que não agradou em nada aos demais, principalmente Howe.

Parte interna da versão nacional

Wakeman bebia, comia carne, gostava de “brincar” com groupies e também divertia-se em bares noturnos, estilo totalmente diferente ao que os demais membros haviam adquirido, muito religioso e familiar. Assim, devido a estas circunstâncias, e também por divergências musicais, no dia 18 de maio de 1975, dia do aniversário de Wakeman, quando começaram os ensaios de gravação do sétimo álbum, Rick deu adeus ao grupo (pela primeira vez), dedicando-se para sua carreira solo e na mesma data que descobriu que seu segundo álbum solo, Journey to the Centre of the Earth (1974), havia conquistado a primeira posição no Reino Unido, fato que se confirmaria na data de 25 de maio de 1974.

Para o lugar de Wakeman, o tecladista grego Vangelis, que havia encerrado as atividades do fenomenal Aphrodite’s Child, foi o convidado, mas problemas internos acabaram levando o Yes a buscar no Refugee o substituto para Wacko, no caso, o suíço Patrick Moraz. Moraz ficou apenas dois anos no grupo, mas suficientes para registrar o álbum Relayer, com mais três peças importantes para o rock progressivo, sendo uma delas, a Maravilhosa “Gates of Dellirium”, que será apresentada mês que vem aqui, no Maravilhas do Mundo Prog.

8 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Yes – The Revealing Science of God (Dance of Dawn) [1973]

  1. Agora sim, eis a minha canção favorita do meu álbum favorito com a minha formação favorita do Yes. O TFTO por inteiro é certamente o auge definitivo da banda, que nunca mais seria superado (ou repetido) nos anos seguintes. Anderson, Howe, Wakeman mais os hoje saudosos Squire e Alan White (que ambos descansem em paz) estavam realmente iluminados durante as gravações e nos brindaram com esta até hoje impressionante e discutida obra-prima. Apesar das confusões internas de seus bastidores, os cinco conseguiram superar os discos anteriores (e também a si mesmos) com o TFTO, pelo menos na minha opinião… Está seguramente na minha lista dos 10 discos de ilha deserta, e no quinto lugar.

      1. Valeu, chefe… O Tales é assim mesmo, um disco que eu carrego para a vida toda. Depois deste álbum, acho que o Yes nunca mais fez outro igual, e isso já é o bastante!

  2. “Tales from Topographic Oceans” foi um dos primeiros LPs do Yes que comprei nos anos 80, e até hoje é um dos meus favoritos. As quatro partes que o compõem são todas muito interessantes, e em alguns momentos estão entre o que o Yes fez de melhor em sua longa carreira. Acho que a primeira e última partes se tornaram mais conhecidas por conta das versões ao vivo divulgadas em “Yesshows” e “Keys to Ascension”, ainda que “The Revealing Science of God” tenha a vantagem de representar os primeiros vinte minutos de uma obra com mais de 80. Tenho a esperança de que uma box set como as de “Yes Album”, “Fragile” e “Close to the Edge” venha a ser divulgada, porque a banda tocava “Tales…” na íntegra.
    Uma curiosidade: minha edição em vinil era a reedição brasileira da metade dos anos 80, e as fotos internas eram em preto e branco, o que as tornava praticamente indistinguíveis. Só quando comprei o CD, numa edição em formato mini-LP (italiana e provavelmente pirata…), é que descobri o que tinha nas benditas fotos…

    1. Fala Marcello, eu tive essa edição com as imagens em preto e branco, e realmente, é terrível. Uma vez, em uma loja, vi uma edição onde a pirâmide era toda brilhosa, com efeitos de luz e tal, tipo holográfico. Busquei por anos encontrar essa versão, até que me dei conta que o efeito brilhoso tinha sido produzido artificialmente por alguém que colocou aqueles efeitos na pirâmide hahahahah

  3. Meu 1º comentário como colunista do site!
    “Tales from Topographic Oceans” foi um dos últimos discos do Yes que conheci, vim ouvi-lo há uns 15 anos. Sou devoto do “Close to the Edge” e do “Relayer”, mas curto demais as outras fases deles – inclusive, na seção “Discos que parece que só eu gosto”, o Mairon resenhou o “Talk”, que eu amo e que muita gente torce o nariz.
    Gostei demais do texto, li-o ouvindo a música e realmente tudo o que está escrito ouve-se na canção. Bela música! Só não sei se seria a minha favorita do álbum, pois “Ritual” é, para mim, pódio das melhores músicas da banda (leva o bronze), mas essa é outra história, quem sabe não faço um “Minhas 10 favoritas” do Yes e trago o debate…
    “Ritual”, depois das outras 3 do LP (ou seja, depois de UMA HORA de sons maravilhosos e que exigem contemplação e reverência para a audição), convida para quietarmos um pouco (“The Revealing Science of God” me deixa muito agitado, ela é extremamente empolgante para mim)… O solo do Wakeman a partir dos 8min29seg está implantado na minha memória, “Ritual” é suprema… Será que colocarei as 2 na lista? Ora, se coloquei 2 do “Obscured by Clouds” na minha lista do Pink Floyd…
    O álbum é uma obra monumental, quem mais senão o Yes para levar o rock a esse nível? 80 e poucos minutos de uma centena de sons em apenas 4 músicas?!

    1. Fala Marcelo, tranquilo? Cara, para mim é difícil. Eu acho “The Remembering” a mais fraquinha, o que está longe de ser ruim. As vezes acho “The Ancient” a melhor, as vezes “The Revealing”, as vezes “Ritual”. O fato é que o Tales é o melhor disco do Yes, e top 3 dos melhores de todos os tempos para mim. Abraços

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