R. E. M. – Green [1988]

R. E. M. – Green [1988]

Por Micael Machado

No começo de 1988, o grupo norte-americano R.E.M. trocava a gravadora independente I.R.S. pela “major” Warner Bros., em uma negociação que levou muitos de seus fãs a acusá-los de “vendidos”, devido ao fato de o grupo ter construído sua reputação e sua carreira inteira (que contava, à época, com cinco álbuns de estúdio e um EP) sob as “asas” do selo “menor”, o que os levou a um grande reconhecimento no setor das “college radios” americanas, e os tornou um dos grupos favoritos do chamado “rock alternativo” de então. Mas o quarteto, formado à época por Michael Stipe nos vocais, Peter Buck nas guitarras, Mike Mills no baixo e Bill Berry na bateria, estava frustrado com as cobranças da I.R.S. por vendas cada vez maiores, além de não concordarem com a estratégia de divulgação e distribuição do selo para a banda fora dos EUA. A promessa de total liberdade criativa e de uma distribuição melhor por parte da Warner foi decisiva para que o grupo fechasse um acordo com a nova gravadora (ainda que, financeiramente, a proposta não fosse a mais vantajosa), e assim, em março de 1988, o grupo começou a registrar as demos do que viria a ser o seu sexto disco, novamente produzido por Scott Litt (que já havia trabalhado com o grupo no álbum anterior, Document, de 1987), e que viria a ser lançado em 8 de novembro de 1988, sob o nome Green.

Ainda na fase de demos, segundo o belo texto de Allan Jones (editor da revista Uncut) presente no encarte da edição de vigésimo quinto aniversário do disco (voltaremos a ele mais tarde), Stipe havia pedido a seus colegas que não escrevessem mais canções “típicas” do R.E.M.. Havia por parte dos músicos uma ideia de mudar a sonoridade característica do grupo (descrita, segundo Buck em entrevista da época, como “coisas semi-folk, semi-rock, semi-baladas, compostas em tons menores e enigmáticos”), de evitar repetições, de trilhar novos “caminhos” musicais nas novas composições do quarteto. “Pop Song 89”, a faixa que abre Green, já demonstra esta ideia, pois, ainda que a guitarra de Buck ainda ecoe a fase anterior da banda (em seus timbres e na melodia de seus riffs, especialmente no tema “solo” que se repete ao longo da música), o restante da música traz uma aura “pop” e “mainstream” que poucas vezes havia aparecido no catálogo do grupo até então. “Get Up” e “Stand”, outras duas faixas do álbum (onde destaco os sempre bem colocados e executados backing vocals de Mills – e de Berry também, como podemos conferir nos vídeos do período), também tem esta sonoridade mais “acessível”, tanto que todas foram lançadas como singles, ajudando na divulgação e no reconhecimento do álbum (que foi o primeiro registro do grupo a receber disco de ouro – e depois de Platina – na Inglaterra, além de atingir Platina Dupla nos EUA e no Canadá e Ouro na Nova Zelândia e na Espanha) e a difundir mundialmente o nome do R.E.M., como a banda desejava então.

O R.E.M. em 1988: Bill Berry, Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills

A busca por novas sonoridades também levou o grupo a experimentar com novos instrumentos, e até com trocas de posição na “escalação” do “time R.E.M.”. Com Berry no baixo, Mills no acordeão e Buck no mandolin (instrumento que o músico ainda estava recém aprendendo a tocar, segundo o texto de Jones), foi registrada a acústica “You Are the Everything”, uma das mais belas baladas da carreira do grupo. O mandolin de Buck também é destaque em “Hairshirt” (também com Berry no baixo, mas com Mills deslocado para o órgão) e “The Wrong Child”, duas faixas que seguem uma linha musical parecida com a de “…Everything”, porém sem, na minha opinião, alcançar os mesmos níveis de excelência (especialmente a segunda, onde o dueto entre Mills e Stipe e alguns tons mais altos alcançados pela voz do segundo sempre me incomodaram um pouco).

“Orange Crush” (primeiro single lançado para divulgar o álbum) e “Turn You Inside-Out” (que conta com o convidado Keith LeBlanc na percussão, e é a música que fez com que eu realmente me apaixonasse pelo R.E.M., junto com “You Are the Everything”, quando as conheci assistindo na televisão ao documentário Tourfilm, como já contei em outro texto para o site) estão dentre as coisas mais “pesadas” já gravadas na carreira da banda, enquanto a sombria “I Remember California” e, principalmente, a bela “World Leader Pretend” (que conta com as participações especiais dos músicos convidados Jane Scarpantoni no cello e Bucky Baxter na Pedal Steel Guitar) são as que mais lembram a fase anterior do grupo (“…Pretend” ainda ficou com o “mérito” de ser a primeira música a ter sua letra publicada no encarte de um disco da banda, algo que não se tornaria assim tão comum nos lançamentos posteriores da carreira do R.E.M.).

Lançado à época em CD, LP e K7 (além de ter uma versão promocional com capa em cores diferentes, mais escuras e sombrias, que vinha em uma caixa coberta por um tecido com o nome da banda e do disco gravados em baixo-relevo, marcando a primeira vez que a gravadora lançava uma “edição especial” para um álbum do R.E.M., algo que viria a se repetir em todos os discos posteriores – menos no último -, como já explicado em uma série de quatro partes aqui no site), Green ainda conta com uma espécie de “faixa escondida”, oficialmente sem título, e que, por isto mesmo, passou a ser conhecida como “Untitled”. Com Buck na bateria e Berry na guitarra, a faixa é, segundo o citado texto de Jones, uma “oração sussurrada por um mundo ferido”, “tão cheia de uma vulnerabilidade maravilhosa que nem precisa de um nome, pois seria perfeita seja como fosse chamada”. Honestamente, não ouço tudo isto em mais uma faixa com acenos ao pop, mas sem se afastar totalmente do alternativo, como as três primeiras faixas citadas, as quais, a meu ver, conseguem resultados auditivos muito melhores do que a faixa de encerramento deste que é um dos meus registros favoritos na carreira do R.E.M..

Contracapa da versão em CD de Green

A excursão para promover Green durou onze meses, e, ainda durante esta tour, o grupo passou a incorporar em suas apresentações as faixas “Low” e “Belong”, que só viriam a ser registradas oficialmente em seu próximo disco de estúdio. As duas aparecem, ainda em versões “embrionárias”, no CD bônus que acompanha a citada edição de vinte e cinco anos lançada em 2013 (há ainda uma outra edição lançada em 2005, que contém como bônus um DVD-áudio com uma mixagem em 5.1 surround e alguns extras, como um documentário e uma galeria de fotos), a qual, além do álbum remasterizado, ainda traz parte de um show feito pelo grupo na cidade de Greensboro, na Carolina do Norte, em 10 de novembro de 1989 (uma foto do set list manuscrito da apresentação presente no encarte deixa claro que algumas músicas interpretadas na ocasião não estão presentes no CD, como, por exemplo, “So. Central Rain” e “Feeling Gravitys Pull”, duas das minhas favoritas na discografia do quarteto). Registros de partes da mesma excursão também aparecem no já citado vídeo Tourfilm, lançado em 1990, cujo áudio foi totalmente retirado do mesmo show em Greensboro presente na edição de aniversário citada acima. Com o final da digressão, o R.E.M. voltaria aos estúdios no meio de 1990, para trabalhar no sucessor de Green, o qual viria a ser Out of Time, o álbum que, finalmente, faria o grupo “estourar” nas paradas do mundo inteiro. Mas isto é assunto para um outro texto.

Track List:

1. Pop Song 89
2. Get Up
3. You Are The Everything
4. Stand
5. World Leader Pretend
6. The Wrong Child
7. Orange Crush
8. Turn You Inside-Out
9. Hairshirt
10. I Remember California
11. Untitled

Um comentário em “R. E. M. – Green [1988]

  1. Eu tinha 15 anos quando comprei esse disco e é, sem dúvida alguma, o meu favorito deles. Junto com o “Rank” dos Smiths (do mesmo ano) e o “Book of a Days” do Psychedelic Furs (lançado no ano seguinte), são as 3 audições que eu mais fazia lá pelo final dos anos 80, “Pop Song 89” e “You are the Everything” são lindas

    Bom, tudo isso até eu ter ganhado, no natal de 89 mesmo, o também recém-lançado “Bleach”, do Nirvana…

    Aí, a coisa mudou.

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