Discos Que Parece Que Só Eu gosto: Sergio Dias – Jazz Mania Live [2003]
Por Mairon Machado
Esqueça tudo o que você já ouviu de jazz, fusion, jazz rock e outros gêneros similares. Esqueça Weather Report, The Eleventh House, Return Of Forever, V. S. O. P. e outros grandes grupos como o quinteto de Keith Jarrett ou os Jazz Messengers de Art Blakey. Você não precisa ir tão longe para ouvir esse estilo de forma simplesmente insuperável. Basta adquirir o álbum Jazz Mania Live, do guitarrista Sérgio Dias.
A carreira de Serginho foi construída em cima dos Mutantes, como muitos sabem. Com o fim do grupo no final da década de 70, Serginho partiu para uma carreira solo com a finalidade de explorar a música brasileira, lançando o disco Sérgio Dias em 1980, onde conta com a participação, entre outros, de Caetano Veloso e da recém falecida Gal Costa. Após o lançamento do álbum, exiliou-se nos Estados Unidos, onde viveu até 1985. Lá, dividiu espaço com gente como Gil Evans, John McLaughlin, Manolo Badrena, Michael Brecker, David Sanborn, Jeremy Steig e Jaco Pastorius, exatamente na fase “brasileira” do Weather Report, ao mesmo tempo que dividia apartamento com L. Shankar e Fernando Saunders.
Com os parceiros de apê e mais TM Stevens, formou a banda Unit, e passou a tocar em diversos locais de Manhattan. Após a Unit, Serginho formou a Steps Of Imagination, ao lado de Danny Gotlieb, Marcos Silva e TM Stevens, que mudou de nome para Airto e Flora and The Steps Of Imagination quando Airto Moreira e Flora Purim estiveram em um dos ensaios da Steps, curtindo tanto o som que decidiram entrar na banda.
O contato com McLaughlin e o pessoal da Weather mudou a cabeça de Serginho, que voltou para o Brasil afim de fazer evoluir seus conhecimentos jazzísticos. Assim, reuniu músicos brasileiros e criou o projeto Zod, o qual havia iniciado nos Estados Unidos com músicos desconhecidos da América, e com quem figurou na trilha de Armação Ilimitada (“Juba e Lula, wow!!”) com a música “Darling Forever Gone”.
Cercando-se de excelentes músicos, Jurim Moreira (bateria), José Lourenço (teclados), Paul Lieberman (sopros) e Tony Mendes (baixo), Serginho começou a apresentar seu novo trabalho instrumental em abril de 1985, na edição do Free Jazz Festival do Rio e Sampa, ao lado de estrelas como Chet Baker, Egberto Gismonti, Pat metheny e Bob McFerrin. Depois de algum tempo, reunem-se novamente para uma minitemporada na extinta casa Jazzmania, localizada no Arpoador, entre os dias 23 e 26 de julho de 1986, as quais foram resgatadas, tratadas e cuidadosamente masterizadas 17 anos depois no CD Jazz Mania Live.
O disco abre com “Janeth & Steve”, com o sax de Lieberman acompanhado pelos teclados viajantes de Lourenço, bem na linha do Weather Report, com intervenções feita por Sérgio em um clima viajante. A bateria vai surgindo aos poucos através dos pratos e, com um rufar, traz o baixo acompanhando o riff principal feito por Sérgio e Lieberman ao mesmo tempo, com o teclado a executar diversos acordes. O que ouvimos a seguir é uma sequência fantástica de solos, começando com Sérgio que abusa da alavanca durante uma sessão free jazz, com Lieberman literalmente enlouquecido, a la Coltrane. O acompanhamento baixo/bateria nos faz recordar a Mahavishnu Orchestra, com Sérgio mandando notas e mais notas efusivamente, sobre uma levada complicadíssima da cozinha. As intervenções do teclado são assustadoras, e Sérgio não diminui um segundo o pique e a quantidade de notas. Coloque essa faixa para um admirador de McLaughlin e divirta-se ouvindo o cidadão dizer “Não conhecia esse som do John”.
Sérgio destrói a guitarra em alavancas e bends, abrindo espaço para o solo de Moreira, com muitos rufos e batidas nos pratos, como manda o figurino jazzístico. Mais uma prova de que estamos ouvindo uma filial brasileira da Mahavishnu, pois o modo de tocar de Moreira é idêntico ao de Billy Cobham (primeiro baterista da Mahavishnu). Após o solo de bateria, temos novamente o riff principal executado por Sérgio e Lieberman, e quando menos percebemos, aprecíamos 11 minutos de boa música, feita em homenagem a dois amigos de Sérgio, Janeth e Steve Reynolds, os quais apresentaram a NASA para o guitarrista quando o mesmo excursionava por Houston.
O CD segue com “Suíte Para Filemón Y La Gorda”, e uma introdução na linha do U. K., com muito sintetizador e uma quebradeira geral da bateria, além de uma escala hipnotizante do baixo de Mendes. Lieberman entra com a flauta, Serginho seguindo as notas da flauta em sua fender. O ritmo ganha uma linda evolução, já que originalmente fora concebida para um desenho animado feito quadro a quadro no canal HBO, por um artista colombiano. “Columbia” é uma viagem em homenagem a NASA. O início dedilhado da guitarra relembra as canções de O A E O Z, ganhando o clima jazzístico com a entrada de sax e teclado executando o tema principal. Return To Forever e The Eleventh House são os nomes que vêm a cabeça, mas o som é legitimamente brasileiro.
Sinais de telégrafo feitos pela guitarra dão sequência a parte fusion da canção, cercada de teclados e viajantes intervenções de sax e guitarra. Teclados e bateria imitam o som da “espaço-nave” Columbia, com baixo e bateria relembrando o tema de 2001: Uma Odisséia No Espaço. A sequência de acordes do teclado, com as alavancadas de Sérgio, são de respirar fundo, e imaginar como uma real trilha para viajar pelo espaço. Destaque para as importantes intervenções de Moreira, que criam um clima espe(a)cial bem interessante, encerrando novamente com o riff principal e a Columbia viajando nas caixas de som.
A sensual “Sabor Caballero” traz um clima todo tropical com o sax de Lieberman e as intervenções de teclado. A levada baixo/bateria é extremamente dançante, e é muito bom ver que Sérgio está apenas como um admirador da beleza sonora, executando imperceptíveis acordes enquanto o tema principal está sendo tocado. Finalmente, como um Carlos Santana, Serginho começa a solar, acompanhado por teclados e pelo ritmo tropical da bateria e baixo, com direito até aos famosos “UH!” de Perez Prado. O crescendo no solo de Serginho é interrompido pela entrada do sax executando uma pequena parte do tema principal, e após uma breve sessão de teclados, volta ao início dessa bela canção.
Outra suíte, “Brazilian New Wave”, vem a seguir, resgatando a mesma canção do álbum de estreia solo de Serginho, mas com uma roupagem totalmente diferente, começando com Liberman solando agonizantemente no pícolo, acompanhado por Lourenço. Os teclados dão origem a um samba-jazz empolgante, com o riff principal sendo executado por sax e guitarra. Lourenço está demais nas viradas da bateria, e o acompanhamento pastoriano de Mendes é fenomenal. Lieberman assume então a flauta, executando um brasileiríssimo solo, e mais uma vez, Serginho fica relegado a um mero espectador no espetáculo musical criado pelos seus quatro músicos de acompanhamento, com somente alguns acordes na guitarra. Se você não balançar a perna aqui, vá no médico, pois o embalo realmente é contagiante.
Após se admirar do solo de flauta, Sérgio mais uma vez destrói a guitarra em um enlouquecido solo, apimentado com timbres de Santana e notas Zappianas impossíveis de serem reproduzidas, mostrando o por que de ser considerado o melhor guitarrista brasileiro de todos os tempos. Um samba-jazz, que assim como essa sessão, é essencial para se esquecer da vida, ainda mais acompanhado de uma garrafa de Rum e espetinhos de queijo/presunto. Lourenço também tem seu espaço, ao duelar com Sergio em uma feroz sequência de guitarra e moog, voltando ao tema principal e deixando o ouvinte com as pernas bambas nos 9 minutos mais energéticos que ele já experimentou.
“Hell’s Kitchen” lembra “The Meeting Of Spirits” da Mahavishnu, com um clima oriental apreensivo no dedilhado de Serginho e no solo de Lieberman. As viradas de Lourenço mais uma vez estão muito bem construídas, e a canção ganha um crescendo fantástico, virando um viajante funk, com uma intrincada peça construída por baixo, guitarra, teclado e sax, abrindo espaço para Lieberman solar livremente sobre nuvens de funk e soul music. Na sequência, é a hora e a vez de Sérgio mandar ver em seu solo, abusando de escalas, alavancas, bends e notas muito velozes, sem perder todo o feeling e o pique do funk criado pela cozinha. O intrincado tema é retomado, com a introdução fazendo novamente as ordens da casa, e Lieberman acabando o fôlego em longas notas de seu sax.
Jazz Mania Live encerra com “Twilight In Tunisia”, uma balada com Serginho solando na guitarra limpa, acompanhado pelos teclados e sons de natureza. De levar as lágrimas, principalmente com a entrada no tema principal e pelo suave andamento de baixo e bateria, acompanhados por intervenções de piano. Porém, o único pecado do disco ocorre, já que um corte gritante foi feito na canção, que encerra com aplausos no meio do início do segundo solo de Serginho.
Acompanha o CD um interessante encarte contando sobre o período da vida de Sergio pré-gravação de Jazz Mania Live, além de fotos da época. Depois de ouvir esse disco, fica difícil de entender como que o Brasil não teve sua vertente jazzística difundida pelos seus quatro cantos, pois se trata de um achado em termos de sonoridade e principalmente, de conjunto. Serginho, que ontem completou 71 anos, seguiu uma carreira cigana, perambulando por áreas como piano, orquestrações, voltando ao rock e ressurgindo com os Mutantes em 2006, tocando a banda a partir de então bem longe da incrível fase jazzística que teve em carreira solo durante os anos 80, deste que é um disco daqueles que parece que só eu gosto.
Track list
1. Janeth & Steve
2. Suíte Para Filemón Y La Gorda
3. Columbia
4. Sabor Caballero
5. Brazilian New Wave
6. Hell’s Kitchen
7. Twilight in Tunisia
Não conhecia esse disco. Mas “algo me diz” que preciso procurar sem demora…
Vai na fé Marcello. Irás curtir!
Bom dia
Sou colecionador da Banda Genesis.
Tenho como postar material da banda ou ser um colaborador?
Obrigado
Boa noite. Mande material para nosso email (consultoriadorock@gmail.com). Daí passaremos para os revisores e, caso aceito, publicamos. Grato