Dana Gillespie – Weren’t Born a Man [1973]

Dana Gillespie – Weren’t Born a Man [1973]

Por Mairon Machado 

 

A vida por diversas vezes nos apresenta surpresas que nem nos mais distantes e fantasiosos sonhos pensamos que poderíamos vivenciar. Recentemente, descobri uma cantora linda, de voz sensual e corpo atraente, e que gravou com David Bowie e Rick Wakeman um LP fantástico no início dos anos 70, mas nos meus 28 anos peregrinando pelo mundo da música, eu jamais soube da existência desse álbum, mesmo com o nome da cidadã estando exposto no encarte de um dos discos mais importantes da história do rock.
A musa em questão é a inglesa Dana Gillespie. Nascida no dia 30 de março de 1949, na cidade de Surrey, Dana era filha do Barão Winterstein Gillespie, um radiologista austríaco. Quando pequena, teve uma carreira de sucesso no esqui-aquático, sendo campeã nacional por quatro anos seguidos, até ser forçada a abandonar o esporte por causa de uma doença que abalava seus músculos.
Dana e Bowie (1970)
A saída para Dana se afastar da dor de não poder mais praticar esportes foi encontrada nas artes. Na música, Dana começou a gravar canções folk já no início dos anos 60, com apenas 12 anos, o que chamou a atenção do músico Donovan dois anos depois. Além da beleza de Dana, Donovan se encantou pelo talento vocal da musa e pela forte capacidade de expressar os sentimentos através da voz. Logo, Dana virou sua namorada e recebeu seu apelido, já que Dana vem de Donovan.
Tendo Donovan no apoio, Dana passou a cantar canções mais pop, e assim, em 1966 lançou o single “Thank You Boy”, o qual foi produzido por Jimmy Page. Esse single lançou Dana ao mundo como uma das cantoras mais bonitas do pop, e de cara, o convite para atuar como atriz apareceu, onde Dana revelou-se uma excelente intérprete não somente vocal, mas também
Dana em “Secrets of a Windmill Girl
cinematograficamente, fazendo sucesso nas telas com os filmes “Secrets of a Windmill Girl” (1966) e “The Lost Continent” (1968).
No cinema, mais precisamente durante as gravações do filme “Jesus Christ Superstar”, Dana acabou fazendo amizade com David e Angela Bowie, passando a frequentar assiduamente a casa (e segundo alguns, a cama) do casal. A amizade entre ambos ficou registrada na participação de Dana fazendo os backing vocals na clássica “It Ain’t Easy”, do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1973), um dos principais álbuns da história do rock, e ficou ainda mais saliente quando Bowie decidiu produzir o terceiro álbum da carreira de Dana, Weren’t Born a Man, lembrando que o primeiro LP de Dana, Foolish Seasons, fora lançado no ano de 1967.
Weren’t Born a Man conta com a participação de diversos artistas, como Dave Winter (teclados), Pat Donaldson (baixo), Mike Miran (teclados), Ronny Leahy (baixo), Paul Keogh (guitarra), Chris Ray (violão), Ray Glin (violões, guitarras), Jim Ryan (guitarras), Barry DeSouza (bateria), e Terry Cox (bateria), mas o principal convidado é o tecladista Rick Wakeman.
Sensualíssima em “The Lost Continent”

Wakeman, que já havia trabalhado com Bowie nos álbuns Space Odditty (1969) e Hunky Dory (1971), acabou virando a principal atração desse disco, que começa com uma harpa entoando os primeiros acordes de “Stardom Roads Part I and II”, de Terry Stamp e Jim Arden, registrada pelo grupo Third World War. A “Parte I” é comandada por Wakeman, pilotando mellotron, cravo e ainda o arranjo de cordas para os vocais sensuais de Dana, em uma canção lenta e triste, onde Dana mostra seu talento para cantar com muita dramaticidade. O arranjo de Wakeman é belo, empregando o mellotron junto do cravo e das cordas, criando um ar medieval a essa bela canção.

Então entramos na agitada “Parte II”, uma leve canção dançante, comandada por guitarra e baixo, onde Dana fica repetindo a mesma frase enquanto o embalo leve da canção toma conta das caixas de som com solos de guitarra nas duas caixas de som.

“What Memories We Make” é uma épica canção, misturando toques de Bob Dylan e Joan Baez. Somente ao violão, com tímidas participações dos teclados de Wakeman ora imitando uma flauta, ora imitando um coral, Dana declama um extenso e doloroso poema de amor que mantém o clima leve de “Stardom Roads Part I”.

Então, surge o belo embalo de “Dizzy Heights”, com metais comandados por Bobby Keyes, além da percussão de Ray Cooper e Frank Riccoti, bem como os backing vocals de Roseta Hightower, Joanne Williams e Lisa Strike, dando um toque de Kosmic Blues a essa bela e embalada faixa, que ainda apresenta um tímido solo de Paul Keogh.

Início dos anos 70

Então, Dana apresenta sua versão para “Andy Warhol”, um dos clássicos de David Bowie, aqui numa versão bem mais elaborada, contando com a participação dos Spiders From Mars Mick Ronson (guitarras) e Mick Woodmansey (bateria), e com Wakeman dando show no arranjo e no mellotron. A produção de Bowie e Ronson para está faixa tornou-a ainda mais apetitosa do que a versão original (que está em Hunky Dory), e os vocais de Dana conseguem dar mais deboche, além daquela pitada de sensualidade que envolve tudo o que Andy Warhol está presente, e faz dessa disparada a melhor faixa do LP, que encerra-se ainda com um magistral solo de Ronson.

 

Dana no final dos anos 60

O lado A encerra com “Backed a Loser”, que em algumas versões possui os créditos dados para Bowie e Dana. O arranjo ao piano entrega claramente que Bowie realmente participa da composição da faixa, já que a linha é a mesma do que Bowie tinha gravado em Hunky Dory e The Man Who Sold the World, principalmente quando a banda entra, trazendo peso para Dana cantar o refrão. Aqui, os fãs e conhecedores do grupo Esperanto irão se espantar com a semelhança entre as vozes de Dana e Kim Moore, além dos arranjos de cordas típicos da banda belga.

O lado B abre com a faixa-título, outra embalada canção rhythm’n’blues com pitadas picantes da voz de Dana, que levanta até defunto, além da participação do sax de Bobby Keyes. “Mother Don’t Be Frightened” é uma bela balada ao piano, onde Wakeman faz outro grande trabalho, com uma magistral interpretação vocal de Dana e com um belo arranjo de cordas, além do marcante refrão.

O funk de “All Cut Up On You” vem a seguir, na mesma linha dos clássicos da Motown, com Dana esbanjando sensualidade, seguido por “Eternal Showman”, mais uma balada onde Wakeman é a atração no piano e nos sintetizadores.

O álbum encerra com “All Gone”, onde o piano elétrico de Wakeman faz os acordes para Dana soltar a voz em uma linda canção gospel, que é acompanhada apenas por Wakeman nos sintetizadores e no piano.

Para quem não conhece a garota e quer ouvir um som tranquilo, sem rótulos, apenas para apreciar bons minutos, esse LP é perfeito. Para quem curte a carreira de Bowie, a versão de “Andy Warhol” é obrigatória de ser conhecida. E para quem já passeou pela longa discografia de Dana (com mais de 30 discos lançados em 40 anos de carreira), sabe que Weren’t Born a Man é o principal da sua carreira, e um dos principais em qualquer prateleira dedicada a boa música!
Track list:
1. Stardom Road Parts I & II
2. What Memories We Make
3. Dizzy Heights
4. Andy Warhol
5. Backed A Loser
6. Weren’t Born a Man
7. Mother, Don’t Be Frightened
8. All Cut Up on You
9. Eternal Showman
10. All Gone

4 comentários sobre “Dana Gillespie – Weren’t Born a Man [1973]

  1. Bem legal, Mairon.
    Foolish Seasons, o primeiro LP da Dana, muito influenciado pelo Donovan e com o dedo do Page, também é um disco que vale a pena conhecer. Não tem esse requinte setentista do álbum Weren't Born A Man, mas é uma pequena pérola de folk psicodélico

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