Selos Lendários: Island
Por Ronaldo Rodrigues
A Island Records é, até hoje, muito famosa e detém um cast estelar praticamente desde seus primeiros anos, em diversos gêneros. Começou independente, e fez a maior parte de sua fama deste modo. Hoje, a Island está dentro do emanharado de selos e subsidiárias da Universal Music Group.
Sua história começou no ano de 1959, na Jamaica. Chris Blackwell, seu fundador e figura principal, era britânico e morava lá. Sua mãe era costa-riquenha e seu pai irlandês; sua família era muito tradicional e rica, com a herança da exploração de plantações de cana-de-açúcar no Caribe. Reza a lenda de que sua mãe, depois de divorciada, teve um affair com Ian Flemming, escritor que criou o personagem James Bond, e o inspirou na criação de algumas personagens femininas de seus contos, que alguns anos depois, ficariam famosos nos cinemas de todo o mundo.
Blackwell começou sua carreira como funcionário do governo jamaicano, mas tinha entre outras atividades paralelas, fazer aluguel de jukeboxes na ilha caribenha. Isto o fez travar contato com a música local. Outra experiência marcante foi um acidente que Blackwell sofreu com um barco, do qual foi resgatado por um pescador, que o introduziu na cultura rastafari.
Junto com seu amigo, Graeme Goodall, começou a produzir e vender compactos de artistas locais, da música popular jamaicana (ska, reggae), numa loja improvisada em seu próprio carro. Este foi o começo da Island.
Seu primeiro lançamento foi de um desconhecido pianista de jazz, chamado Lance Hayward, gravado ainda em 1958 e um primeiro hit local foi obtido com Laurel Aitkens, o compacto “Boogie in my Bones”/”Little Sheila”.
Falando em James Bond, Chris Blackwell inclusive teve uma pequena atuação no primeiro filme da franquia, Dr. No, gravado em 1961 e lançado no ano seguinte, atuando como figurante e assistente de produção. O produtor Harry Saltzman chegou inclusive a convidá-lo para um papel no filme, mas depois de ficar dividido entre o cinema (no qual voltaria a ter envolvimento no futuro) e a música, optou pela música. O tempo lhe mostrou que a escolha era acertada.
Em 1962, a Island Records se transferiu para Londres. O negócio continuava avançando, em um nicho de mercado restrito, porém promissor. O primeiro hit no qual Chris Blackwell esteve envolvido foi um compacto gravado por uma graciosa adolescente, chamada Millie Small, produzida pelo próprio. O compacto com as músicas “My Boy Lollipop”/”Something’s Gotta to be Done” teve um estrondoso sucesso e vendeu mais de 6 milhões de cópias ao redor do mundo. Historicamente, é considerado o primeiro hit internacional do estilo ska.
Apesar de ter sido o pai do sucesso de Millie Small, o compacto não foi lançado pela Island e sim pela Fontana, subsidiária da Philips. Blackwell licenciou sua contratada para um selo maior, porque tinha a percepção de que poderia ser um hit e na época, as gravadoras independentes, de modo geral, não tinham a estrutura suficiente para atender a demanda de produção de um volume grande de cópias. Blackwell demonstraria ao longo de sua trajetória um especial talento para negociar com outros selos e alcançar uma amplitude muito grande aos contratados da Island. Ele já havia feito isso com seus antigos concorrentes na Jamaica, veiculando o som da ilha caribenha nas periferias da ilha anglo-saxã.
O encontro de Chris Blackwell com o rock efervescente na Inglaterra veio através do Spencer Davis Group, banda do emergente vocalista e tecladista Steve Winwood. A partir dos idos de 66-67, a Island passaria a investir pesado no rock. Um pouco antes, a Island já flertava com a música que fazia a cabeça dos mods britânicos. E a mesma estratégia foi usada. Blackwell produzia, mas o lançamento saía pela Fontana.
Mas a coisa passou a mudar de figura gradativamente. Os primeiros lançamentos de rock e relacionados sob a estampa da Island começavam a pintar – o folk de John Martyn, a psicodelia do Nirvana, a então nova banda de Steve Winwood – o Traffic, Spooky Tooth, Jethro Tull e Fairport Convention.
O rock passou a dar tão certo e a estampa da Island ficar tão conhecida no meio, que os lançamentos de música jamaicana foram direcionadas para um selo parceiro, a Trojan Records. O primeiro grande LP de sucesso da Island no rock foi Stand Up do Jethro Tull, em 1969, atigindo o topo das paradas britânicas no gênero. Além de sucessos, a Island também foi responsável por parir as icônicas estreias do King Crimson e do Emerson Lake and Palmer, discos de referência para o nascente rock progressivo, a estreia do Renaissance, do Free e do Mott the Hoople, todas bandas importantíssimas para o rock britânico em diferentes vertentes.
No ano seguinte, outro grande sucesso – Cat Stevens e o multiplatinado Tea for a Tillerman. A Island detinha um cast fantástico, tanto de grupos que atingiram a fama, como de grupos que não chegaram lá, mas nos quais não faltavam qualidades. Por acordos de distribuições, nomes como Uriah Heep e Roxy Music também tiveram lançamentos pelo selo.
A Island teve diversas identidades visuais ao longo dos anos. Seus primeiros compactos detinham apenas o nome em vermelho, envolto em um círculo também vermelho. Alguns poucos anos depois, o círculo já ganhava contornos parecido com o sol e estava inserido em uma espécie de ampulheta, que atravessa todo o espaço do selo. Quando os lançamentos de rock passaram a pintar no selo, uma nova tipografia estampava o nome do selo e a variação de cores passou a ser maior. Também surgiu um logotipo, uma espécie de olho, acompanhando as temáticas visuais psicodélicas em voga na época. Mais próximo da virada da década de 70, foi adotado um visual completamente diferente. A escrita Island com a letra “I” sendo o caule de uma palmeira e o fundo do selo simulando um céu com nuvens, escondendo os raios do sol. Em meados da década de 70, a palmeira se transformou no símbolo mais reconhecido e assumiu diversas variações de formatos e cores.
Chris Blackwell, além de uma percepção fantástica para captar artistas que renderiam sucesso e status ao seu selo, também era incansável em cuidar de todos os aspectos relacionados a carreira de seus contratados. Ele próprio se encarregava de produzir pessoalmente algumas bandas. Para outras, como o Free, Mott the Hoople, Spooky Tooth e outras, tinha no produtor Guy Stevens o seu braço direito.
Em 1973, Blackwell novamente leva a Island ao estrelato, com Bob Marley and The Waillers e o disco Catch a Fire, botando o reggae no mapa da música mundial e influenciando muitos músicos britânicos, de Eric Clapton a futuros nomes como The Police e Clash. Todos os discos de Bob Marley a partir deste foram lançados pela Island, até sua morte em 1981. Em Catch a Fire, Blackwell foi fundamental, pois foi responsável por inserir alguns arranjos que tornaram o reggae menos rude e mais pop, do estilo que bateu e grudou diretamente nos ouvidos do público europeu e americano.
Seguindo as tendências, a partir da metade dos anos 70 em diante, a Island foi migrando para a nova música pop e voltando a focar no reggae. Seu relacionamento mais intenso (e quase exclusivo) com o rock foi entre 1967 e 1974. Além disso, na segunda metade dos anos 70, como já era de se esperar, o volume de lançamentos diminuiu em detrimento dos relançamentos de artistas já consagrados pela estampa.
Nem só de louros foi a trajetória da Island. Chris Blackwell, por exemplo, preteriu Elton John por achá-lo demasiadamente tímido e sem atitude suficiente para emplacar como artista solo. No início dos anos 80, a Island tinha em Bob Marley seu maior trunfo comercial. Com sua morte, em 81, as coisas tornaram se difíceis. Mas a redenção ao sucesso em massa voltou a acontecer com o U2. De início, o som do grupo irlandês não convencia Chris Blackwell, mas o sucesso atingido foi capaz de convencê-lo. De resto, a Island continuava antenada ao pop dos anos 80 e teve muitos hits década a dentro.
Pouca coisa dentro do universo do rock esteve ligada à Island na nova década. O único exemplo de destaque foram os americanos do Anthrax.
Em 1989, Chris Blackwell vendeu a Island para a Polygram e em 1999, integrada à Universal. O selo continuou sendo usado, porém, sem nenhuma identidade ou conceito aparente.
Eu gosto de reggae e de Bob Marley, mas quando bem tocado. Podem me bater, mas o primeiro disco do Natiruts é meu item de cabeceira
Island foi um selo fundamental para o desenvolvimento do rock britânico a partir da segunda metade dos anos 60. Só pelo trabalho do Traffic, do Free e do Mott The Hoople, a Island já mereceria seu lugar na história, mas teve muito mais coisa boa saindo por ela ao longo dos anos. Parabéns por recuperar o doidão Guy Stevens, que foi um produtor que, se não era tão bom na parte musical, sempre se destacou por conseguir tirar o melhor dos músicos no estúdio. A box “Mental Train”, dedicada aos álbuns que o Mott The Hoople gravou para a Island, dá grande destaque a ele no livreto – e inclusive explica como Stevens, depois de anos meio desaparecido, acabou produzindo o The Clash (Mick Jones era fanático pelo Mott e adorava o trabalho do produtor).