Selos Lendários: Ohr e Brain

Selos Lendários: Ohr e Brain

Por Ronaldo Rodrigues

Saindo do eixo UK-US, hoje abordaremos dois selos lendários fundados na Alemanha – o selo Ohr e o selo Brain. Ambos nasceram na mesma árvore genealógica embebida em seiva lisérgica e ajudaram a colocar a Alemanha no mapa mundi da música pop a partir da década de 70.

jane-lady-75-german-brain-1066-green-label-heavy-prog-psych-lp-nm-vinyl_1920362

O final dos anos 60 na Alemanha foi marcado por grandes mudanças. A geração pós-guerra estava escrevendo sua história e rompia brutalmente com os valores tradicionais, estabelecendo sua contracultura e criando novas formas de expressões. Até então, em termos de cultura jovem, a Alemanha era uma periferia da Inglaterra, que exportava várias bandas para se apresentarem lá. De material produzido no país, um estilo de música pop bastante superficial chamado schllager era o que entretia, de forma bastante descompromissada, a juventude.

O jornalista contracultural Rolf-Ulrich Kaiser
O jornalista contracultural Rolf-Ulrich Kaiser

Novas bandas passaram a surgir a partir de 67 com propostas distintas daquelas trilhadas pelos grupos ingleses e norte-americanos. Nesta efervescência, surge uma figura icônica chamada Rolf-Ulrich Kaiser, um jornalista cheio de ideias, algum talento e muita visão de futuro. Sua trajetória foi magicamente descrita por nosso colaborador Marco Gaspari, e pode ser lida na íntegra aqui.

IEST

2008_09_12_Songtage_Aufmacher_speziell_0900_0700_sv
Cartazes do Internationale Essener Song Tage organizado por Rolf Kaiser

Rolf Kaiser já tinha uma série de livros escritos, tratando de suas visões e análises sobre a contracultura e a nova música alemã, e teve a façanha de ser um dos (des)organizadores do primeiro grande festival de rock na Alemanha em 1968, o Internationale Essener Song Tage, que reuniu esses tais novos nomes – Amon Duul, Floh de Cologne, Guru Guru, Tangerine Dream e mais alguns outros, juntos a The Mothers of Invention e Family.

LEAD Technologies Inc. V1.01
A banda Guru Guru em ação no IEST ’68

A bagagem adquirida e seu envolvimento completo naquele caldeirão contracultural fez seu caminho se cruzar com o produtor Peter Meissel. Peter Meissel trabalhava com produção fonográfica desde 1964 em Berlim, com um selo batizado de Hansa Records e trabalhando com a música pop corrente. A Hansa Records também tratou de lançar na Alemanha compactos de alguns grupos de rock britânicos e americanos, como os Troggs, The Hollies, The Herd, etc. O surgimento dessas novas bandas não despertou interesse específico de nenhum selo já estabelecido e não havia nenhuma estratégia adequada para aquele novo tipo de público. Peter Meissel tratou de contratar algumas dessas novas bandas e um de seus primeiros lançamentos nesse segmento desconhecido foi o grupo de jazz psicodélico Xhol Caravan. A banda lançou a ideia para que Peter Meissel criasse uma divisão exclusiva para o novo nicho “progressivo” que surgia. Ele topou, e na virada de 1970 criou a Ohr Label. A palavra Ohr significa “orelha” na língua alemã, e se tornou de imediato o logotipo do selo.

Clássico lançamento do Tangerine Dream pelo selo Ohr
Clássico lançamento do Tangerine Dream pelo selo Ohr

Tanto a Hansa Records quanto a Ohr eram selos independentes.  Nesse período inicial, Peter Meissel havia convidado o jornalista e radialista Tom Schroeder, da revista alemã Song, para ajudá-lo na empreitada. Tom Schroeder recusa o convite e o próximo nome da lista, Rolf Kaiser, topa de imediato. Isso ajudou muito a Ohr a consolidar seu nome no meio underground. Seus primeiros contratados, além do Xhol Caravan foram bandas hoje reconhecidamente pioneira no chamado kraut-rock – Guru Guru, Embryo, Ash Ra Tempel, Birth Control e Tangerine Dream.

A fantástica arte gráfica do primeiro LP do Ash Ra Tempel
A fantástica arte gráfica do primeiro LP do Ash Ra Tempel
Ash Ra Tempel, um dos combos lisérgicos que integravam o cast da Ohr
Ash Ra Tempel, um dos combos lisérgicos que integravam o cast da Ohr

Assim como já contamos a respeito de outros selos, ser ousado nessa época era algo que parecia mais necessário e urgente para essa turma do que a viabilidade econômica. Meissel e Kaiser sabiam que seu público alvo era bastante restrito, já que na Alemanha, o som dito progressivo adotou uma via bem mais experimental e pouco acessível do que na Inglaterra. Os álbuns desses grupos saiam em pequenas tiragens e tinham embalagens conceituais, e eventualmente embalagens diferentes de acordo com as novas prensagens. A grande maioria dos trabalhos de arte ficaram a cargo de Reinhard Hippen, que inclusive foi quem desenhou o logo da Ohr.

O primeiro lançamento da Ohr foi o disco do grupo Limbus em março de 1970, chamado Mandalas. Todos os primeiros lançamentos do selo tratam de uma música bastante radical, que nem sempre lembra o rock dito “clássico”. Dois engenheiros de som de excelente nível também ajudaram a mitificar os lançamentos do selo – Dieter Diks e Conny Plank. A Ohr, como selo independente que era, cuidava de tudo – do contrato com as bandas, da arte gráfica e das gravações. Inclusive, Rolf Kaiser aventurou-se a ser manager de algumas dessas bandas.

Os contratados do selo que atingiram maior notoriedade foram o Tangerine Dream (esse com uma vasta carreira e na ativa até hoje, com o pioneirismo na música eletrônica), Ash Ra Tempel, Klaus Schulze, Popol Vuh e Guru Guru. O Birth Control também era bem conhecido e apreciado na Alemanha, pois tinha uma linha de som mais tradicional, com um hard rock guiado por teclados, como o Deep Purple.

O multitecladista Klaus Schulze
O multitecladista Klaus Schulze
Tangerine Dream
Tangerine Dream

O selo foi aos poucos naufragando, assim como a proposta deveras ousada de seus contratados e a forma como os negócios eram conduzidos. Mas até 1973, uma boa quantia de discos vendidos foi suficiente para sacudir o mercado fonográfico alemão e constituir uma “cena”. Em 1972, Kaiser cai de cabeça no ácido (ele se tornara amigo pessoal de Timothy Leary) e as coisas começam a ficar bem dificeis, despertando nele um temperamento de árdua convivência com os colegas de trabalho e as bandas contratadas. Ainda nesse período confuso, a Ohr se divide em uma nova estampa, a Pilz, que em princípio, cuidaria de grupos folk como o Broselmaschine e o Hoelderlin, mas alguns outros grupos da Ohr sairam pela Pilz. Reza a lenda que Kaiser era tão encantado pelos efeitos do ácido que o colocava secretamente em bebidas dos músicos e gravava qualquer maluquice que eles faziam sobre o efeito da droga.

Essa guinada ácida na trajetória de Kaiser lhe custou a saída de dois de seus mais talentosos colaboradores – Bruno Wendel e Günther Körber. Esses dois fundaram juntos uma verdadeira instituição do rock alemão, o selo Brain, em 1972. Enquanto a Brain despontava, a Ohr caminhava para o fim, com a saída do próprio Peter Meissel, sendo que Kaiser vivia de brisa e LSD junto de sua esposa e de Timothy Leary. Poucos lançamentos surgiram pela Ohr depois de 1973, que foi definhando até acabar em 1975.

Referência em rock pesado na Alemanha -Scorpions
Referência em rock pesado na Alemanha -Scorpions
Detalhe do selo da Brain Records no primeiro disco do Scorpions
Detalhe do selo da Brain Records no primeiro disco do Scorpions

A Brain absorveu boa parte dos contratados da Ohr e da Pilz e tinha o apoio da Metronome, um grande selo distribuidor na Alemanha, que também distribuia uma parte do material da Ohr. A Brain teve uma trajetória mais centrada e mais voltada aos negócios. Isso lhe propiciou um alcance muito maior, ao passo que além da boa administração, também trabalhava grupos de rock com maior apelo e pé no chão, mais na linha do rock progressivo que era a cartilha na Europa do início dos anos 70. Mas também havia espaço para o som experimental alemão, chamado pejorativamente de kraut-rock pelos britânicos.

R-3559461-1369483431-1384.jpeg
Lançamento da banda inglesa Steamhammer pela Brain

Pelo selo Brain, sairam trabalhos de bandas que ficaram famosas na Europa ou atingiram status de cult – Scorpions (apenas o primeiro disco, de 72), Neu!, Grobschnnit, Jane, Cluster, Novalis, e outros que já integravam o cast da Ohr, como o Tangerine Dream e Klaus Schulze. Logo de cara, a Brain também descolou parcerias com selos britânicos como a Deram, e colocou no mercado alemão discos do Caravan, Atomic Rooster, Greenslade, Khan, Steamhammer e If, reproduzindo as artes gráficas originais na maioria dos casos. Os contratados da Brain, contudo, tiveram pouquíssima penetração no mercado norte-americano.

Disco clássico do Accept pela Brain
Disco clássico do Accept pela Brain

Já no final dos anos 70, a Brain assinou com o Electric Sun, projeto do guitarrista Uli John Roth, egresso do Scorpions, e com o Accept. Da metade dos anos 80 em diante, o selo sobreviveu basicamente de relançamentos e seu catálogo não foi adquirido por nenhuma major.

No final dos anos 70, discos de alguns de alguns desses grupos ousados foram “descobertos” pela geração pós-punk e new-wave e deram novo alento a esse momento da história musical da Alemanha e da Europa de modo geral.

Um comentário em “Selos Lendários: Ohr e Brain

  1. Ohr é um selo do qual só ouvi falar, nunca tive nenhum álbum lançado por ele, mas o Brain tem muita coisa legal disponível. A Repertoire, nos anos 90, relançou muitos discos do selo Brain, inclusive alguns em edições especiais limitadas que reproduzem fielmente a arte original. Muito legal recuperar a história desses selos alemães.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.