Shows Inesquecíveis: Ratos de Porão (Porto Alegre, 11 de novembro de 2013)
Por Micael Machado
Em 11 de novembro de 2013, exatamente há 10 anos, o quarteto paulista Ratos de Porão retornou a Porto Alegre para participar de uma edição da tradicional “segunda maluca”, festa que, naqueles tempos, acontecia uma vez por mês no Bar Opinião, sempre às segundas-feiras, como o nome alude. Assim como havia ocorrido na apresentação do ano anterior na capital gaúcha, novamente o dia foi de uma chuva torrencial na cidade, causando alagamentos e transtornos de diversos tipos aos moradores da cidade. Talvez por isso, o público que compareceu ao local não tenha sido em número muito elevado, mas a vibração e a energia que rolava na imensa roda de pogo no meio da pista faziam parecer que a casa estava lotada!
Com o show marcado para as 23:15, o bar exibiria antes um espetáculo protagonizado pela atriz María Antonieta de las Nieves, que interpretava a Chiquinha do seriado Chaves, e o contraste entre o pessoal que saía da apresentação da mexicana e o que chegava para o show do Ratos era bastante curioso de se ver. Com a casa liberada pelos fãs do famoso programa televisivo, a banda Tijolo Seis Furos (vinda de Santa Maria, no interior do estado) fez o “esquenta” do pessoal, em pouco mais de vinte minutos de um hardcore veloz e furioso, com destaque para o vocalista Homero, que frequentemente descia do palco chegando junto à grade que separava o pessoal, chegando até a pular a mesma e ir cantar e pogar no meio da pista, junto ao pessoal! Na estrada desde 1995, o quinteto, mesmo no pouco tempo que lhe foi reservado, conseguiu agradar a todos, cumprindo com sobras seu papel na noite!
Passava um pouco das 23:30 quando o telão à frente do palco se ergueu revelando Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria) já a postos, com João Gordo (vocais) entrando em cena logo depois, para iniciar a apresentação com “Igreja Universal”, cantada em coro pelo pessoal! A partir daí, o que se viu naquela noite foi uma sucessão de “porradas” do hardcore nacional, interpretadas quase sem intervalos, por uma das principais bandas do estilo no país. Nas poucas vezes em que se dirigiu ao público, João aproveitou para agradecer ao pessoal que compareceu “mesmo debaixo de toda essa chuvarada” (no dia anterior, uma apresentação do grupo na cidade serrana de Caxias do Sul teve de ser interrompida pouco depois de iniciada devido à queda de parte do telhado do local do show, causada pela intensa chuva que caiu na serra gaúcha), lembrou que o grupo “faz som de tiozinho, todo mundo aqui é pai de família, menos o Juninho, que é pai de um cachorro” (a uma garota que gritou que lhe amava, Gordo rebateu: “eu tenho idade para ser teu pai, menina”), declarou preocupação quanto ao futuro de seus filhos e de todas as crianças (antes de cantar “Testemunhas do Apocalipse”), criticou a classe política nacional (“lugar de político corrupto é no caixão, mas não por assassinato, por intervenção divina, tem de sofrer de câncer de próstata, ataque cardíaco”, antes de “Suposicollor”, ou “vamos todo mundo votar nulo, não sustente parasitas”, antes de “Velhus Decrepitus”), e declarou que “a banda hoje tem mais de trinta anos, e já foi acusada de muita coisa, mas nunca perdeu a dignidade” (em 2023, já passou dos quarenta, m as ainda se mantém digna!).
Como as músicas do Ratos são, em sua maioria, bastante curtas, e a maneira de cantar de João por vezes torna as letras ininteligíveis, mais uma vez, foi impossível apurar um set list correto da apresentação, visto que, muitas vezes, quando eu estava tentando reconhecer uma canção, a próxima já havia começado! Sei é que boa parte dos “crássicos” dos mais de trinta anos de carreira até então foram tocados com garra de iniciantes naquela noite! “Beber Até Morrer”, “Sofrer”, “Morte Ao Rei”, “Paranoia Nuclear”, “AIDS, Pop, Repressão”, “Mad Society”, todas tiveram sua vez ao longo da apresentação, e até mesmo algumas “surpresas” surgiram no repertório escolhido, como “Amazônia Nunca Mais”, “Máquina Militar”, “Sentir Ódio e Nada Mais” e “Realidades da Guerra”. Ainda houve espaço para “O Dotadão Deve Morrer”, cover dos Cascavelletes registrada no disco Feijoada Acidente – Brasil, que havia sido relançado pouco tempo antes pelo selo do próprio João Gordo, o Bruak Records. O então ainda apenas prometido “novo álbum”, que viria a ser Século Sinistro, lançado no ano seguinte, acabou não sendo representado neste show, algo que eu achei, à época, que pudesse acontecer, assim como ficou ausente o “momento couve” do espetáculo (onde o Ratos interpreta covers de outros grupos), ficando o mesmo restrito à citada “Dotadão” e a “Work For Never”, original do Extreme Noise Terror, mas cuja versão dos paulistas já merece ser considerada um “crássico” do conjunto!
Depois de pouco mais de cinquenta minutos, “Crise Geral” encerrou a apresentação, mas o quarteto logo voltou para um bis recheado de dez minutos de pancadaria pura, onde executaram “Agressão/Repressão”, “Obrigado A Obedecer”, a esperada “Crucificados Pelo Sistema”, “Pobreza”, “Caos” e a surpreendente “F.M.I.”, se eu estiver correto na ordem que apurei então. Foi o que bastou para acabar com as energias do pessoal que estava na pista, e nos mandar a todos para casa com um enorme sorriso aberto!
Show do Ratos é certeza de bom divertimento, “porradaria” musical e alegria do público ao final! Se você gosta de hardcore, e tiver a oportunidade de comparecer a uma apresentação deste lendário grupo, não deixe a chance passar, ou poderá se arrepender amargamente! Já assisti a alguns outros depois deste (inclusive um neste próprio 2023), e, apesar de sempre serem curtos (dizem que é por causa dos problemas de saúde de Gordo, mas o fato é que os shows do grupo que presenciei raramente ultrapassaram os setenta minutos), são tão intensos que parecem durar umas três horas! Sucesso e satisfação garantidas!
“Viver feliz é ilusão e nada mais! Será?”