Discografias Comentadas: Big Star
Por Bruno Marise
O Big Star é daquelas bandas injustiçadíssimas. O grupo foi formado em 1971 nos EUA, pela dupla de compositores Chris Bell (guitarra) e o ex-Box Tops Alex Chilton (guitarra e vocais) em conjunto com o baterista Jody Stephens e o baixista Andy Hummel. Com um som altamente melódico, recheado de harmonias e guitarras vibrantes, o Big Star seria um dos pioneiros do chamado Power Pop, que se estabeleceria alguns anos mais tarde. Apesar de sempre aclamado pela crítica, a banda foi um gigantesco fracasso comercial, e durou pouquíssimo tempo. Nas décadas seguintes, com a explosão do Rock Alternativo, inúmeras bandas como R.E.M., The Replacements, Teenage Funclub e Wilco passaram a citar o Big Star como uma enorme influência, o que resultaria em uma reunião do grupo nos anos 90. Hoje, quase 500 anos depois de sua formação, o Big Star vem sendo reconhecida finalmente como uma das melhores e mais influentes bandas dos anos 70. Como li certa vez, “Em um mundo ideal, o Big Star seria considerada uma das melhores bandas do mundo”. Apesar de uma carreira curtíssima, o quarteto deixou pelo menos três discos impecáveis, de nível altíssimo e influência indiscutível.
O disco de estreia do Big Star já é há algum tempo celebrado como um dos melhores trabalhos dos anos 70, mas na época de seu lançamento não foi assim que as vendas refletiram. Apesar de agradar a crítica, a Stax não se esforçou em divulgar o disco, talvez por destoar demais de seu cast de artistas, e as vendas despencaram. O álbumtraz a colaboração plena entre Chris Bell e Alex Chilton, que assinam dez das onze faixas, sempre alternado os vocais. “Feel” abre a bolacha com guitarras stonianas, os vocais chorosos de Bell e naipe de metais. “In The Street”, também de Bell, ficou famosa por ser a abertura da série de comédia That 70′s Show, originalmente na versão do Big Star e depois em uma regravação do Cheap Trick. Chris Bell ainda contribui com os rocks “Don’t Lie to Me” e “My Life is Right”, e a maravilhosa e melancólica “Try Again”. Alex Chilton vem com a afiada “When My Baby’s Beside Me”, as tristes baladas “Thirteen” e “Give Me Another Chance”, e a grudenta “The Ballad Of El Goodo”, um deleite para quem aprecia harmonias vocais. Composta pelo baixista Andy Hummel, “The India Song” é a única que destoa no disco, com um clima mais folk, ditado pela flauta. Os pops “Watch The Sunrise” e “ST100/6″, colaboração entre Bell e Chilton fecham o disco. #1 Record é o único álbum da banda com a participação plena de Chris Bell, tanto nas guitarras, quanto nos vocais e composições, além de ter trabalhado intensamente na produção, cuidado de cada detalhe da mixagem e engenharia. Apesar de ótima recepção da crítica, o disco foi um enorme fracasso de vendas. Extremamente decepcionado com as baixas vendas e querendo evitar uma iminente rixa com Alex Chilton, Bell deixou a banda em 1972, e se afundou de vez na depressão que já o atormentava há algum tempo. O compositor lutou com a doença e o vício em heroína até o fim da vida, quando faleceu precocemente em um acidente de carro aos 27 anos.
Com a saída de Chris Bell, o Big Star tornou-se um trio, com Alex Chilton assumindo totalmente os vocais, a guitarra e boa parte das composições.Diferente do pop classudo e mega produzido de #1 Record, Radio City é um disco mais cru, direto, com produção simples e uma sonoridade que se aproxima ainda mais do que viria a ser o Power Pop. Mesmo perdendo um de seus principais compositores, o Big Star não baixou o nível e Chilton segurou a bronca com louvor, entregando composições ainda melhores que a do disco anterior. A guitarra em O’ My Soul influenciou 11 entre 10 bandas do rock alternativo dos anos 80 e 90. Apesar de ser um trabalho mais “roqueiro”, Radio City tem um clima geral de melancolia, que toma conta de praticamente todas as faixas, refletindo o ambiente de uma banda já em seu final. O disco é tão bom, que fica difícil citar apenas alguns destaques. Particularmente falando, gosto mais desse do que de #1 Record, que é mais celebrado. Recomendo que ouçam Radio City e tentem perceber tudo o que as bandas de décadas posteriores aprenderam com o Big Star.
Third/Sister Lovers [1985]
Radio City, sofreu do mesmo mal de#1 Record: Foi aclamado pela crítica, mas devido a péssima política de distribuição e divulgação do selo Ardent, foi um fracasso de vendas. O baixista Andy Hummel que estava na faculdade na época, optou por terminar os estudos, e também deixou a banda. Alex Chilton e Jody Stephens entraram em estúdio no mesmo ano para gravar o terceiro registro do Big Star. Muitos consideram um disco solo de Chilton, mas penso que o compositor sempre foi grande responsável pela sonoridade da banda, então é bem justo que se considere esse disco como mais um do Big Star. Se no álbum anterior o clima já era de melancolia, Third/Sister Lovers é praticamente um luto, refletindo todo o emocional afetado de Chilton. Já sem nenhuma pretensão de sucesso, a dupla remanescente do Big Star investe em algumas canções mais experimentais e temas sombrios. Ouça Big Black Car e Holocaust e tente não se comover com a tristeza na voz de Chilton. A falta de interesse da gravadora e dos próprios membros da banda fizeram com que o disco não fosse finalizado e as fitas arquivadas. Em 1978, com o Big Star já fora de cena, a PVC Records reuniu as gravações, e lançou o disco com o nome Third. A partir de 1985, saiu uma nova edição, com capa diferente, faixas bônus e o nome de Third/Sister Lovers, que se tornaria a edição definitiva do terceiro álbum do Big Star.
Alguns meses após a gravação de Third/Sister Lovers, o Big Star se dissolveu de vez. Com a explosão do Power Pop e do Rock Alternativo nas décadas seguintes, inúmeras bandas citavam o Big Star como grande influência. Com isso, Chilton e Stephens se reuniram com o guitarrista Jon Auer e o baixista Ken Stringfellow do The Posies, e reformaram a banda. Em 2004, depois de quase 30 anos sem gravar material inédito, a nova formação do Big Star lança In Space. Apesar de não ter o mesmo frescor e qualidade dos discos clássicos, traz todos os elementos já conhecidos da banda: Ganchos melódicos, harmonias vocais e as guitarras afiadas e vocais marcantes de Alex Chilton.
A banda continuou na ativa até 2010, quando Chilton foi internado em março com problemas no coração, vindo a falecer no dia 17. O Big Star tinha um show marcado na mesma semana no SXSW Festival, e os membros remanescentes tocaram mesmo assim, dedicando a apresentação à Chilton, com várias participações especiais. Em julho do mesmo ano, o ex-baxista Andy Hummel foi diagnosticado com câncer e também acabou morrendo, deixando Stephens como único membro vivo do grupo. Em 2012 saiu o documentário Nothing Can Hurt Me, contando sua história com o sugestivo subtítulo de “The Greatest Band That Never Made It”, e que colocou o nome do Big Star em voga para toda uma nova geração. A trilha sonora é uma ótima entrada na carreira da banda. Complementando os lançamentos recentes, os ao vivo Live In Memphis (2014), com um registro da banda em 1994, e Live At Lafayette’s Music Room (2018), com a banda no auge, em 1973.