Elza – A Mulher do Fim do Mundo [2015]

Elza – A Mulher do Fim do Mundo [2015]

Por Alisson Caetano.

“A Mulher do Fim do Mundo” soa como um verdadeiro “foda-se” ao mundo, entoado com muita robustez e irreverência por Elza Soares, na plenitude de seus 78 anos, esbanjando vigor e coragem que faltam em muitos artistas de 20 anos de idade atualmente. E é exatamente a canção que define o que é seu novo projeto musical.

A Mulher do Fim do Mundo é o 34º disco – o primeiro completamente autoral – de uma discografia dividida em 55 anos de uma longa vida dedicada à música. Nesse projeto, sucessor de Vivo Feliz, de 2004, Elza mergulha no underground da música paulistana para sair de lá com um trabalho avassalador de, pasmem, música experimental.

Frente ao que se produz dentro do rótulo da Vanguarda Paulistana, como os recentes registros da Juçara Marçal, Metá Metá, Paço Torto ou até mesmo Arrigo Barnabé, essa empreitada de Elza pela Vanguarda parece mais acessível do que as obras supracitadas. Há um balanço muito bem-vindo do teor vanguardista com o tradicional samba e MPB que marcaram a carreira da cantora, o que confere um frescor agradável às experimentações nos arranjos e nos naipes de metal, trazendo o disco, propositalmente experimental, para o público médio.

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Para dar vida ao disco, Elza contou com músicos experientes nesse assunto. Membros do Bixiga 70 e de outras bandas consagradas da música vanguardista brasileira – com destaque especial para a produção de Guilherme Kastrupp – ficaram responsáveis pelos arranjos e por adequar a peculiar voz de Elza às canções, e obtiveram êxito ímpar nessa tarefa.

Os maravilhosos arranjos de cordas de “Solto”, sombrios e melancólicos, casam-se magnificamente com a interpretação tortuosa de Elza. Em “Luz Vermelha”, Elza se desprende do rotineiro rótulo de “velhinha careta” e mete o dedo na ferida sem dó, abordando temas duros, neste caso, a desilusão com um mundo violento e que vai terminar em “um poço cheio de merda”.

E o disco reserva mais surpresas durante seu decorrer, como experimentações com rap e música eletrônica em “Maria de Vila Matilde – Porque se a da Penha é Brava, Imagine a da Vila Matilde”, o samba pé no peito de “Pra Fuder” e o singelo encerramento à capella de “Comigo”, atestado solitário da vontade de Elza em prosseguir com o que mais ama fazer: cantar, algo que já deixou claríssimo nos versos “Eu quero cantar até o fim/ Me deixem cantar até o fim/ Até o fim eu vou cantar”.

Deixem a mulher cantar, pelo amor dos meus filhinhos. O resultado final de A Mulher do Fim do Mundo é um desbunde sem precedentes. Estupendo em sua ousadia, belo em seu conceito e refrescante por sua sinceridade, sem um ponto fraco para ser citado. E que a Vanguarda Paulistana continue nos mandando mais destes discos, o prazer proporcionado tem sido inigualável.


Tracklist:

  1. Coração do Mar (poesia originalmente escrita por Oswald de Andrade, musicada por José Miguel Wisnik)
  2. Mulher do Fim do Mundo
  3. Maria da Vila Matilde  – Porque se a da Penha é Brava, Imagine a da Vila Matilde
  4. Luz Vermelha
  5. Pra Fuder
  6. Benedita
  7. Firmeza ?!
  8. Dança
  9. O Canal
  10. Solto
  11. Comigo

 

Lineup:

Elza Soares – vocais

Bixiga 70 – arranjos

DJ Marco – pick-ups

Guilherme Kastrup – produção; bateria; percussão; arranjos

Kiko Dinucci – guitarra; repique; violão; arranjos

Rodrigo Campos – cavaquinho; guitarra; arranjos

Marcelo Cabral – baixo; violão de sete cordas; arranjos de cordas

Felipe Roseno – percussão

Cuca Ferreira – flauta; sax barítono

Aramís e Robson Rocha – violino

Edmur Mello – viola

Deni Rocha – cello

Edy Trombone e Douglas Antunes – trombone

Thiago França – sax barítono; sax tenor

Daniel Nogueira – sax tenor

Daniel Gralha e Sidmar Vieira – trompete

Thomar Rohrer – rabeca

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25 comentários sobre “Elza – A Mulher do Fim do Mundo [2015]

  1. Tive o prazer de assistir Elza Soares em 2006 lá em Porto Alegre, e era para eu assistir. Havia um festival ocorrendo na cidade, pertencente a II Conferência Internacional Sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR), e para se conseguir ingressos, precisava levar um quilo de alimento e esperar na fila até pegar um. Lembro que queria assistir ao Alceu Valença e Naná Vasconcelos, mas quando fui atendido, não havia mais ingressos para o primeiro. Então, acabei “aceitando” o ingresso para ver a Elza, e que baita show. A mulher tem uma potência vocal incrível, e naquele espetáculo, ela cantou somente tangos. Acabei pegando uma das últimas fileiras do Salão de Atos da UFRGS, que tem capacidade para umas 1500 pessoas mais ou menos. Lá em cima, fiquei embasbacado com o show da mulher, principalmente quando no meio de uma das canções, com a banda mandando ver, ela simplesmente largou o microfone e conseguiu cantar no mesmo nível que a banda. Ali lembrei daquela frase: “quem sabe faz ao vivo”. Tenho buscado discos da Elza, mas é bem difícil encontrar algo em vinil. Quanto ao disco novo, vou ouvir Alisson, e obrigado por trazê-lo para nós.

    1. Mairon, obrigado pelo comentário. Esse na verdade foi meu primeiro contanto com o trabalho da Elza. Fiquei meio reticente com a enxurrada de críticas positivas, e ainda mais se tratando de uma tiazona beirando os 80 anos rsrs. Depois desse eu irei procurar os trabalhos anteriores dela, e também irei assistir aos shows dela pelo YouTube, já que, como você comentou, são de extrema qualidade.

      1. Alisson, recomendo cinco discos dela que são ótimos – se você gosta de um samba então, vai adorar – os quais são:

        Com a bola branca (1966)
        Elza, Miltinho e samba (1967)
        Elza negra, negra Elza (1980)
        Carioca da Gema – Ao vivo (1999)
        Beba-me – Ao vivo (2007)

  2. O que a Elza Soares tá fazendo aqui na Consultoria? Oh-oh, isso me faz lembrar aquele ridículo resultado dos melhores de 1985: a primeira posição do RPM!

    1. Simples: não gosta, não leia e não dê o desprazer aos próximos com comentários infelizes. A internet seria um lugar melhor com atitudes assim.

      1. Parabéns pela matéria. O casamento entre o samba e a vanguarda fez muito bem a Elza Soares, que entregou ao publico uma obra instigante e atual.

    2. Cara,concordo com Alisson,pois se você não gosta de tal coisa e quer criticar a mesma,então simplesmente faça uma crítica edificante,não uma comparação desnecessária.EU mesmo,tenho o Prog Rock/Others como paixão e,claro,odeio alguns gêneros musicais,mas tento pelo menos ignora-lo,ÓBVIO que critico as vezes alguns discos,admito que em vezes eu passo do limite..as vezes passo mesmo……….Porém sempre tento ser o mais justo possível,e,para ser justo,temos que deixar a injustiça no limbo e elevar a justiça ao céu.No ‘mas’,tentemos ser melhor no que não nos diz melhor para sermos melhor no que nos diz melhor.Faça como eu,ignore o que não gostas e estude mais o que gostas.Claro,a experimentação tem que ser levada em questão sempre quando necessário.

  3. Parabéns pela matéria. Ainda que não seja especificamente rock, é bacana a abordagem de álbuns e artistas que fogem um pouco do estilo. Embora seja notório que a predileção dos leitores e colaboradores seja o rock, isso só enriquece o site. A boa música deve ser exaltada. E como você falou acima, quem não gostar, não leia.

    1. Obrigado Luiz. Por mais que a proposta da Consultoria seja “Rock”, quando comecei a colaborar com o site, tive em mente que não queria ser mais um colaborador à falar dos mesmos Pink Floyd, Led Zeppelin e Emerson Lake & Palmer da vida (sem desmerecer nem desrespeitar os outros consultores que falam dessas bandas, e com muita propriedade, diga-se de passagem), mas queria falar um pouco das bandas que julgo ter mais conhecimento e que me sinto confortável em falar sobre, para trazer uma visão diferente, e aí entram metal alternativo, avant-garde e música eletrônica, que eram são menos abordados pelo site.

      Mas sem enrolar mais, obrigado pelo comentário, e que mais matérias “Não Rock” venham rsrsrs

  4. Muita boa a matéria! Elza é uma das, senão a maior, cantora do Brasil. A propósito, alguém foi ver o show do Mitch Winehouse, que teve a participação da Elza?

      1. Uma colega minha ganhou um ingresso para esse show, que teve pouco público. A maioria das pessoas que estavam lá foram ovacionar a Elza!

  5. Parabéns pela matéria. Totalmente condizente com um site de rock. Afinal, transitando entre samba e tantos outros ritmos brasileiros, esse disco é um dos mais interessantes de rock dos últimos tempos. Trabalho fascinante de guitarras, e virtuosismo de Elza de conseguir encarar e sair maravilhosamente bem com toda barulheira do disco.

  6. Um dos mais fascinantes álbuns brasileiros lançados este ano. Não é simplesmente uma nova demonstração da potência de Elza, mas sim uma união com alguns dos principais nomes da nova música brasileira – Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos e Thiago França estão entre eles.

    Acho que a grande função dele é dar visibilidade a esses músicos além do seu nicho, já que o público fã de MPB de Elza Soares é grande. Uma cena que apesar de obscura – para o público comum -, não é nem um pouco inacessível ou experimental; com músicos que carregam os ritmos brasileiros em sua alma, onde há a fusão do afrobeat com o rock, do jazz com a no-wave, do samba com a psicodelia.

  7. Para mim a Elza Soares é uma das maiores cantoras do mundo! A mulher canta muito e sua carreira merece todo o respeito…Estou curioso para ouvir este novo disco dela, até porque, sejamos sinceros, esse pessoal envolvido na produção fez pouquíssima coisa que preste e é exatamente isso que está me deixando meio cabreiro! Espero que eles não tenham levado a “pequena” grande Elza para o mau caminho…

    1. “Esse pessoal envolvido na produção fez pouquíssima coisa que preste…” RISOS

      Não basta os caras tocarem em bandas como Metá Metá ou Passo Torto, a maioria tocou no melhor disco brasileiro dessa década (Juçara Marçal – Encarnado)

      1. Cara, do Metá Metá eu não posso falar nada porque não conheço o trabalho da banda, mas o Passo Torto é ruim demais!!!!!Esse pessoal aí sobrevive apenas na base do edital NATURA ou “pendurado” no circuito SESC…A triste verdade, para eles, é que o trabalho que os caras fazem não tem público! E com toda razão porque os caras são um porre!!!!

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