Discografias Comentadas: The Doors
Por Mairon Machado
Hoje seria dia de Melhores de Todos os Tempos, mas como amanhã é uma data especial, resolvemos adiar o Melhores para segunda, e exclusivamente nesse sábado, apresentar uma homenagem para uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, e que acabou ganhando um status cult por conta principalmente da personalidade forte de seu vocalista, o The Doors.
Formados em 1965 por Jim Morrison (vocais), Ray Manzarek (teclados, vocais), Robbie Krieger (guitarras) e John Paul Densmore (bateria), a banda teve um período de vida muito breve, nascendo durante a efervescente cena psicodélica californiana da segunda metade dos anos 60, Formado em 1965 por Morrison, Robbie Krieger (guitarras), Ray Manzarek (teclados, voz) e John Paul Densmore (bateria), o The Doors foi um dos principais nomes da cena californiana do final dos anos 60. Com uma carreira meteórica, quando conquistou a América com clássicos como “Light My Fire”, “Break On Through”, “Love Me Two Times” entre outros, e sendo enterrada após a morte de seu vocalista, em 1971. O grupo ainda sobreviveu mais três anos como um trio, mas sem nunca mais atingir o carisma e a reputação que ganhou entre 1967 e 1971, onde o número de sucessos e canções marcantes foram tão grandes quanto as polêmicas envolvendo drogas, polícia e mulheres.
A Discografia Comentada de hoje é especial aos fãs de Jim Morrison e de The Doors, já que exatamente amanhã, três de julho, completam-se quarenta e cinco anos da morte de Morrison, onde irei apresentar os seis álbuns oficiais de estúdio lançados enquanto Morrison estava vivo, os dois discos sem Morrison e ainda a obra-póstuma An American Prayer, bem como indicações sobre alguns álbuns ao vivo e coletâneas para entrar no mundo de viagens, drogas, sexo e loucuras de um dos símbolos musicais dos anos 60.
The Doors [1967]
O primeiro LP do The Doors é um dos grandes álbuns de estreia em todos os tempos no rock mundial. Ele serve como uma coletânea de clássicos, que podem apresentar a banda para alguém que não a conheça, e rapidamente fazer o vivente no mínimo adquirir respeito pelos garotos californianos, ainda mais por que em 1967, estávamos no início de uma onda psicodélica naquela região dos Estados Unidos que revelou nomes como Jefferson Airplane, Moby Grape, Country Joe & The Fish, entre outros, e The Doors, o álbum, marcou seu espaço na história. O álbum possui ao menos três grandes clássicos, começando com um deles, “Break on Through (To The Other Side)”, pelo qual somos apresentados a potência do órgão de Manzarek para o público, nessa que deve ser a maior das novidades do The Doors – a ausência do baixo -, seguido por “Soul Kitchen”, um exemplo honesto e fiel do que eram as canções do The Doors em sua concepção, com uma levada agradável, a voz adocicada de Morrison chapando o ouvinte e um refrão apropriado para pular pela casa, o que podemos conferir também em “Twentieth Century Fox” e “I Looked At You”, ambas capazes de animar qualquer festa que você faça. Outro ponto marcante na carreira do The Doors foram canções viajantes, com um órgão fantasmagórico surgindo nas caixas de som, e nesse LP, “End of the Night” é a responsável por esse momento de viagem ao fundo da mente, dedicando o uso do slide por Krieger, assim como o terceiro grande clássico do LP, responsável por encerrar The Doors, que é a polêmica e delirante “The End”. Com mais de onze minutos de duração, a faixa é emblemática, sombria e misteriosa, trazendo na longa letra de Morrison, um de seus principais poemas, questões referentes á história de Édipo Rei, e trocando em miúdos, comentando a despedida do homem para a sua vida criança e entrando na fase da puberdade. Concebida sob uma viagem de ácido no deserto californiano, e ganhando corpo nas apresentações da banda no Whisky-A-Go-Go de San Francisco, onde atingiu seu ponto de maturidade no dia , quando o local veio abaixo com as frases “Father, yes son, I want to kill you, Mother I want you fuck all night …”, ainda hoje, “The End” serve para trilha sonora de filmes e séries que querem narrar sobre a cena da Califórnia ou algum momento mais viajante, e ouví-la ao menos uma vez na vida é tarefa essencial para qualquer um que aprecie rock, para poder formar uma opinião sobre a banda, pois considero impossível gostar/odiar The Doors sem nunca ouvir “The End”. Vale a pena ressaltar que a parter “fuck all night” acabou ficando de fora da versão que foi ao vinil. O segundo grande clássico encerra o lado A, e é “Light My Fire”, a balada criada por Krieger e que foi totalmente readaptada por uma interpretação inesquecível de Morrison, ganhando espaço para os longos e viajantes improvisos de Manzarek e Krieger. Impossível não ficar doidão com a sequência de solos de órgão e guitarra sobre a levada hipnotizante do “baixo” feito pelo próprio Manzarek em eu órgão e a cadência perfeita de Densmores. Uma das faixas mais conhecidas da banda, e com certeza uma das melhores do álbum, ao lado da espetacular “Take it As it Comes”, pérola escondida entre tantos sucessos que acabou resurgindo das cinzas pelos Ramones no ótimo álbum de covers Acid Eaters (1993), mas que na sua versão original tem uma pegada animalesca, além dos solos de Manzarek serem incríveis. Ainda temos a baladaça “The Crystal Ship”, a dupla festiva “Alabama Song / Whisky Bar”, ótima para cantar totalmente embriagado com os amigos, com o seu ritmo de música alemã, e que ao vivo tornou-se essencial parceira de “Back Door Man”, recriação para o grande blues de Willie Dixon, com o órgão sendo o centro das atenções junto ao singelo mas embriagante solo de Krieger. O LP conta com a participação de um baixista convidado, mas que não creditado oficialmente, o qual é Larry Knechtel, que apresentou seu trabalho em “Light My Fire”, “I Looked At You” e “Take It as It Comes”. Uma estreia formidável, que vendeu muito nos Estados Unidos, chegando a segunda posição na parada da Billboard, com o órgão de Manzarek fazendo história, e onde somos levados por dimensões mágicas através de seus quarenta e quatro minutos (uma duração longa para um disco do estilo).
Strange Days [1967]
Esse é o LP que considero o melhor do The Doors. Apesar da importância de seu disco de estreia, foi com Strange Days que o quarteto conseguiu casar a psicodelia lisérgica da Califórnia com as canções amenas para as letras de Morrison, e que apesar de muitos não se darem conta, possui também pelo menos mais quatro grandes clássicos. As canções suaves são perfeitas canções para aquele momento de pensamento no fim de tarde, impregnados pelo cheiro de erva que exala das caixas de som em “You’re Lost Little Girl” e “My Eyes Have Seen You” faixas tipicamente The Doors, com ótimos refrãos para pular pela casa e belos riffs, sendo a segunda uma pancada rara no cenário californiano. Na parte lisérgica, a faixa-título, levada pelo baixista contratado Douglas Lubahn, chama a atenção por conta de seus efeitos, bem como a delirante “Unhappy Girl”, com o slide de Krieger cozinhando os miolos junto do órgão de Manzarek, que também abrilhanta a chapante “I Can’t See Your Face in My Mind”. Dos clássicos, “Love Me Two Times” talvez seja a mais conhecida, por conta de seu riff direto e uma interpretação magistral de Morrison, mas também temos “Moonlight Drive”, dedicada à namorada de Morrison na época, Pamela Courson, a alegre “People Are Strange”, com o piano elétrico de Manzarek em destaque, e o clímax do LP, a viajante “When the Music’s Over”, para mim a melhor canção do grupo, com seus onze sombrios minutos que trazem para mim a melhor performance individual dos membros do The Doors desde sua introdução, seja na perfeição de Manzarek da levada bluesy e os acordes soltos de seu órgão, a bateria intrincada e precisa de Densmore, Krieger segurando as pontas com passagens enigmáticas, fantasmagóricas e carregadas de distorção na guitarra e, principalmente, Morrison colocando a garganta para fora com gritos arrepiantes, fazendo beleza e horror serem cozinhados em forno quente, para marcar a mente com uma letra viajante sobre a perda de um grande amigo. Ainda temos o poema “Horse Latitudes”, um dos textos preferidos de Morrison, que ganhou uma trilha sonora macabra e assustadora de um minuto e trinta segundos, com muitos barulhos para simular os cavalos jogados ao mar para livrar o navio de um naufrágio. Foi o primeiro a contar com a participação de Lubahn , que mostra seus dotes na citada “Strange Days”, “You’re Lost Little Girl”, “Love Me Two Times”, “Moonlight Drive”, “People Are Strange” e “My Eyes Have Seen You”, o que deu um tempero ainda melhor para as canções do grupo. Uma obra atemporal e inigualável, que alcançou a terceira posição em vendas na Billboard, fazendo do The Doors o maior nome do cenário californiano em 1967, vendendo naquela região mais que The Beatles, The Rolling Stones e Cream, só para citar alguns dos grandes nomes ingleses que estavam com seus discos sendo lançados nessa época.
Waiting for the Sun [1968]
Para muitos, este é o último grande disco dos americanos. A partir daqui, o grupo iria entrar em uma ladeira sem fim, principalmente pelo comportamento de Morrison, cada vez mais afetado pelas drogas e pelas bebidas. Considero o mesmo uma boa sequência para seus dois primeiros álbuns, mas no geral, inferior. O LP mantém a mistura de canções amenas com faixas mais viajantes que está nos dois álbuns anteriores. Na parte amena, “Love Street” tornou-se a canção mais famosa, apesar de nesse quesito amenidade, eu preferir a leveza viajante de “Summer’s Almost Gone”, com mais um mini-espetáculo de Krieger com o slide, e um delicado solo de piano por Manzarek, ou a simpatia de “Yes, The River Knows”, que ultimamente vem entrando no track lista dos fãs com mais frequência. Outro grande sucesso do álbum é “Five to One”, com um ritmo blues chapante e uma letra que fala sobre masturbação. Nas canções tipicamente The Doors, temos “Hello, I Love You”, a qual considero uma prima em primeiro grau de “Soul Kitchen”, principalmente pelo refrão, “We Could Be So Good Together”, com um fuzz na guitarra que dá um efeito bem interessante, e “Wintertime Love”, faixa curtinha que passa despercebida nas caixas de som, principalmente por que é seguida pela pauladíssima “The Unknown Soldier”, forte candidata a melhor do disco, e que teve seu clipe proibido nos Estados Unidos por mostrar cenas de guerra e a “execução” de Jim Morrison. Ela está entre as melhores, ao lado da sensacional “Spanish Caravan”, inspirada por uma “viagem” de Morrison pela Andaluzia, e na qual Krieger recria a obra “Astúrias”, de Isaac Albéniz, mostrando todos os seus dotes no violão flamento, e “Not To Touch the Earth”, uma das partes da suíte “Celebration of the Lizard”, a qual possuí uma ferocidade e pegada animalescas, sendo uma pancada sem dó nem piedade para os hippies do Verão do Amor, e que mostra o crescendo musical que o quarteto (principalmente Jim) teve em menos de um ano. Pena que a suíte nunca foi lançada na íntegra oficialmente, mas ela aparece com toda sua grandiosidade de mais de quinze minutos no sensacional Absolutely Live (1970), o qual é o primeiro registro ao vivo da banda. Complementa Waiting for the Sun a faixa “My Wild Love”, levada por um andamento apache feito por vocalizações, enquanto Jim entoa seu poema. Vale lembrar que dois baixistas participaram desse álbum: Leroy Vinegar (em “The Unknown Soldier” e novamente, Douglas Lubahn (demais faixas do álbum). Ótimo disco, mas não comece a ouvir o grupo por ele.
The Soft Parade [1969]
Imagino o choque que o fã do The Doors, em pleno 1969, teve ao ouvir os metais na introdução de “Tell All The People”. Afinal, não há nada de psicodelia, mas um som inspirado em artistas e canções no estilo soul, mezzo Sam Cooke, mezzo Otis Redding, e por que não, até com lembranças de Phil Spector. A banda contou com um naipe de metais formado por George Bohanan (trombone), Champ Webb (Corne Inglês) e Curtis Amy (saxofone), e ainda Jesse McReynolds (bandolim), Jimmy Buchanan (cravo) e Reinol Andino (conga), e fez um álbum que para muitos, não é The Doors, mas para mim, é um daqueles momentos onde não sabemos o que se passou na mente dos músicos, mas o resultado é muito bom. As vezes penso em escrever um Discos Que Parece Que Só Eu Gosto para The Soft Parade. O álbum que contém a clássica “Touch Me”, balada carregadíssima de metais, com destaque para um solo de saxofone sensacional feito por Amy, é emblemática. A partir daqui o para-quedas que segurava o The Doors em sua queda acabou estragando, e o grupo mergulhou direto em um abismo de críticas e polêmicas extra-estúdios (principalmente nos palcos) que interferiu direto no som da banda. Como Morrison estava em dificuldades para criar, sobrou para Krieger, e ele trouxe as inspirações do soul para a música do The Doors, sendo ele o responsável por assinar as duas faixas citadas, bem como “Runnin’ Blue” (onde inclusive dá uma palhinha vocal que lembra muito Bob Dylan) e “Wishful Sinful”, essa uma balada singela, mas muito bonita, com a presença das cordas e ainda um breve solo de Corne Inglês. Isso não significa que essas canções sejam ruins, e tão pouco, que o álbum seja ruim. Pelo contrário, nas canções que Morrison compôs, temos linhas bluesísticas de excelente calibre, como atestam “Wild Child” e “Shaman’s Blues”, dois blues mais cadenciados, que novamente resgatam as inspirações apaches de Morrison, “Easy Ride”, com uma alegria quase country, e também as tradicionais canções tipicamente The Doors, assinada aqui apenas em “Do It”. O ápice do LP novamente fica para um épico, aqui a faixa-título, paulada de quase dez minutos que foi gravada por um Jim Morrison totalmente embriagado, tendo que ser acalmado por sua namorada, Pam Courson, que deu um carinho com a boca para o vocalista enquanto ele canta a viajante letra inspirada nas obras de William Blake e Jack Kerouac, e musicalmente, repleta de variações. Douglas Lubahn e Harvey Brooks participam no baixo, com Douglas estando em “Easy Ride”, “Wild Child” e Wishful Sinful”, e Harvey nas demais. Meu terceiro favorito em toda a discografia da banda, mas admito que entendo por que muitos não gostam do mesmo.
No dia 1° de março de 1969, ocorreu o famoso Incidente de Miami, o vocalista mostrou o pênis para a plateia, além de simular sexo oral em Krieger, e novamente, saiu do palco algemado (o vocalista já havia sido preso em pleno palco em 12 de dezembro de 1967, durante uma apresentação em New Haven, quando criticou a polícia local após ser violentado por um policial nos camarins, enquanto estava com uma amante, sendo que o policial esse que se quer conhecia Jim). Como consequência, Morrison foi condenado a seis meses de prisão, conseguindo liberdade condicional para realizar alguns shows e também gravar com seus colegas após pagamento de fiança estimada em 500 dólares. Cada vez mais gordo e sem condições físicas, aqui começa o fim da história de Morrison com o planeta Terra.
Morrison Hotel [1970]
Este é outro álbum bastante contestado, mas que acho injustas as críticas que são feitas. Gravado em um momento onde o clima na banda estava muito ruim, principalmente por conta do incidente de Miami, o álbum é dividido em dois lados bem distintos, e neles, não há nenhuma canção épica, apenas faixas simples criadas em momentos de inspiração, sendo que dessa feita Morrison compôs todo o disco, apesar de na capa as composições serem creditadas para o grupo inteiro. O Lado A, batizado Hard Rock Cafe, apresenta influências do blues, destacando o clássico “Roadhouse Blues”, com a participação de Lonnie Mack no baixo e G. Puglese na harmônica, em um blues elétrico para animar a casa, que é hoje uma das canções essenciais na discografia da banda. Temos também a agitada “You Make Me Real”, comandada pelo piano de Manzarek, e a alucinante “Ship of Fools”, onde o órgão de Manzarek brilha como um raio de sol no verão californiano, e complementando esse lado, o embalo de “Peace Frog”, destacando o suingue da guitarra de Krieger, a balada psicodélica “Waiting for the Sun”, que acabou ficando de fora do álbum homônimo, e a singela vinheta “Blue Sunday”. O lado B, batizado Morrison Hotel, faz uma mistura de ritmos, perambulando pelo blues enigmático de “The Spy”, deliciosa faixa para um strip, “Maggie M’Gill”, outro blues elétrico para botar a casa abaixo, curiosamente com Mack no baixo, a sensacional “Queen of the Highway”, a canção mais The Doors do álbum, com Densmore sendo o destaque, o quase country “Land Ho!”, talvez a canção mais fraca do grupo, e a melhor canção do disco, a lindíssima “Indian Summer”, mais uma canção de Morrison com referências aos índios apaches, onde a guitarra de Krieger e o ritmo arrastado nos remete diretamente para os melhores momentos de “The End”. Com exceção das faixas citadas, o baixista contratado da vez foi Ray Neopolitan. Morrison Hotel acabou tornando-se um álbum cult na discografia do The Doors, amado por uns, odiado por outros. Considero um disco bom, mas dentre toda a obra no período em que Morrison esteve vivo, é o menos melhor.
Na sequência, foi lançado o primeiro ao vivo da banda, Absolutely Live, e também a primeira coletânea, 13, ambos em 1970, levando então para o derradeiro disco como quarteto.
L. A. Woman [1971]
A despedida de Morrison é um disco sensacional, para nenhum fã da banda reclamar. O quarteto estava inspiradíssimo no blues, e contando com o apoio de Jerry Scheff (baixo) e Marc Benno (guitarras), mandou ver, trazendo funk stoniano em “The Changeling”, a zeppeliana (não sei por que essa faixa me lembra Led) “Hyacinth House”, o pequeno clássico “The WASP (Texas Radio and the Big Beat)”, o blues elétrico em “Been Down So Long”, onde Krieger detona com o slide, uma belíssima recriação para “Crawling King Snake”, cujo blues original de John Lee Hookeer foi desconstruído para uma maluquete sessão experimental acompanhando uma voz de Morrison regada de muito álcool. Os melhores momentos ficam pelo embriagante blues de “Cars Hiss By My Window”, a lisérgica “L’America”, cujo riff da guitarra é um dos mais hipnotizantes já produzidos na história da música, assim como seu andamento repleto de suspense serve para trilha de pavor, a psicoledia sedosa de “Riders on the Storm”, e claro, a chapante faixa-título, épico de quase oito minutos onde o grupo fez uma mistura no liquidificador com o baixo de Scheff, o órgão de Manzarek, o ritmo de Densmore e as notas da guitarra de Krieger que tornaram-se um líquido espesso e refrescante com a voz embriagada de Morrison, para levantar mais uma vez do sofá e sair gritando pela casa “Mr. Mojo risin'”.
Após o lançamento de L. A. Woman, Morrison foi para Paris com Pam, em busca de novos ares e principalmente, para se afastar da imprensa e da polícia que o perseguiam de forma implacável e intolerante a invasão da privacidade do vocalista. Depois de muitas desventuras na Cidade Luz, no dia 3 de julho de 1971 Morrison foi encontrado morto na banheira de seu apartamento. Nenhuma autópsia foi realizada, e muitos julgam que até hoje o vocalista está escondido nos campos franceses, e ele teria sido o principal incentivador de que Krieger, Manzarek e Densmore seguissem com a carreira do The Doors, já que sabidamente, os três eram ótimos músicos e compositores, não precisando mais da voz de Morrison para continuar em frente. Lenda ou não, o fato é que o The Doors continuou, e ainda em 1971, lançou um novo e contestado álbum.
Other Voices [1971]
Após a morte de Morrison, a gravadora Elektra fez a proposta para os remanescentes gravarem mais um álbum com o nome The Doors. Ambos já estavam gravando material sem Morrison, em junho de 1971, com a finalidade (e esperança) de que com Morrison recuperado, o grupo pudesse voltar aos velhos tempos. Com a morte de Morrison, o grupo decidiu por terminar o material que já possuíam, com Manzarek e Krieger nos vocais. Em outubro de 1971, chegava as lojas o primeiro disco do The Doors sem Morrison, Other Voices, um bom álbum, com a maioria das composições tendo sido feitas ainda para L. A. Woman, mas que por razões desconhecidas, acabaram não entrando no mesmo. Com a participação de vários músicos, o maior destaque do disco para mim fica com a linda “Ships W/ Sails”, onde Ray Neapolitan (baixo), Willie Ruff (baixo acústico) e Franciso Aguabella (percussão) fazem um delicioso andamento para as viagens instrumentais de Manzarek e Krieger, em dois crescendos estonteantes, tudo isso sobre um cadeciado e contagiante ritmo latino. Aguabella também traz o ritmo latino presente em “Hang on to Your Life”, com Wolfgang Meltz no baixo e com Manzarek dividindo os vocais com Krieger em uma faixa com muitas influências latinas, cujo final irá surpreendê-lo. Temos o blues psicodélico puramente The Doors em “In The Eye Of The Sun”, a suave balada “Down on the Farm”, faixa que ficou de fora de L. A. Woman, trazendo um trecho viajante onde ouvimos a marimba e efeitos por Emil Richards, mais balada na emocionante “Wandering Musician”, onde Manzarek brilha com o piano elétrico, e os rockzões de “Variety Is The Spice Of Life”, “I’m Horny, I’m Stoned”, cuja introdução me leva direto para “You Make Me Real”, e “Tightrope Ride”, homenagem à Brian Jones e aos Stones, e as quais são possíveis de serem ouvidas imaginando a voz de Morrison saindo das caixas de som. Os baixistas convidados, além de Neapolitam, são Jack Conrad (“In the Eye of the Sun”, “Variety s the Spice of Life” e “Tightrope Ride”), e Jerry Scheff (“Down on the Farm”, “I’m Honry, I’m Stoned” e “Wandering Musician”). Other Voices é injustamente malhado por fãs e imprensa especializada, que acusam o grupo de usar a imagem e o nome de Morrison para ganhar dinheiro, uma grande mentira. Acabou atingindo a posição 31 na Billboard norte-americana, e o single de “Tightrope Ride” ficou na posição 71, mas após o seu lançamento, os remanescentes decidiram encerrar as atividades.
Porém, em janeiro de 1972, a gravadora Elektra lança a coletânea Weird Scenes Inside The Gold Mine, trazendo duas canções que só haviam sido lançadas em lados B (“Who Scared You” e “(You Need Meat) Don’t Go No Further”. A coletânea vendeu muito bem, e assim, surge a proposta de mais um álbum de estúdio.
Full Circle [1972]
Lançado em agosto de 1972, Full Circle apresenta a mais bela capa dos discos do The Doors, desenhada por Joe Garnett. O disco mostra um The Doors próximo do jazz, mas também com boas inspirações no funk, com muitos improvisos e empregos de técnicas especificamente do estilo, onde destacam-se “The Piano Bird”, com um clima leve e tendo como convidados Bobby Hall e Chico Batera (percussão) e Charles Lloyd (flauta), e repleta de solos viajantes, onde a flauta no melhor estilo Traffic com certeza é o instrumento que mais chama a atenção, e a fantástica “Verdillac”, com Charles Larkey no baixo, percussão de Bobbi Hall e ainda uma espetacular participação de Lloyd no saxofone, em uma faixa viajante que nos lembra Morrison Hotel, trazendo um maravilhoso trecho instrumental com os solos de Lloyd e Krieger, em uma das melhores faixas desse belo LP. As faixas mais The Doors são “It Slipped My Mind”, na qual podemos imaginar a voz de Morrison sob a linha bluesy instrumental, “4 Billion Souls”, com o marcante órgão de Manzarek, a maluquete “The Mosquito” com Krieger cantando em espanhol e um ótimo trecho de solos, onde o órgão de Manzarek e a guitarra de Krieger são de extremos delírios, destacando também a exímia performance de Densmore, e a animada versão para “Good Rockin'”, de Roy Brown. Temos ainda o soul elétrico de “Get Up And Dance” com a vocalização das The Other Voices Clydie King, Melissa Mackay e Venetta Fields (que participou de álbuns clássicos, como Dark Side of The Moon e Wish You Were Here – Pink Floyd – ou Exile on Main St. – The Rolling Stones), presentes também no rockzão “Hardwood Floor”, com Krieger mandando ver na harmônica, e na delirante “The Peking King And The New York Queen”, narrando a história dos amantes Sol e Lua, que vieram a Terra encarnados como o rei de Pequim e a rainha de Nova Iorque, e acabam brigando entre si pelas divergências de se localizarem em lados opostos dentro do planeta, sobre um ritmo que lembra bastante “L. A. Woman”. O álbum teve vários baixistas: Chirs Ethridge (“Get Up and Dance); Jack Conrad (“4 Billion Souls”, “The Peking King And The New York Queen”, “Good Rockin” e “The Piano Bird”, essa última na guitarra base); Charles Larkey (“Verdilac” e “The Piano Bird”); e Leland Sklar (“Hardwood Floor”, “The Mosquito” e “It Slipped My Mind”).
Após o lançamento de Full Circle, que atingiu a posição 68 na Bllboard, dois singles foram lançados: “The Mosquito” e “Get Up And Dance”, a qual traz no lado B a rara “Tree Trunk”. O The Doors partiu para uma turnê, tendo Jack Conrad efetivado no baixo e ainda Bobby Ray nas guitarras, ao lado de Krieger. Após alguns shows pela Europa, com a baixa procura e muitas manifestações dos ardorosos fãs de Morrison, o grupo acabou de vez em 1973, deixando como registro ao vivo uma rara participação no programa Beat Club.
Manzarek partiu para uma carreira solo, além de formar o grupo Nine City, ao lado de Nigel Harrison (baixo, que faria parte da Blondie posteriormente), Jimmy Hunter (bateria, vocal), Noah James (vocal) e Paul Warren (guitarras), com quem lançou os álbuns Nine City (1977) e Golden Days Diamond Night (1978). Já Krieger e Densmore formaram o The Butts Band, tendo duas diferentes formações: uma com Phillip Chen (baixo), Roy Davies (teclados) Jess roden (voz) e Mick Weaver (órgão), e outra com Mike Berkowitz (bateria), Alex Richman (teclados, voz), Karl Ruckner (baixo) e Michael Stull (guitarras), além da dupla do The Doors. O grupo registrou os raros The Butts Band (1974) e Hear And Now (1975), cada um com uma formação diferente. Em 1978, o trio reuniu-se mais uma vez, para colocar músicas nos poemas de Morrison, feito este registrado no emocionante An American Prayer.
An American Prayer [1978]
Fitas caseiras e uma gravação perdida na Elektra reuniram novamente o trio Manzarek, Krieger e Densmore, dessa vez com o objetivo de musicar os poemas que Jim Morrison registrou. Dividido em cinco grandes faixas, cada uma com uma série de poemas entoados pelo próprio Jim, An American Prayer funciona principalmente para percebemos o quão complexa era a poesia de Morrison, e como as mesmas tornam-se belas canções quando recebem uma mão cheia de criatividade. O trio usou trechos de canções já registradas e fez novas partes instrumentais, e assim, trouxe ao mundo alguns dos poemas que Morrison gravou apenas a voz em 9 de fevereiro de 1969 e 8 de dezembro de 1970. Para as quatro partes de “To Come of Age”, o grupo usou um pouco de “Unknown Soldier” durante a introdução de “Black Polished Chrome”, que ainda tem um blues elétrico muito bom, transformando em uma peça santaniana em “Latino Chrome”, virando um blues tradicional em “Angels and Sailors” e usando “The WASP (Texas Radio and the Big Beat”) para “Stoned Immaculate”. Outra faixa que o blues predomina é “World on Fire”, com uma performance ao vivo acachapante de “Roadhouse Blues”, em sua versão definitiva que uniu três apresentações distintas (Nova Iorque, em 17/1/1970, Detroit em 08/5/1970 e Boston, em 10/4/1970), unida a “The Hitchhiker”, cujo som de fundo é “Riders on the Storm”, além do poema “American Night” sobre barulhos diversos, “Lament”, entoada iniclamente sobre os gritos da plateia no show de Boston. Adoro o embalo dançante de “Ghost Song”, uma das partes de “Awake”, onde as outras duas, “Dawn’s Highway” e “Newborn Awakening”, foram musicadas sobre a dupla “Peace Frog” / “Blue Sunday”, enquanto “The Poet’s Dreams” é uma viagem embriagada de Morrison entoando “The Movie” e “Curses, Invocations”, na qual a primeira possui apenas barulhos de sintetizadores por Arthur Barrow, enquanto a segunda ganhou um bonito instrumental feito pelo trio em companhia do baixista Jerry Scheff. Encerra o álbum o melhor dos poemas de Morrison, “An American Prayer”, cuja parte musical inicialmente é de um suingue inimaginável para quem criou “The End” ou “When the Music’s Over”, e cujo encerramento, transformando-se de “The End” na lindíssima “Adagio”, de Albinoni, é um dos momentos mais tocantes da história da música. Um disco para fãs, que vale a pena adquirir principalmente por conta de “Roadhouse Blues” e da faixa-título.
O tempo passou e em 12 de janeiro de 1993 o trio novamente se reuniu, agora para uma apresentação ao vivo no California Center Plaza Hotel, como participação na homenagem do Rock And Roll Hall of Fame daquele ano, na mesma apresentação em que foram homenageados Cream, Creedence Cleawater Revival e Sly & The Family Stone. Tendo Eddie Vedder nos vocais, o grupo emocionou aos presentes tocando as clássicas “Roadhouse Blues”, “Break On Through” e “Light My Fire”.
Nesse meio tempo, várias foram as coletâneas e discos ao vivo lançados, dos quais destaco Alive, She Cried (1983), Live at the Hollywood Bowl (1987) e In Concert (1991), bem como a trilha do filme homônimo de 1991, a coletânea The Best Of The Doors (1985) e o box The Doors (1997);
Em 2002, Krieger e Manzarek formaram o The Doors of the 21st Century, com Ian Astbury (The Cult) nos vocais, além de Angelo Barbera (baixo) e Stewart Copeland (The Police) na bateria, excursionando pelos EUA tocando clássicos do The Doors. Esta formação sofreu alterações, e em 2004, com Ty Dennis na bateria, gravou o DVD L. A. Woman Live. Brigas na justiça entre Manzarek-Krieger e Densmore fizeram com que a dupla alterasse o nome do grupo, e então, batizados como Riders On The Storm, se apresentaram no Brasil em abril de 2008, tendo na formação Brett Scallions (vocais), Phil Chen (baixo) e Ty Dennis (bateria). Tive a oportunidade de conferir esse showzão, onde o Manzarek simplesmente colocou o Pepsi On Stage abaixo, e a nostalgia Morrisoniana tomou conta. Manzarek faleceu em 20 de maio de 2013, indo encontrar-se com Morrison no paraíso das cannabis, e deixando um legado que ficou para a história.
Excelente matéria! Nunca me animei a ouvir os discos do Doors sem o Jim, quem sabe dou uma chance a eles. E aquele show no Pepsi On Stage estava muito bom, mesmo!
Valeu! Abs
Vlw Zé Léo. Ouve mesmo, por que são muito bons. C tava lá naquele show? Histórico ver Manzarek tocando teclados com o pé!!
Os 6 álbuns iniciais do Doors são CLÁSSICOS , n sei dizer qual é o melhor !
Perfect Strangers, The Doors, The Soft Parade, L. A. Woman, Waiting for the Sun e Morrison Hotel (coloco o Full Circle em quinto e o Other Voices antes do Morrison Hotel)
Parabéns pela matéria com a notoria qualidade do MM. The end e Heroin do VU são duas das principais músicas da década de 1960
Obrigado Antonio Marcos, por vossos elogios. Coloco ainda Ball and Chain, Little Wing e White Rabbit nesse balaio
The Doors é uma banda fantástica e não merece menos do que uma resenha do Mairon. Pena que os fãs estragaram a reputação deles. Digo aqueles que conheceram The Doors a partir do filme do Oliver Stone. O culto à personalidade nesse filme é tão absurdo que muito jovenzinho desavisado comprou o Jim Morrison e esqueceu que The Doors eram quatro. Daí o pouco reconhecimento aos outros 3 ótimos músicos que. Se o Jim era a porta, eles eram o batente, o trinco e a fechadura. Não dá pra instalar isoladamente. Esses Jimheads, na minha opinião, alimentaram a bronca de quem achou que a banda não condizia com a adoração do séquito. E esses metem o pau sem dó. E, creio, sem razão. Bela discografia, como sempre.
Pode ser preconceito meu, mas talvez pela alta expectativa que eu tinha do Jim Morrison ser “o grande poeta do rock mundial” uma aura que o Renato Russo tem de certa maneira aqui no Brasil, guardadas as devidas proporções, é que talvez eu tenha me decepcionado e não ter me aprofundado nos discos do The Doors.
O cover feito pelo Ramones está no album Mondo Bizarro..só pra constar! rs
Obrigado Zué. Realmente, confundi os discos na hora. O Acid Eaters tem ótimos covers, mas “Take it as it Comes” está realmente no Mondo Bizarro. Valeu
Por muitos anos, fui reticente em relação ao The Doors. Gostava de “Break on through”, “Light my fire”, “Riders on the storm”, mas parecia que a banda era Jim Morrison mais três. Quando ouvi The Butts Band, com Krieger e Densmore aliados a Jess Roden (ex-vocalista da banda Bronco, da qual gosto muito), é que pude perceber a excelência desses músicos. Hoje, penso que o Jim Morrison era meio que um mala-sem-alça, que, por seu carisma e escândalos, acabou por acobertar o talento desses três ótimos instrumentistas. Respeito muito The Doors, mas, acreditem, não é por causa do Morrison, um bom vocalista, mas pela finesse que os seus três companheiros despejaram em cada canção da banda. Os teclados de Ray Manzarek são eternos!
Comentário do qual concordo em muito. Os teclados de Manzarek para mim marcaram época, e JPDensmore é um baterista muito injustiçado. Só o Krieger que considero meia-boca. Quanto ao Morrison, acho ele um belo performer, mas nunca que ele realmente quis ser algo assim. Abraços
Esses dias to ouvindo muito o cd “L.A Woman” e resolvi procurar algo sobre o disco na net pra ler e achei o pacotão completo do The Doors. Ótimo trampo sobre essa super banda, eu sou fã de carteirinha mesmo é do primeirão deles…Tenho o DVD classic albuns que conta as histórias de gravação e curiosidades da obra prima em questao, tem no YouTube também, vale muito a pena. Valeu.
Matéria muito boa, me fez ir atrás das coisas mais “desconhecidas” dos Doors e, sobretudo, dos demais membros – tanto o Manzarek com seu Nine City (1977) quanto Krieger e Densmore com seu The Butts Band (1974) são excelentes!