Oops… I Did It Again – Wander Wildner – Wanclub – Música Para Dançar Volume 59 [2016]
Por Micael Machado
O cantor e compositor Wander Wildner começou sua carreira no grupo de punk rock gaúcho Os Replicantes, que lançou seu álbum de estreia, O Futuro é Vórtex, em 1986. Em 1995, Wander saiu em carreira solo, que iniciou efetivamente com o lançamento do disco Baladas Sangrentas, no ano seguinte. Sendo assim, 2016 marca não só os trinta anos da estreia fonográfica de um dos mais importantes artistas do rock no Rio Grande do Sul, mas também os vinte anos do início da discografia solo do inventor do estilo punk brega. Talvez motivado por isso, além de sentir uma necessidade de se aproximar mais de seus fãs (que sempre lhe cobraram um álbum reunindo seus maiores sucessos), o músico decidiu regravar alguns temas de seu vasto repertório (desde a época dos “Repli” até seu momento atual), “atualizando” os mesmos para os arranjos que Wander e sua banda, os Comancheros, apresentam já há algum tempo pelos palcos do país inteiro. Para tal, Wildner recorreu a uma campanha de financiamento coletivo (também conhecido como crowdfunding) através do site Kickante. O valor pretendido para o projeto (R$ 39.000 reais) foi rapidamente conseguido, e esta meta foi inclusive superada, possibilitando a tranquilidade necessária para Wander e seus parceiros entrarem no estúdio Dreher, em Porto Alegre, e saírem de lá com um registro que tem tudo para cair nas graças dos muitos admiradores de seu trabalho.
A escolha do repertório do disco foi feita por aqueles que participaram da campanha, através de uma votação feita por e-mail enviado diretamente a cada um dos que colaboraram com o financiamento (os quais ainda receberam uma cópia autografada do CD e tiveram o seu nome registrado no encarte do mesmo como forma de agradecimento). As possibilidades de escolha eram muitas, mas o repertório final acabou soando como um verdadeiro “best of” da carreira de Wander, que, sempre inquieto e irrequieto com relação à suas músicas, não se limitou a apenas regravar preguiçosamente seus grandes sucessos, mas registrou novos arranjos para praticamente todas as faixas selecionadas para o álbum. Em alguns casos, a mudança foi sutil, como as alterações na letra de “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, a bela e sombria linha de teclado adicionada a “Astronauta”, a linha de sax muito bem encaixada em “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro” (a cargo do convidado King Jim, ex-integrante dos Garotos da Rua, e que inclusive recebeu um vídeo clipe de divulgação), a leve injeção de peso dada a “Surfista Calhorda” ou o belo arranjo de piano de “Quase Um Alcoólatra”, que conseguiu deixar a canção ainda mais brega que a original (o que, no caso das músicas de Wander, não é demérito algum).
O autógrafo de Wander e o nome deste que vos escreve no encarte, itens exclusivos de quem participou da campanha de crowdfunding.
Em outros casos, as mudanças causarão espanto a quem está acostumado apenas às versões originais das músicas escolhidas, especialmente àqueles que não costumam frequentar as apresentações do cantor (seja solo ou com sua banda). Os novos arranjos podem soar muito bem, como em “Sandina”, um pouco mais lenta e com a primeira parte cantada por seu autor, o guitarrista Jimi Joe (que registrou as seis cordas na maioria das faixas do álbum); “Rodando El Mundo”, transformada em um verdadeiro ska jamaicano, com direito ao trombone de Júlio Rizzo como um “molho” especial e uma parte mais calma e “viajante” no meio; “Mantra das Possibilidades”, que ficou mais rápida e com mais participação das guitarras; “Hippie-Punk-Rajneesh”, totalmente diferente da original, agora com uma batida de surf music e uma linha melódica que me remete a “Let’s Lynch The Landlord”, do Dead Kennedys; e, principalmente, “Amigo Punk“, surpreendentemente transformada em um funkzão que não deve nada aos clássicos dos anos 1970, com um baixo cheio de groove, um belo órgão Hammond e uma guitarra altamente suingada a cargo do jovem prodígio Erick Endres, um dos maiores talentos surgidos nos últimos anos no rock gaúcho.
Há casos, porém, onde as mudanças são tamanhas que certamente causarão estranhamento mesmo ao mais dedicado fã. A tentativa de transformar “Boas Notícias” e “Bebendo Vinho” em skas acaba fazendo com que as mesmas fiquem soando como aquelas músicas tradicionais alemãs que se ouve em festas como a da Oktoberfest, especialmente a segunda, que ainda conta com Wander no kazoo. Já a batida e a linha de guitarra retiradas da surf music e incorporadas a “Um Lugar do Caralho” não casaram bem com este clássico do rock gaúcho, que ainda tem uma parte lenta bastante desconexa ali pelo meio. O reggae inserido em “Eu Queria Morar em Beverly Hills” também não se encaixou muito bem com a faixa, e causa estranheza em meio ao agito do resto da canção. Não quer dizer que estas mudanças “estraguem” as faixas (longe disso), mas será bastante difícil se acostumar a estas “novas” versões para aqueles que escutam os originais já há bastante tempo, como é o meu caso.
Ainda foram disponibilizadas apenas para download outras seis faixas, com destaque para a inédita “Colonos em Chamas”, que também ganhou um vídeo clipe. O fato de estas faixas estarem disponíveis apenas em formato digital, na minha opinião, acabou sendo o único grande erro do projeto, pois, como o álbum acabou recebendo distribuição através do selo Deck Discos, elas poderiam ter sido disponibilizadas pelo menos nas versões entregues àqueles que colaboraram com a campanha de crowdfunding, que ganharam a exclusividade apenas de terem seu nome citado no encarte, pois o autógrafo de Wander qualquer um que for a um show do cantor tem a possibilidade de conseguir (e o encarte da versão “regular” do disco vem com um espaço reservado para isto, o mesmo que já está preenchido na edição entregue aos participantes). Como colecionador, gostaria muito de ter a versão “física” destas outras canções (algumas bastante interessantes, como a versão acústica de “Mares de Cerveja”, o arranjo recheado de teclados de “Jesus Voltará!” ou a nova versão da clássica “Festa Punk”), e , certamente, seria um belo diferencial para aqueles que ajudaram na realização e gravação do álbum.
Contracapa de Wanclub – Música Para Dançar Volume 59
Mas esta minha bronca com as “faixas bônus” acaba sendo mais implicância de minha parte do que um problema de verdade, o que não impede Wanclub – Música Para Dançar Volume 59 de ser uma excelente coletânea do melhor do trabalho de Wander Wildner, e uma excelente porta de entrada para quem nunca se interessou por sua longa carreira musical ou não teve a chance de conhecer bem sua trajetória. O cantor e seus Comancheros estão rodando o país em shows que têm este disco como base, resultando em um belo espetáculo para quem tiver a oportunidade de conferir uma de suas apresentações. Se for o seu caso, não desperdice a chance. Garanto que vale a pena!
Track List:
01. Astronauta
02. Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo
03. Bebendo Vinho
04. Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro
05. Um Lugar do Caralho
06. Surfista Calhorda
07. Mantra das Possibilidades
08. Rodando El Mundo
09. Sandina
10. Amigo Punk
11. Hippie-Punk-Rajneesh
12. Quase Um Alcoólatra
13. Eu Queria Morar em Beverly Hills
14. Boas Notícias
15. Mares de Cerveja (Bonus Track Digital)
16. Colonos em Chamas (Bonus Track Digital)
17. Empregada (Bonus Track Digital)
18. Um Bom Motivo (Bonus Track Digital)
19. Jesus Voltará! (Bonus Track Digital)
20. Festa Punk (Bonus Track Digital)
Eu não participei da campanha, mas acompanhei de perto e quando o disco saiu no Bandcamp comprei a versão digital (assim como fiz com o ótimo Existe Alguém Aí?) equeimei um CD-R para minha garantia (sempre faço isso quando compro digital).
Mas a verdade verdadeira é que me pareceu um projeto de fã para fã que fica meio sem nexo quando levado pro grande público. Estou nesse meio, acompanho o Wander há anos, mas nunca fui a um show e não sou nenhum fã mais ardoroso. Pra mim soa meio… não sei, mais do mesmo.
E também aquela coisa, quando você gosta de um artista ou de um disco, você gosta pelo que ele é, como foi gravado, a sonoridade que tem. Versões como estas soam muito bem para um show. Mas no caso de um disco de regravações como este fica complicado. De maneira nenhuma o disco é ruim, pelo contrário. Mas prefiro botar minha bolachinha do Existe Alguém Aí? pra tocar de novo ou meu CD best of No Ritmo da Vida (que saiu pela revista do Lobão Outra Coisa) do que rodar Wanclub incansavelmente.
De qualquer forma, belo texto e muito bom saber que os fãs estão por trás dos projetos de seus artistas favoritos Micael 🙂
Cara, que atrocidade foi essa com “Amigo Punk”??? Pelamordedeus. “unkzão que não deve nada aos clássicos dos anos 1970”, GEZUIS!!! Sly Stone, George Duke e a galera que mitou com esse estilo sacondem-se indignados nas catacumbas da Motown!!!
“Lugar do Caralho”, outra atrocidade monstra. Pobre coitado do Jupiter Apple, não merecia isso
Esse saxofone no final, por favor, ridículo, ahuahaua
Sobre o sistema de financiamento coletivo, eu tive uma boa experiência com o grupo O Terço. Foi justo o valor pedido pelo que foi fornecido – inclusive, podiam até ter pedido um pouco mais, por que o trabalho ficou sensacional – mas tem alguns espertos que estão sugando dinheiro de amigos e conhecidos para financiar seus sonhos sem dar nada em troca, ou então, com preços absurdos apenas por um autógrafo a mais ou algo assim. Não sei até onde se tem o controle sobre isso, mas vem ocorrendo cada vez mais frequentemente esse fato de “vou ganhar $ em cima de otários”. É o brazileiro sendo brazileiro …
Não é só no BR não Mairon. Acompanho há tempos os crowdfunding (por culpa do Progshine) e as atrocidades de banda querendo sugar o que pode dos fãs é absurdo. Canso de ver opções normais como o CD por 30 Dólares MAIS entrega. Sendo que um CD gerlmanete custa 10 dólares…
Ou pior, canso de ver opções de 20 dólares PELAPORRADODOWNLOAD. pqp meu. Venho contra os crowdfunding apelativos há anos. Já vi vários que queria participar, mas que por causa do abuso não participo.
Ai o cara arrecada, sei lá, 30 mil dólares, sendo que a opção do CD era 30$, e depois ainda vende o disco, normalmente, pelos 10$ que eu falei… sem comentários.
Mas no caso do Wander e pelo que eu notei o d’O Terço também, foi honesto!
Pior Diego, essa do pagar X reais (ou dólares) por um DOWNLOAD é o fim da picada
Grande admirador das baladas punk (na verdade, canções sessentistas tocadas com formação básica e aceleradas) dos Ramones, o que os faz milhões de vezes melhor do que bandas punk inglesas, sou por tabela muito fã do estilo punk brega. Este disco, claro, não ouvi, mas me interessei.
Eu passo longe de gostar do Wander Wildner, aliás tive o desprazer de estar perto de um show dele, acho muito ruim. Tudo bem quem goste, mas pra mim não desceu.
Mas queria comentar a respeito dessa coisa de regravação – só admito que isso seja feito se o original tivesse sido gravado de forma muito precária, fosse uma fita k7, apenas um show registrado da plateia, ou músicas que tem registro ao vivo mas não tem registro em estúdio. De resto, me parece picaretagem da grossa.
Mas o texto do Micael, independente do assunto, sempre é bom ler.
Abraço,