Melhores de 2016: Por Bernardo Brum
O pessoal da Consultoria do Rock deve adorar meu ecletismo. Esse deve ser um dos meus tops com menos discos de rock – tem folk e rap em abundância, além de vanguardas do rock alternativo. Poucos se incluem no strictu sensu do rock mais tradicional. Mas em suma, foi um ano rock and roll pela quantidade de ousadia, transgressão e falta de limites na experimentação. Para quem gosta de ouvir disco fora da curva, foi um prato cheio e espero a lista ser representativo nesse sentido. Pelo menos seis discos da minha lista considero acima do excelente e os 3 primeiros são verdadeiras obras-primas. Acho que os comentários falam mais por si do que a introdução, mas a mesma foi um disclaimer importante para ressaltar minhas preferências e as escolhas não parecerem tão estranhas aos frequentadores. É isso, leiam, sugiram, comentem e ouçam!
01. David Bowie – Blackstar
David Bowie se despede de nós com um disco que é, sem exagero, um dos mais relevantes de sua discografia, fundindo jazz, avant-garde e eletrônica sob o teto do rock, compondo um álbum complexo e com uma atmosfera sombria, como vemos na longa e fantasmagórica faixa de abertura e em outras canções como “‘Tis a Pity She Was a Whore” e “Girl Loves Me”, que confirmam algumas influências radicais de Bowie à época da composição, como Kendrick Lamar e Death Grips. Certamente não é o álbum que que os fãs de seu estilo mais acessível e melódico queriam para se despedir do ídolo (essa honraria pertence a The Next Day), mas ele carrega a chama do período mais revolucionário de Bowie (aquele situado entre Station to Station e Scary Monsters (And Super Creeps)) e corre com sua criatividade incendiária para frente, provando que não só era um dos artistas mais influentes de sua época mas de todas as épocas. A vida existe para se ouvir revoluções feito Blackstar.
02. Nick Cave and The Bad Seeds – Skeleton Tree
Meu segundo álbum favorito de 2016 também é um de despedida – nesse caso, Nick Cave se despedindo do filho falecido com o álbum mais triste e depressivo da sua carreira – mais emocionalmente intenso que até mesmo, digamos, Your Funeral My Trial e The Boatman’s Call. A pegada minimalista do antecessor, Push The Sky Away é mantida mas de forma nem um pouco low-profile, combinando com ruídos, loops, sintetizadores, spoken word… E as letras assustadoramente doídas e sinceras que confirmam para quem ainda não sabia o posto de Cave como um dos grandes poetas da nossa geração. Quem ouvir “Jesus Alone” ou “I Need You” vai saber do que estou falando. Basicamente, os 40 minutos mais desconfortáveis de 2016.
03. Frank Ocean – Blonde
Uma obra-prima de 2012, Channel Orange acabara sendo ofuscada pela ainda mais excelente good kid, MAAD City de Kendrick Lamar. Bom saber que ele não se deu por vencido e quatro anos depois soltou Blonde, que mostra que está competindo pé a pé com Lamar no posto de artista mais relevante do rap hoje em dia. Lamar participa do álbum, junto com outros convidados do nível de Beyoncé e Johnny Greenwood em um álbum brilhante em misturar falsetes de R&B e flows de rap, privilegiando arranjos sobre baterias em um dos seus discos mais pessoais e bem acabados. Ouça “Nikes” como cartão de visita, e bem-vindo ao mundo de Ocean.
04. Radiohead – A Moon Shaped Pool
Após o menos estimado The King of Limbs, A Moon Shaped Pool chega aos nossos ouvidos como o mais clássico Radiohead em um grande nível de excelência, ainda que nem sempre revolucionário, sempre ousado e corajoso. Ver o caso de “Burn The Witch”, composição antiga que virou abertura, com os falsetes inimagináveis de Yorke e a guitarra de Greenwood mais do que inspirada. Em “Desert Island Disk”, folk e eletrônico se casam à moda do krautrock. Em Identikit, os andamentos esquisitos da bateria e a independência do baixo mostram que ritmo não é subserviente às harmonias de guitarra e “True Love Waits” foi recuperada dos shows do Radiohead para servir como um encerramento contemplativo e atmosférico que complementa um disco calejado de quem anda na vanguarda da música popular há mais de 20 anos.
05. Leonard Cohen – You Want It Darker
Terá sido 2016 o ano das despedidas? Leonard Cohen lançou You Want It Darker às portas da morte, com a saúde já debilitada. Com o filho Adam Cohen ocupando-se de guitarras e produção junto com o veterano Patrick Leonard (ambos responsáveis por várias das composições enquanto Cohen se ocupou das letras), o álbum transpira mais do que nunca a tônica da carreira de Cohen, o poeta tornado bardo: ainda que tenha ritmos modernos, é o folk-rock tocado em low-profile e sem exageros ou maneirismos, apenas a voz sombria e rouca do angustiado crooner dando um sopro de vida à um álbum que aceita a morte, mas celebra a vida. A faixa-título que abre o álbum transpira pessimismo com uma dose de cinismo, com uma marcação de baixo que nos pega logo no primeiro momento, mas “If I Didn’t Have Your Love” transpira beleza e sentimento daquela forma confessional e vulnerável que só Cohen sabia fazer. Bowie e Cohen no mesmo ano… O abalo no campo da criatividade e consistência ainda será sentido por alguns anos com a perda desses dois pilares da nossa música. Ainda bem que existem outros para continuar seus trabalhos.
06. A Tribe Called Quest – We Got It From Here… Thank You 4 Service
Era para The Love Movement ter sido o último álbum da Tribe, mas a honra coube a We Got It From Here…, que marcou a perda também (ô ano difícil!) de Phife Dawg, que marcou suas últimas contribuições nesse álbum, que é tudo que nos fascinou na Tribe em primeiro lugar; tem batidas, tem colagens e tem letras e flows inusitados, com o álbum transpirando o espírito do rap alternativo, feito com inspirações no jazz em matéria de construção, liberdade e improviso. Com a confirmação de Q-Tip que este sim é o canto de cisne da Tribe, só nos resta constatar que é um adeus ou até logo mais que digno, com vários fãs e colaboradores participando do álbum – medalhões do rap como Busta Rhymes, André 3000, Kanye West, Consequence, Kendrick Lamar e outras figuras como Caey Benjamin, Jack White e até mesmo Elton John, destcando-se em “Solid Wall of Sound” com seu piano e voz. Uma aula de fazer música fora do convencional. Uma banda fascinante que merecia muito mais destaque do que o já recebido, com um encerramento digno para uma discografia que sacudiu e revolucionou os pilares da música popular recente.
07. Iggy Pop – Post Pop Depression
Iggy nos vocais chama um time de primeira grandeza do rock atual para colaborar, incluindo Josh Homme e Dean Fertita do Queens of The Stone Age nas guitarras e no baixo e Matt Helders dos Arctic Monkeys na bateria. Principalmente um álbum parido da colaboração entre Pop e Homme (Pop sempre brilha em suas duplas com guitarristas talentosos – Ron Asheton, James Williamson), criando aqui o que chamaríamos de um “garage rock maduro”, com a fúria adolescente sendo substituída pela pancadaria calejada de um mestre. Gardenia, cadenciada e cheia de groove, com uma baforada psicodélica em sua estrutura, é um dos grandes destaques do álbum. Iggy nesse álbum é como um Jim Morrison menos Los Angeles e mais Detroit, com um clima geral de um The Doors emporcalhados de óleo de carro, poético e sacana ao mesmo tempo. Protopunk e protoindustrial em 2016, Iggy é o mais bem-vindo corpo estranho que ainda sobrevive nesses tempos de multifacetas musicais.
08. Metá Metá – MM3
Não tão bom quanto a obra-prima MetaL MetaL mas melhor que a estréia Metá Metá, MM3 mostra Juçara, Kiko e Thiago no auge da maturidade do trio, que explode na mistura entre ritmos africanos, riffs de guitarra, pirações jazzísticas de sax e potentes vocalizações numa mistura que faria Itamar Assumpção chorar de orgulho. Não chega a destacar na discografia central e paralela da banda (como Encarnado, solo de Juçara), mas é coisa e fina e muito bem arranjada e executada.
09. Angel Olsen – My Woman
O pop onírico de Angel Olsen em My Woman da cantora e compositora Angel Olsen algo como aquele folk barroco dos anos 60, como nos grandes momentos de Scott Walker, um dos gênios obscuros daquela década. Com o peso de um sussurro, suas músicas falsamente simples são carregadas de admitida vulnerabilidade, como os mais de 8 minutos de “Sister”, com a voz etérea e até mesmo falha ao mesmo tempo, só para carregar ainda o álbum de feeling. Às vezes pode parecer meio homogêneo, mas carrega o selo de excelência da cena lo-fi (low-profile) para aqueles que se aventurarem a entrar nesse universo.
10. Kanye West – The Life of Pablo
Muitos não gostaram, mas sinceramente achei The Life of Pablo estranhamente fascinante. Não é tão musicalmente coeso quanto álbuns anteriores (My Beautiful Dark Twisted Fantasy, Watch The Throne, Yeezus), mas continua sendo o Kanye West que não vê barreiras para a música, o que resulta num álbum recheado de bons momentos mas com uma sensação de inacabado, mais fragmentado do que deveria ser, sem uma estrutura para unir. Talvez fruto da estafa que Kanye West estava passando, mas que mostra como ele é um dos artistas que trabalha com referências e colagens (como atesta a capa) de maneira mais singular e rara no cenário musical hoje em dia. O destaque acabou sendo a grosseria pancadona de “Famous”, onde West está mais ácido que nunca e com Rihanna participando de maneira brilhante fazendo um contraponto melódico à secura muitas vezes escrota de West para escrever letras. Ainda que não excelente, é um álbum único de um artista único.
Finalmente uma lista com discos que apareceram nas demais. Tirando o ATCQ e o Life of Pablo, todos os demais são discos que se não ouvi ainda pretendo ouvir.
Bowie em primeiro é quase que obrigação!!
Excelente lista soube combinar a tradição com a inovação, a inquietude com o aperfeiçoamento, a comprovação da genialidade com a busca de novos rumos. Parabéns