Discografias Comentadas: Trem do Futuro
Por Mairon Machado
Na década de 80, o rock progressivo nacional fez uma guinada interessante para o mercado mundial. Enquanto os gigantes progs da Europa (Inglaterra principalmente) enveredavam para um lado mais acessível, apoiando-se na nomenclatura AOR para continuar carreira, bandas como Bacamarte, Sagrado Coração da Terra, Quintal de Clorofila e Quaterna Réquiem, entre outras, criaram uma sonoridade progressiva tipicamente brasileira, espalhando sementes por todo o país. Algumas delas germinaram em Fortaleza, onde vingaram-se para florescer na exímia e talentosa banda Trem do Futuro.
O grupo foi formado em 1981, inspirado no prog inglês mas com algo de contemporâneo que fortaleceu uma identidade exclusiva, conquistando premiações durante toda a década de 80 e levando ao reconhecimento internacional, apesar de pouco conhecido em nosso país. Sendo assim, vamos hoje apresentar a curta Discografia da banda, mas com importância enorme para toda uma geração de amantes do rock progressivo.
Trem do Futuro [1995]
O primeiro álbum da banda tem na formação Gilmar Moura (teclados), Marcelo Macêdo (guitarras), Marcos Bye Bye (bateria), Paulo Rossglow (vocais), Jomar Sérgio (baixo) e Ulisses Germano (flautas e efeitos sonoros). O som traz grandes influências do rock progressivo e da música clássica, destacando principalmente as passagens de flauta e teclados, além de uma base sólida entre bateria, baixo e guitarra. O progressivo inglês está presente em “Bivar”, A parte clássica surge com força durante a arranjo de flauta e violão em “O Anjo”, na delicada sutileza do violão de “A Louca” e na dupla “Vagão / Requiem da Louca”, que apresenta o Trem do Futuro com letras épicas cantadas em português, mais um diferencial da banda. Essa faixa também conta com a participação vocal de Rita de Cássia, co-autora do poema “Requiém da Louca”. Para absorver as letras “Rushianas” do Trem, ouçam a linda “Revolução das Flores”, com violões e flautas comandando uma belíssima faixa, ao lado da épica “Sila”, ambas candidatas a melhores letras do grupo. Além dessas faixas com belas poesias, também temos as instrumentais “Mental Física”, onde a flauta e a guitarra fazem um belo trabalho solando em parceria, a vinheta “Entreé”, os teclados predominando a dupla “Labirinto/Dança dos Lírios” e o exímio trabalho de “Moksha”, para mim a melhor do álbum, que recebeu muitos elogios mundo a fora, destacando as revistas Arlequim (Itália), Harmone Magazine (França) e entrando ainda na lista dos 10 melhores álbuns de Rock Progressivo do Japão. Demorariam-se mais 13 anos até o lançamento do segundo álbum, mas o nome do Trem do Futuro já estava marcado na cena musical progressiva do Brasil, e principalmente, como o maior expoente dessa cena no nordeste. Destaque também para a linda capa, com inspirações Roger Denianas, criada por Jó Nunes. Trem do Futuro hoje alcança valores altíssimos nos Mercado Livres e Ebays da vida, o que mostra quão valiosa é essa obra.
O Tempo [2008]
Com uma mudança na formação, tendo a entrada de Alan Kardec Filho no lugar de Jomar, João Victor para o lugar de Gilmar, Marcelo adotando agora o nome Marcelo Leitão, e a adição do violinista Sidarta Guimarães, O Tempo chegou aos fãs em meados de 2008, apresentando uma banda mais madura, criando peças ainda mais memoráveis do que aquelas registradas em seu primeiro álbum, apesar de haver um revezamento nos teclados e no baixo, já que algumas canções contaram com baixistas e tecladistas alternados, sendo o baixo empunhado em algumas faixas por Marcos Pessoa, e os teclados de Julinho Silva, outras faixas com George Frizzo no baixo e Edson Filho nos teclados, e variações entre esses dois, além de Marcos e Gilmar Moura (teclados) fazerem-se presentes no rock oitentista “O Homem Antigo”, que lembra bastante a fase inicial do RPM, sendo certamente a faixa mais fraca de O Tempo. Com George e Edson, foram registradas a faixa que dá nome a banda, um rockzão com pegada blues que em nada se assemelha ao que já ouvimos nas outras faixas do grupo, mas que é muito boa, blues esse presente também em “Na Trilha do Diabo”, com a participação da harmônica de Diogo Araujo, vocais de Carlo Macedo, Marcos e Gilmar, e um fantástico solo de flauta. Ainda com George e Edson, temos “O Som do Silêncio / A Porta”, destacando a linda introdução com violão e flautas, a delicada “Búfalos Audazes”, repleta de variações de andamento, tendo a participação de Álvaro Luis na steel guitar e Paulo Rossglow no tamborim, além de uma melodia grudenta. Com Marcos e Julinho, temos “Seres Imaginários”, faixa muito bem trabalhada, que foi dedicada à Odete Macêdo, é uma delas, e nela, Ulisses está tocando bandolim, o que abrilhantou muito essa magnífica peça ao lado de um emotivo piano. Outra faixa com Julinho e Marcos é a sensacional “Saga”, com o violino de Sidarta sendo um dos principais instrumentos, e que irá arrancar sorrisos dos fãs de progressivo. A dupla “Lamento das Horas / O Tempo”, com as vocalizações “Great Gigianas” de Claudy Guedes, além de Marcos e Julinho, é forte candidata a melhor de O Tempo, principalmente pelas inúmeras mudanças de andamento e empregos de diversos instrumentos e timbres, que levam a emblemática “Ainda Que Tarde”, com riffs pesados de guitarra e uma insana flauta nos dando uma sensação de que Ian Anderson uniu-se aos cearenses, além de uma frase importante para o país nos dias de hoje: “Eu luto até o fim”. Outra faixa grandiosa, tendo Julinho e George, é a tríade “Olho do Tempo/Onda Brava/Tempo Nú”, com a guitarra de Marcelo chamando a atenção na primeira parte, assim como uma narração por Marcelo que me lembra “The Necromancer” (Rush.) O álbum foi lançado em uma embalagem luxuosa com encantadora beleza gráfica, totalmente auto-produzida, bem como um encarte também luxuoso e inspirado no surrealismo, e é perfeito para quem quiser algo além da mesmice.
Em 2013 a banda completou 30 anos de carreira, e com uma nova formação, tendo os originais Paulo e Marcelo, além de Felipe Valentim Ribeiro (bateria), Julinho Silva (teclados, baixo), Sidarta Guimarães (violino) e Dudu Freire (baixo, backing vocals), voltam a excursionar, e consequentemente, gravam seu terceiro registro, lançado em 2015.
Tr3s [2015]
Este é o mais progressivo álbum da carreira dos cearenses. As letras com clima de surrealismo e fantasia, forte presença dos dois discos anteriores, surgem aqui principalmente em “Ismália”, com a presença de Bye Bye na bateria e grande predomínio de sintetizadores de Gilmar Moura, músico que se destaca também na pesada “Lã de Sol”, e também “Noite Senil”, com um majestoso solo de flauta por Cleilton Gomes. Logo de cara, o saxofone de Afrânio Pinto em “Viajantes do Tempos” nos remete a “Us and Them”, cujo andamento é puramente Floydiano, misturado com diversos elementos intrincados, onde a guitarra de Marcelo brilha, tendo a participação dos vocais de Vitória Bayma e os teclados de Gilmar. As bases instrumentais de “Soníferos Falham”, também com Gilmar e Bye Bye, lembra um pouco faixas do Sagrado Coração da Terra, mas com uma diferença central nos teclados, onde o órgão faz uma bela participação. A complexidade da instrumental “Folhas Secas Sobre A Tarde” traz a soberania da flauta de Cleilton, e também Gilmar nos teclados, sendo esta a grande faixa do álbum ao lado da fantástica “A Busca”, um tour de force com mais de oito minutos, que sai de um complexo dedilhado de violão acompanhando o violino para uma pesada faixa, no melhor modelo Rush, tudo recheado com o tempero que só o Trem tem. Essa faixa também conta com os vocais de Vitória Bayma, aqui ao lado de Marcelo, que também mostra sua voz na delicada “Além Sonho”, revezando-se com Paulo sobre um lindo dedilhado de violão e piano, além de um emotivo violino. Um disco de virtuosismo e feeling na medida certa, e que para mim, é o melhor trabalho da banda.
Todos os três discos aqui apresentados foram relançados recentemente, e podem ser conseguidos através do Bandcamp oficial do grupo. O Trem continua na ativa, agora novamente com Paulo Mezzo no baixo, mostrando que além de ser muito bom, ainda faz muita fumaça!
Parabéns pelo belo comentário sobre essa, já tradicional, banda brasileira, podemos considerar a TREM DO FUTURO como um dos nossos Ícones do Rock progressivo. Parabéns a todos os envolvidos neste belíssimo trabalho.
Obrigado Carlos. Com certeza, é um ícone de nossa cultura prog. Abraços
A banda realmente merece um reconhecimento pela perseverança de décadas tocando um som não comercial num país como o Brasil e especialmente numa região sem história nenhuma para o Rock.
Valeu pela matéria Mairon 🙂
Exatamente Diego. Um som muito longe das rádios, e com muito talento e inovação. Eu que agradeço pela ideia, meu caro. Abraços
Ouvi algumas faixas agora mesmo no vocêtubo, e que bela descoberta. Parabéns pela DC e por nos apresentar mais uma ótima banda, Mairovsky!
Valeu meu caro. Obrigado, e que bom saber que o Trem tem mais um passageiro
Que legal. Vi várias vezes o Trem ao vivo e tenho o disco de 95. O que vocês não sabem é que a banda faz parte do Plano Cearense para Dominação Global!
Hahahahaha