Discografias Comentadas: Manic Street Preachers – Parte I
Por Tiago Abreu
Formado no Sul do País de Gales, o Manic Street Preachers talvez seja uma das bandas britânicas mais subestimadas de seu período. Some a isso oportunidades de grande sucesso desperdiçadas e uma série de fatalidades que envolvem sua história que, em 30 anos, é repleta de nuances e reviravoltas. Os Manics, como são conhecidos, são hoje um power trio composto pelo vocalista e guitarrista James Dean Bradfield, o baixista Nicky Wire e o baterista Sean Moore.
As primeiras atividades e reuniões do grupo datam de meados de 1986. O primeiro single, “Suicide Alley”, é uma ode ao movimento punk e sua fotografia foi de ninguém nada mais nada menos que Richey Edwards que, mais tarde, tornar-se-ia guitarrista e principal letrista da banda. O primeiro trabalho, o EP New Art Riot, saiu em 1990, mas foi o lançamento do álbum Generation Terrorists, de 1992, que trouxe a banda para o estrelato no Reino Unido. Desde a década de 1990, os Manics lançaram vários trabalhos, flertaram com diversos gêneros e mantêm-se ativos com suas letras politizadas e riffs afiados.
Os riffs surgem das mãos de James Dean Bradfield, que concentra grande parte da força musical da banda. Embora seus vocais sejam por vezes rejeitados, em função de seus timbres agudos, são inegáveis suas habilidades na composição de músicas com as seis cordas. Nicky Wire, com a ausência de Richey desde 1995, esteve responsável pelas letras sagazes, enquanto o baterista Sean Moore, primo de Bradfield, é um dos alicerces na musicalidade da banda, a cargo de instrumentos como trompete em algumas gravações.
A definição de um gênero específico para o Manic Street Preachers é complicada. A banda flertou com hard rock, britpop, punk e pós-punk, dreampop, powerpop, glam rock, synthpop, krautrock e até folk. Mas o rock alternativo, com todas as suas variações, se tornou um território confortável para o grupo que, até os dias de hoje, vendeu mais de 10 milhões de cópias em todo o mundo.
Generation Terrorists [1992]
A influência do The Clash e das guitarras do Guns N’ Roses formaram, com as letras de cunho político escritas por Nicky e Richey, Generation Terrorists. Toda a sonoridade é, em grande parte, um hard rock com influências glam que poderia ter sido lançado na segunda metade da década de 1980. A despeito do som datado frente ao grunge, muito se deve também à produção de Steve Brown. Assim, o disco concentra faixas como “Slash ‘N’ Burn” com guitarras que, logo de início marcam, o que não difere muito de “You Love Us”. James é o principal destaque e fica responsável por todas as guitarras. Mas ocorre aqui uma contradição: Além de galeses em espaços londrinos, a sonoridade dos Manics estava muito mais próxima dos Estados Unidos do que dos seus conterrâneos europeus. Em contrapartida, o hit “Motorcycle Emptiness” é um dos pontos altos e, de condução mais lenta, conta com bons teclados. O lançamento original reuniu nada menos que 18 músicas, tornando-o um dos discos mais longos do grupo.
Gold Against the Soul [1993]
O grupo gravou seu segundo disco em um dos estúdios mais luxuosos da Inglaterra. O grande ponto de Gold Against the Soul é o seu caráter de transição. O álbum tem aspirações semelhantes ao anterior no som e na agressividade, mas as composições de Nicky e Richey são menos políticas e mais pessoais/melancólicas. A musicalidade, com um quê de hard rock melódico e até mesmo glam, ganha força com “La Tristesse Durera (Scream to a Sigh)” e a habilidosa balada “Life Becoming a Landslide”, mais cadenciada, com toques de violão. “From Despair to Where”, talvez a melhor canção peresente na obra, é uma das composições mais ousadas do início de carreira do Manic Street Preachers. De forma geral, porém, o trabalho choca menos se comparado ao seu anterior.
The Holy Bible [1994]
Entre o terceiro e o quarto disco, a banda sofreu sua primeira perda: A morte do empresário, Philip Hall, de câncer. Para a gravação do álbum, a cúpula da Epic Records sugeriu que Holy Bible fosse gravado em Barbados. No entanto, a banda estava disposta a tomar uma nova direção. O som americanizado dos discos anteriores estava incomodando os integrantes que, no projeto seguinte, voltaram-se às raízes britânicas que os influenciavam no início da estrada. Escolheram um pequeno e simples estúdio no País de Gales. O grupo não trouxe quaisquer produtores e o único sujeito a participar das sessões foi o engenheiro Alex Silva. Richey Edwards escreveu quase todas as letras sozinho, mas seu estado mental e emocional estava tão decadente que não participou das gravações: ficou em um sofá dormindo, bebendo e chorando. Tudo poderia dar errado, mas o clima de autossuficiência foi fundamental para que The Holy Bible se tornasse um projeto muito superior aos anteriores. Um disco angustiado, um tanto quanto gótico e, ao mesmo tempo, extremamente agressivo. “Ifwhiteamericatoldthetruthforonedayit’sworldwouldfallapart” é daquelas faixas que, querendo ou não, são uma vertigem do início ao fim. Alguns dos principais petardos do álbum, “Revol” e “Faster”, são rápidos e diretos. Mas nada surpreende mais do que a parte lírica. As letras abordam temas caros encarados de forma crua, como anorexia, prostituição infantil, nazismo, racismo, corrupção e autoritarismo. Bradfield e Moore, na composição das melodias, levaram todos os fatores em pauta e, por fim, o trabalho mais sujo do Manic Street Preachers. Todo o caráter do disco, incluindo sua perturbadora arte gráfica, não atingiu o sucesso dos anteriores, embora tenha recebido forte respaldo da crítica. Com o passar dos anos, entretanto, ganhou o devido reconhecimento. Inclusive, junto com seu sucessor, figura no livro “1001 discos para ouvir antes de morrer” e é uma das obras mais fantásticas do ano de seu lançamento.
Everything Must Go [1996]
Se algum disco dos Manics está em nível de “clássico”, ao lado de Holy Bible, é justamente o sucessor, Everything Must Go. Em fevereiro de 1995, Richey desapareceu. Seu carro foi encontrado próximo a uma ponte no País de Gales, dando a entender que se suicidou. Seu corpo nunca foi encontrado e, diante daquele contexto, a carreira do Manic Street Preachers se transformou. Apesar da crescente oportunidade de se destacar também nos Estados Unidos, com a participação na trilha sonora do filme “Judge Dredd” (1995), o desaparecimento de Edwards pôs tudo a perder. Um novo disco se tornou necessário. E, diante de tantos impasses, o trio remanescente decidiu seguir em frente. Várias composições de Richey não foram usadas a fim de não fazer publicidade em torno de seu desaparecimento. Somente três fariam parte do novo disco. Nicky tomou o espaço como letrista majoritário e o produtor Mick Hedges deu o lampejo pop para o novo disco. Everything Must Go foi o projeto que, ainda não de forma consciente, fez o grupo abraçar diretamente o Britpop. Afinal, eram os tempos de Blur com The Great Escape (1995) e de Oasis com (What’s the Story) Morning Glory? (1995). O single “A Design For Life”, de condução imponente e com arranjos de cordas, a condução hard rock de “Australia” e o rock alternativo de “No Surface All Feeling” contemplavam um disco que, em linhas gerais, sempre fez referência à ausência de Richey. A canção-título explicou tudo, da forma mais direta possível: “And I just hope that you can forgive us / But everything must go”.
This is My Truth Tell Me Yours [1998]
Se as doses de melancolia são recorrentes em Everything Must Go, em This is My Truth Tell Me Yours a dor é aprofundada nos versos. O vazio e o silêncio são predominantes na base instrumental. É um disco majoritariamente composto por melodias leves e incidentais. “I’m Not Working”, “Born a Girl” e “Be Natural” falam muito mais pela condução do que necessariamente pelas letras. A influência de Nicky e o sumiço de Richey continuava a ressoar no novo trabalho. Era como se os “vazios” no instrumental refletissem sua ausência. Ao mesmo tempo, é notável o cuidado de Wire em não transformar a parte lírica em algo piegas ou uma espécie de autocontemplação. Por outro lado, o disco ainda reserva grande influência pop e, por isso, é o trabalho de maior sucesso comercial da banda. É o caso de “You Stole the Sun From My Heart”, que parece evocar, na introdução, certa influência de New Order. Ou o single antiguerra “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, a balada elégica “Black Dog on My Shoulder”, que versa sobre depressão, e aos loops de “Tsunami”. Apesar do próprio incômodo posterior, por parte do trio, com o tom “comercial” do disco, que vendeu mais de 5 milhões de cópias, o álbum ainda mantém a profundidade das letras dos Manics.
Know Your Enemy [2001]
O sucesso do disco anterior certamente assustou o grupo. E, por isso, a banda decidiu retornar ao peso punk dos projetos mais antigos. Em 2000, os Manics lançaram o single “The Masses Against the Classes” que, mesmo com essa pretensão, chegou ao topo das paradas. Aparentemente, nada poderia dar errado. Com as mesmas colaborações de Mike Hedges e Dave Eringa, o grupo entrou em estúdio para gravar um disco duplo com um repertório que, pelo menos, pretendia ser tão agressivo quanto The Holy Bible. No entanto, o resultado foi uma obra barulhenta, confusa, demasiadamente versátil e de falsa grandeza. Assim, se tornou trilha sonora de uma das piores fases na carreira do trio galês. O início das tensões se deu com a falta de permissão do grupo, por parte da gravadora, em lançar o álbum como um disco duplo. Know Your Enemy, com sua capa “sangrenta”, chegou às lojas com quase 20 faixas em um só disco. Algumas canções chegaram a vazar no Napster antes do lançamento, o que gerou certa confusão (em 2000, o Metallica também passou por problemas com a plataforma que, hoje, é legal e abraçou o streaming). São 17 músicas que trazem um pouco de tudo. É pós-punk (“Found that Soul”), pop barroco à la Beach Boys (“So Why So Sad”), sátira ao disco (“Miss Europa Disco Dancer”) e traz vocais relaxados de Wire (“Wattsville Blues”). Até o single “Ocean Spray”, balada escrita por James para sua mãe, vítima de câncer, ganha peso estranho em certo momento. Para variar, na época, o grupo realizou uma gravação em DVD na capital de Cuba, Havana. Era a primeira vez que uma banda ocidental de renome pisava no país. A ousadia dos galeses em se apresentar no território, no entanto, também pesou negativamente para sua imagem na Europa.
Daqui a duas semanas, apresentaremos a segunda parte desta discografia comentada.
Cara, não esperava ver o MSP por aqui, mas fico feliz em ver!
Uma das bandas que eu mais gosto dos anos 90 e que gravou pelo menos um clássico absoluto daquela década (Everything Must Go).
Eu to, aos pouquinhos, completando a coleção de CD dos caras. Só uma pena que os últimos discos tenham sido fracos. O Journal for Plague Lovers e o Postcards From a Young Man são bons, mas pra mim o último disco REALMENTE bom da banda foi o Send Away the Tigers.
Esperando a próxima parte 🙂
Olá Diego, valeu! Eu sinceramente gosto da sequência do Send Away the Tigers (principalmente esse mencionado e o Futurology), dentre eles o que eu acho mais fraco é o Rewind the Film, até porque a proposta de música acústica não permitiu um repertório mais catártico. No entanto, o que eu acho mais interessante da banda é o fato de tentarem realmente inserir elementos novos a cada disco, algo que a maioria dos grupos com mais de 30 anos de estrada não conseguem fazer.
Outra coisa: Eu também tenho tido vontade de estender meus discos da banda, mas tenho imensa dificuldade de encontrar aqui no Brasil. E, quando encontro, é geralmente muito caro ou somente alguns discos específicos (como o Know Your Enemy ou Is This My Truth).
Fala comigo no Facebook e talvez a gente faça negócio. Por aqui eu acho os discos bem barato (pelo menos os mais recentes, ainda não achei um Holy Bible num preço legal!)
maravilha de matéia descobri tardiamente banda e me encantei…