Discografias Comentadas: Manic Street Preachers – Parte II
Por Tiago Abreu
Prosseguimos hoje com nossa Discografia Comentada da banda galesa Manic Street Preachers, abordando seus álbuns desde 2003 até o mais recente, Futurology. Para conferir a primeira parte, clique aqui.
Lipstick Traces – A Secret History of Manic Street Preachers [2003]
Apesar de coletâneas geralmente não estarem presentes em discografias comentadas, o duplo Lipstick Traces é um caso excepcional. Na época, a banda estava há dois anos sem lançar obras novas. O primeiro disco abrange canções inéditas que, na maioria, estiveram no lado B de singles, enquanto o segundo apresenta 15 covers. Dentre as inéditas, vale destacar a mescla temporal e a mudança de sonoridade do grupo desde o início da década de 1990 até 2001. As canções “Judge Yr’self” e “Donkeys” carregam o peso antigo, enquanto “Mr Carbohydrate”, um dos melhores b-sides do grupo, é uma balada bem ao estilo sarcástico de Nicky. Os covers não soam tão interessantes, mas trazem números como “Out of Time” (Rolling Stones), “It’s So Easy” (Guns N’ Roses), “Raindrops Keep Fallin’ on My Head” (B. J. Thomas), “Rock and Roll Music” (Chuck Berry) e “Last Christmas” (Wham!).
Lifeblood [2004]
Com uma das quatro canções divulgadas no EP There by the Grace of God, lançado em 2002, o Manic Street Preachers admitiu que avaliou a possibilidade de, talvez, encerrar a carreira. Afinal, desde o sucesso alcançado com This is My Truth Tell Me Yours, o grupo entrou em um momento de incertezas, sem saber para onde queria ir. Em Lifeblood, a tentativa é pelo pop rock, com influências do synthpop, trazendo a participação do produtor Tony Visconti, conhecido por ter trabalhado durante anos com David Bowie. Neste disco, as letras de Nicky são menos políticas e mais pessoais. Como um registro de baladas, Lifeblood é álbum de boas melodias. É o caso do single “Empty Souls” e de “Emily”. O outro single, “The Love of Richard Nixon”, é reflexo de uma espécie de comparação entre a popularidade e o sucesso político de Nixon e Kennedy em paralelo ao Manic Street Preachers e ao Radiohead. O som, em síntese, é influência direta de New Order. Apesar de ser mais uniforme, Lifeblood pecou pelo seu aspecto nem um pouco orgânico e foi duramente criticado, anos depois, pelo vocalista James Dean Bradfield. Logo após o registro, Nicky e James resolveram apostar em trabalhos solo, na tentativa de revigorar suas paixões pela música. Dois discos, nessa proposta, foram lançados em 2006.
Send Away the Tigers [2007]
Disco de redenção, que finalmente tirou o trio da má fase iniciada com o álbum de 2001, trouxe de volta composições mais inspiradas e, consequentemente, o sucesso nas paradas. Definido como um projeto que transita entre o hard rock e o glam rock, Send Away the Tigers é, de fato, um álbum que abraça o rock. A transição entre hard e glam é notável, mas suficientemente eficaz. Está em “Indian Summer”, “Autumnsong” (com um riff introdutório à la Guns N’ Roses) e a densa “The Second Great Depression”. O grande hit é “Your Love Alone Is Not Enough”, hard com um pé no pop rock gravado com a participação de Nina Persson. A faixa é quase uma espécie de fan service: Faz referência às canções “You Stole the Sun from My Heart” (1998) e “Wish You Were Here”, do Pink Floyd (1975), além de outras citações a The Who e Rolling Stones. É finalmente em Send Away the Tigers que o grupo fincou a participação do tecladista Dave Eringa na produção, que participava em gravações com o grupo desde a década de 1990.
Journal for Plague Lovers [2009]
Richey Edwards foi declarado oficialmente morto em 2008. Durante o período de seu desaparecimento, a banda optou não trabalhar em algumas de suas letras guardadas. Até 2008. Nesse período, o trio decidiu revisitar algumas de suas composições até então nunca gravadas, compuseram melodias, fizeram adaptações e, disso, surgiria Journal for Plague Lovers, uma espécie de sucessor natural de The Holy Bible. Como uma espécie de tributo a Richey, a banda chamou Steve Albini para a produção, pelo fato de Edwards ser um grande fã de In Utero (1993), do Nirvana . Sem medo de soar muito diferente do que fora feito em Send Away the Tigers, Journal parece uma mescla de Holy Bible e Everything Must Go. Enquanto o disco de 1994 era um projeto um tanto quanto niilista, as letras do novo disco são angustiadas, mas ainda um pouco esperançosas. Vale destacar a influência pós-punk de “Jackie Collins Existential Question Time” e “Me and Stephen Hawking”. O disco flui muito bem, não soa como um caça-níqueis e, por consequência, é considerado pelos mais saudosistas o melhor disco do grupo desde Everything Must Go.
Postcards from a Young Man [2010]
Em 2010, o trio decidiu novamente fazer um disco totalmente diferente do anterior. Postcards from a Young Man, abraçou o power pop. Há certa influência da fase setentista de David Bowie (1971 a 1973) em algumas melodias. É o caso das melódicas “The Descent (Pages 1 & 2)” e “(It’s Not War) Just the End of Love”. A faixa-título carrega um pouco de “Somebody to Love”, do Queen. Na fase mais recente dos Manics, não há como deixar de destacar James Dean Bradfield como a grande peça da banda. Seus riffs são certeiros e o trabalho vocal se aperfeiçoa. O disco também cresce com a participação de vários convidados, como o baixista Duff McKagan, em “A Billion Balconies Facing the Sun”, e a produção e engenharia de som de Dave Eringa. Única proposta assumidamente clara em um som mainstream, Postcards from a Young Man é um dos álbuns mais uniformes e “redondos” da banda.
Rewind the Film [2013]
Em 2013, os Manics entraram em estúdio e gravaram dois discos. O primeiro foi lançado ainda no mesmo ano. E, como de praxe, apostou em uma sonoridade totalmente diferente do anterior. Rewind the Film, como a gélida capa supõe, é um disco de sonoridade lenta e acústica. Em introspecção, as guitarras de Bradfield quase desaparecem e o violão é o instrumento predominante. As letras acompanham o cenário bucólico que constitui o disco. “(I Miss the) Tokyo Skyline” é irônica na forma Manics de ser mas, justamente por toda a sua construção sonora, com cordas, pode ser aceita como é. Por se tratar de um disco menos elétrico e, em certo ponto, apático, a construção melódica é eficiente até o que pode. “Running Out of Fantasy”, por exemplo, é simples e chega direto ao ponto. A única faixa que se diferencia com maior clareza do clima do álbum é justamente o single “Show Me the Wonder” que aposta em um soul pop sem deixar de lado os violões.
Futurology [2014]
Se Rewind the Film tendeu para o acústico, Futurology, gravado na mesma época que o disco anterior, foi para outro extremo. Álbum mais experimental e, em certa parte, mais elétrico da banda, foi um dos registros mais corajosos e elogiados do trio galês nos últimos anos. O disco, que trata de temas políticos como os anteriores, mas regado a um certo olhar urbano da arquitetura, é como uma viagem por meio do som. “Walk Me to the Bridge”, “Europa Geht Durch Mich” e “Sex, Power, Love and Money” são os pontos altos do trabalho que, em linhas gerais, mesclam várias influências: O dream pop de “Futurology” e o krautrock de “Dreaming a City (Hugheskova)” se condensam em um trabalho que, apesar das várias mesclas sonoras, tem coesão. A consequência: foi elencado em várias listas como um dos melhores álbuns do ano e é um dos discos preferidos dos integrantes.
Parabéns Tiago pelas análises precisas e coerentes com o momento pelo qual a banda passava, que nunca se acomodou e sempre guardava alguma surpresa em seus lançamentos. Essa coluna serve como guia para quem se interessar em conhecer a obra da banda. Como sugestão para a Consultoria, um colunista abençoado poderia fazer uma radiografia da obra do Primal Scream.
Obrigado!
Segunda parte ótima, assim como a primeira!
(Aliás, da uma olhada na primeira parte que eu deixei um comentário lá que pode te interessar, Tiago)
🙂
Valeu!
Eu li seu comentário, só não tive tempo ainda de te procurar, tudo muito corrido por aqui. Mas prometo que entro em contato até o mês que vem.
Muito bom o texto sobre cada álbum. Parabéns!