Tralhas do Porão: Fanny Adams
Por Ronaldo Rodrigues
Texto escrito originalmente em 2014
Numa conexão direta Austrália-Inglaterra, o Fanny Adams começou com o australiano Vince Maloney, guitarrista, que estava na Inglaterra e arredores entre 66 e 69 tocando com os Bee Gees, a época, um grupo também australiano, que trafegava pelos caminhos mais domesticáveis do rock psicodélico – a vertente chamada de sunshine pop. Vince já tinha estrada em sua terra natal antes disso, tendo participado da primeira formação de uma banda famosa por lá durante os anos 60-70 – The Aztecs. O guitarrista sentia sérias divergências musicais com o grupo e resolveu montar uma nova banda, ainda na Inglaterra mesmo. Na época, Vince estava começando a trabalhar em um disco solo. Passou algum pouco tempo tocando com o trio Ashton, Gardner & Dyke, onde foi chamado para assumir as guitarras do grupo, posto que pertencia a ninguém menos que Steve Howe, do Yes, em uma curta passagem que teve pela banda. O guitarrista conseguiu descolar um contrato como artista solo com a MCA e largou o trio. Para essa empreitada, ele preferiu montar um grupo nos moldes de peso de Led Zeppelin e Cream a se lançar como artista solo. E aí surgia o Fanny Adams.
O primeiro convidado por Vince para a empreitada foi o baixista Teddy Toi, um amigo da época do colégio, que já estava na Inglaterra tentando a vida como músico de estúdio. Teddy estava na ativa desde o final dos anos 50 com Sonny Day & the Sundowners e integrou também o The Aztecs em sua segunda formação. Em junho de 70, Vince convida Johnny Dick, baterista, e Doug Parkinson, vocalista, que estavam na Austrália, para se juntarem a ele. Esses dois caras participaram de bandas razoavelmente bem sucedidas durante os anos 60 na Austrália, especialmente Doug, que já na época era tido como um dos grandes vocalistas juvenis do país. Entre diversos que grupos que passaram, Johnny Dick e Doug Parkinson tocaram juntos no projeto Doug Parkinson In Focus e com esse nome chegaram até a emplacar um hit no Top 20 de lá, no ano de 68 e ganharam o primeiro prêmio numa espécie de “batalha de bandas” no fim de 69 (pela internet é possível encontrar performances de Doug com sua banda In Focus). Coincidentemente, o prêmio era uma viagem para a Inglaterra, e por lá toparam a parada proposta por Vince Maloney, que parecia bem interessante, afinal a MCA era uma grande companhia fonográfica.
Juntos, eles compuseram muito rapidamente o material para o disco. O material tinha bastante potencial e a própria banda não se poupava de uma auto-crítica bastante positiva. O disco foi gravado ainda em 1970, mas a gravadora segurou seu lançamento até junho de 1971. Em dezembro de 70, a banda retornou para a Austrália em meio a um rebuliço publicitário criado pela MCA, um hype prematuro, reforçando que estourariam muito brevemente e se tornaria um gigante do rock pesado. Doug Parkinson caiu nessa onda e abriu o bocão para o seminário “Go-Set” (a primeira publicação de música pop da Austrália) dizendo que dali a poucas semanas o Fanny Adams enguliria todas as outras bandas da Terra, dentre outras abobrinhas do gênero. Um “conceito prévio” se criou no público que os assistia e até mesmo nas bandas que abriam seus shows, que vez ou outra tiravam um sarro da futura “maior banda da Terra”. Isso queimou o filme da banda. Todos eles já tinham experimentado, de um modo ou de outro, momentos bem sucedidos em suas carreiras e a tensão na convivência entre eles era forte, por questões de ego e pelas grandes expectativas com a aceitação da própria banda.
O Fanny Adams teve alguns momentos de glória em sua curta carreira, em especial uma explosiva apresentação para milhares de freaks no Myponga Festival, em janeiro de 71, que teve como atração principal o Black Sabbath, além de outras bandaças australianas do período. No comecinho daquele ano, a MCA soltou um compacto com as músicas “Got a Get Message to You” e “They´re All Losers, Honey”, com pouca expressão na Inglaterra. Alguns poucos meses depois de terem voltado para a Austrália o grupo acabou e quando o disco saiu, o Fanny Adams nem existia mais para promovê-lo. A gota d’água talvez tenha sido a desastrosa apresentação na discoteca Sidney’s Caesar’s Palace, onde um incêndio destruiu todo o equipamento da banda. Já pouco tempo depois do fracasso do Fanny Adams, Doug Parkinson refez o seu grupo In Focus. A MCA ficou pelas tamancas, porque tinha investido em um álbum no qual não havia mais banda para promovê-lo. Doug Parkinson bem que tentou conseguir uma lasca da MCA para seu grupo, mas o pessoal não queria vê-lo nem pintado de ouro e o cara foi banido de qualquer relação com a gravadora e suas subsidiárias por 2 anos. Todos continuaram suas carreiras musicais na Austrália, com bandas de relativa expressão por lá e Vince Maloney até tocou com os Bee Gees (depois de 30 anos afastado da banda) em um concerto na Austrália.
Meu caro leitor, não se deixe levar pela prepotência atrapalhada da garotada e do desastre do departamento de marketing da MCA, pois o único disco do Fanny Adams é tão agressivo quanto batidas nas portas das orelhas. O som é rude e seu charme é justamente a naturalidade de seu estado inacabado e selvagem. É um rock que inspira força, vontade, veias e artérias em alta pressão. Alguns quilowatts a mais foram necessários para transformar os impulsos sexuais do blues em algo ainda mais forte e poderoso. Uma guitarra rasgada, um vocal abusadamente portentoso e uma retaguarda soberba é o que você tem nesse disco. Um paredão sonoro monolítico, que não deve ser preterido por todos os iniciados nos primórdios do heavy-rock.
Tralha da maior qualidade! Formada por músicos talentosos, a banda Fanny Adams (o nome é maldito…) sucumbiu diante do excesso de pretensão e da guerra interna de egos. Convenhamos: a concorrência era forte demais naqueles tempos, havia muitas bandas excelentes que não conseguiram passar do primeiro disco. Anunciar-se como “a banda que engoliria as outras” foi uma enorme bobagem. No mais, o disco é bom. Mas há tralhas bem melhores…