Por Micael Machado
Fotos por Lú Ruzzarin Basso
Para que os caros leitores possam compreender a importância deste show para mim, é necessário que eu faça uma “introdução explicatória” antes de começar a falar dele. Foi lá por 1989 ou 1990 que a música “Patience” do Guns And Roses começou a tocar muito na rádio FM que eu escutava lá no interior do Rio Grande do Sul. Graças a um amigo de um amigo que possuía os vinis de Appetite for Destruction e Lies (internet naquela época era coisa de ficção), pude conhecer os dois álbuns e um pouco mais daquela banda e daquele som novos em minha vida (eu que na época achava que os Titãs faziam “música pesada”, para terem ideia!).
Em 1991 comprei minha primeira revista Bizz, com Axl Rose na capa e um dossiê do vindouro “disco triplo, talvez quádruplo” do Guns, que acabaria sendo os dois volumes de Use Your Illusion, lançados no mesmo ano. Em janeiro daquele ano, a banda já havia se apresentado no segundo Rock in Rio, onde pude “conhecer” pela televisão aos membros da banda, especialmente Axl e um guitarrista de cabelos na cara o tempo todo, óculos escuros e uma cartola enterrada na cabeça, chamado Slash. O grupo virou meu “preferido de todos os tempos”, e quatro músicas então desconhecidas chamaram muito a minha atenção naquele show: “Double Talkin’ Jive” (a qual ainda considero a melhor versão que já ouvi a apresentada naquele festival), o tema do filme “Poderoso Chefão”, interpretado magistralmente por Slash, “Estranged” e “Civil War”, duas canções poderosas e que até hoje me causam arrepios quando escuto!
O tempo passou, o Guns perdeu sua importância tanto na minha vida quanto em termos mercadológicos, e quase vinte anos depois, em 2010, Axl e seus novos asseclas se apresentaram em Porto Alegre, em show a que não assisti para poder ver o Dream Theater pela primeira vez. Em 2011, foi a vez do baixista Duff McKagan tocar na cidade com o seu grupo Loaded, em um show que resenhei
aqui. E, em 2012, finalmente aquele marcante guitarrista veio se apresentar na capital gaúcha, para grande alegria de minha parte e de tantos fãs que aguardavam há tempos para assistir a um show dele. Finalmente, eu iria ver Slash tocando ao vivo a poucos metros de mim, como já fiz antes com tantos outros músicos menos marcantes em minha história do que ele.
Pois ver Slash foi o que eu menos fiz na noite de sexta feira no Pepsi On Stage (minto, o guitarrista base Frank Sidoris e o baixista Todd Kerns eu vi menos ainda). Graças à controversa “Pista Vip” (cujo ingresso custava três vezes mais do que a pista comum e era quase do mesmo tamanho da outra, apesar de ter menos pessoas), à superlotação do local e à maldita inclusão digital, pouco pude assistir de um espetáculo que aguardei por tanto tempo. A grade da pista VIP estava quase no meio do local, e, enquanto o pessoal lá dentro parecia curtir o show numa boa, no lado “comum” da pista a coisa estava de desafiar aquela lei da física que diz que “dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço”. A lotação e o calor estavam de tal tamanho (a temperatura na capital gaúcha durante o dia beirou os 35 graus, e à noite não ficou muito abaixo disso) que lembraram o trágico
show do Iron Maiden em 2008. O Pepsi on Stage tem uma das melhores estruturas para espetáculos de Porto Alegre, mas desta vez a produção errou feio ao super lotar o local, e por pouco a coisa não ficou preta ali no meio, com muita gente passando mal e algumas meninas quase desmaiando, sendo retiradas da pista por outras pessoas em um estado lastimável (além de serem vítimas de roubos, como uma que reclamava de ter tido sua câmera furtada). Foi a primeira vez (e, espero, a última) que presenciei estes fatos neste local, e olha que já assisti antes no Pepsi a outros grupos que também esgotaram os ingressos do local (mas, nestes, não havia “Pista Vip”, entendem?).
Além disso, a multidão de máquinas fotográficas, celulares e diversos outros aparelhos eletrônicos jogados em meu campo de visão era uma coisa absurda. Não precisava nem ser um solo de Slash ou uma música mais conhecida do Guns And Roses para que eu e meu sobrinho Maurício Machado (em seu primeiro show de rock, aos dezesseis anos) enxergássemos mais mãos e aparelhos do que o grupo no palco, assim como muita gente perto de nós. Maldita inclusão digital, agravada por algumas meninas sem noção da pista VIP que subiram nos ombros de seus companheiros e, mesmo recebendo uma saraivada de latinhas e garrafas plásticas nas costas, não desciam dos mesmos nem deixavam ninguém ver nada, em um comportamento lamentável e indefensável.
Porn Queen na abertura (foto de Micael Machado)
Devido ao atraso do ônibus que trouxe meu sobrinho do interior do estado, acabamos perdendo o show de abertura da banda local Zerodoze, e entramos no Pepsi no começo da apresentação da Porn Queen, grupo brasileiro sediado em Luxemburgo (um pequeno país europeu) que acompanhou Slash nos shows do Brasil nesta turnê. A dificuldade para acharmos um local para ficarmos fez com que eu não prestasse muita atenção ao grupo, mas a cover de “Man In The Box”, do Alice in Chains, foi muito bem recebida pelo pessoal, assim como outras músicas do repertório glam/sleaze interpretado pelo grupo. Foi interessante, mas não deu para me identificar muito.
Uns quinze minuitos antes da hora marcada (a famosa pontualidade britânica funcionou ao contrário nessa noite – para quem não sabe, Slash é nascido na Inglaterra, apesar de ter sua história ligada à cena de Los Angeles), uma introdução instrumental começou a rolar no som ambiente, e uma voz anunciou:
“Porto Alegre, are you ready to rock and fuckin’ roll?”. Era a senha para Slash, o vocalista Miles Kennedy e o grupo The Conspirators (formado pelos citados Frank Sidoris e Todd Kerns, além do baterista Brent Fitz) entrarem no palco detonando “Halo”, do
disco Apocalyptic Love, cuja turnê servia de divulgação.
Miles Kennedy e Slash no palco do Pepsi On Stage
Em duas horas de muito suor e diversão (prejudicadas em muito pelos aspectos citados acima), Slash passeou por sua longa carreira (só em estúdio, são cinco discos com o Guns, dois com o Snakepit, dois com o Velvet Revolver e dois em carreira solo), desfilando clássicos como quem toca descontraidamente em um quartinho com um grupo de amigos. Claro que nem tudo foram flores, pois o contestado vocalista Miles Kennedy mostrou mais uma vez que é difícil compreender como um sujeito com o talento de Slash o escolheu para ser seu parceiro musical (o cara se torna irritante por vezes ao tentar atingir timbres mais altos do que sua gargante permite, e sua voz esganiçada por vezes fica no limite do suportável). Nas músicas do disco mais recente (e foram várias), a coisa não era tão ruim, por não termos comparação. Mas, quando a canção tinha outro vocalista na versão de estúdio (especialmente nas músicas do Guns, mas também em “Been There Lately”, do Slash’s Snakepit, ou “Slither”, do Velvet Revolver), ficava difícil não lembrar da forma original e perceber que Miles não lhes acrescentava nada, bem ao contrário. Sei que muitos gostam de seu vocal, mas, sinceramente, não é o meu caso.
Slash nos backing vocals de “Doctor Alibi”
Tanto que, nas
duas canções em que o baixista Todd Kerns assumiu o microfone (“Doctor Alibi”, que tem os vocais de Lemmy Kilmister do Motörhead em sua versão de estúdio, e uma velocíssima “You’re Crazy”, originalmente gravada pelo Guns), ficou claro para mim que Slash tem a seu lado um grande vocalista, só que o deixa longe do microfone por algum motivo desconhecido. Apesar do estilo vocal ser bem diferente nas duas músicas, Todd deu conta das mesmas com facilidade, cantando com garra, presença de palco e imposição vocal, demonstrando até mais carisma que o vocalista principal do grupo (claro, levando-se em conta o pouco que pude assistir da apresentação). O show do Rio de Janeiro transmitido pelo canal Multishow já tinha sinalizado isso, e, ao vivo, tive certeza de que o baixista seria uma escolha melhor para o posto de vocalista do que o controverso Miles. Vá entender a cabeça de Slash!
Poucas músicas fora de Apocalyptic Love ou do repertório do Guns foram apresentadas. As citadas acima foram as únicas do Snakepit e do Velvet Revolver, e o próprio disco Slash, de 2010, teve, além de “Doctor Alibi”, apenas as canções “Ghost”, “Back from Cali” e “Starlight” (esta última já no bis, frustrando minhas expectativas de ouvir mais uma canção clássica do Guns, como Slash fez em outros shows desta turnê brasileira) interpretadas pela banda (e não é demais citar que as duas últimas são as que contam com a presença de Miles naquele disco). Eu tinha esperanças de ouvir “Beggars and Hangers On”, do Snakepit, e “By The Sword”, do primeiro disco solo do guitarrista (as duas chegaram a ser tocadas em outros shows no Brasil), mas acabei ficando só na vontade mesmo. Uma pena, pois considero as duas bem melhores que muitas das músicas selecionadas pelo guitarrista.
Slash em meio a mais um solo memorável
Uma das coisas que mais me chamou a atenção nos shows desta turnê brasileira foi que Slash assumiu de vez seu lado icônico, e se apresentou em todas as noites com aquela imagem que todo fã tem dele: calça de couro bem apertada (e, de acordo com sua
autobiografia, sem nada por baixo), óculos escuros, cabelão cobrindo o rosto e a indefectível cartola enterrada na cabeça, e durante todo o espetáculo, como há tempos ele não fazia. Além disso, resolveu dar ao povo muito daquilo que ele queria ouvir, ou seja, muitas canções do Guns And Roses. As sete músicas do disco novo presentes no repertório foram muito bem recebidas pelo pessoal (até porque o álbum é bom pacas), mas nada superava a empolgação e a histeria causadas por cada música da antiga banda do guitarrista que era apresentada. “
Nightrain” veio logo no início, e as outras seis músicas do grupo interpretadas ao longo da noite causaram todos os tipos de sentimento nas sete mil pessoas presentes ao local, menos indiferença. Nestas horas, ficava simplesmente impossível enxergar qualquer coisa que se passava sobre o palco, visto a quantidade enorme de aparelhos eletrônicos, mãos balançando, gente pulando, garotas sobre os ombros de seus companheiros e à histeria generalizada que as mesmas causavam no pessoal. Coisa de louco, e impressionante, apesar de ser frustrante você não poder curtir com calma às músicas que você mais esperava durante a noite. Para mim, o momento mais marcante ocorreu em “
Civil War“, pois achava que esta canção estaria de fora do repertório, visto já ter sido apresentada em São Paulo nesta mesma turnê. Mas Slash a executou com perfeição, assim como ao também inesperado tema de “
Poderoso Chefão“, e estas duas músicas me levaram direto a 1991 e à sala de meus pais, de onde assisti àquelas apresentações no Rock In Rio que tanto me marcaram. Foi de arrepiar, sem sombras de dúvidas, e dois momentos que dificilmente irei esquecer em minha vida, assim como a versão para “Rocket Queen”, que sempre foi a minha música favorita dentro do repertório do Guns, e que aqui recebeu um solo bem viajante na sua parte central.
“
Sweet Child O’ Mine” foi a que causou mais comoção e histeria, disputando este título pau a pau com “
Paradise City“, que fechou o espetáculo com muita empolgação, chuva de papel picado sobre o público e choros descontrolados por parte de muitas garotas presentes ao local. A noite encerrava em alta, e ficava a certeza de termos presenciado a um show marcante na história da cidade, infelizmente prejudicada pela produção do evento, que, ao favorecer a pequena porcentagem de pessoas que teve condições de pagar os abusivos preços da pista Vip, prejudicou a grande maioria do público presente ao local, o qual, mesmo assim, ainda vai ter muitas histórias para contar de uma noite memorável.
“Don’t you know that I feel alright doin’ what I do?”
Setlist:
1. Halo
2. Nightrain
3. Ghost
4. Standing in the Sun
5. Back From Cali
6. Been There Lately
7. Civil War
8. Rocket Queen
9. Crazy Life
10. Not for Me
11. Doctor Alibi
12. You’re Crazy
13. Hard & Fast
14. Guitar Solo / Godfather Theme
15. Anastasia
16. You’re a Lie
17. Sweet Child O’ Mine
18. Slither
Bis:
19. Starlight
20. Paradise City
Sete mil pessoas no Pepsi On Stage??? Ta de brincadeira né??
Bom, a inveja bate. Ouvir Civil War com O CARA deve ter sido algo. Legal que o Mauricio foi e curtiu um idolo dele (como foi para mim com Steve Howe em 1998). Tomara o Gigantinho ficar pronto de vez para poderem fazer mais shows la. É o local mais indicado em Porto Alegre (junto do estádio do Zequinha) para shows de grande porte.
E essa maldita inclusão digital TEM QUE SER veemente banida dos shows. Tem que proibir entrada de celular, camera fotografica, i-isso, mas, é mais facil vetarem uma camisa do que um aparelho eletrônico.
Ah, e em 1991 eu tava na madrugada assistindo aos shows junto do Micael. Grandes bons velhos tempos que a Globo transmitia tudo ao vivo, não só o rock in rio, mas o Hollywood rock também (é, isso acontecia gente)
Pois é, 7 mil até parece brincadeira mesmo, deve ter sido lotação extrema, ainda mais levando em conta a existência da execrável pista vip. Eu devo ser dos poucos que curtem o trabalho do Myles com o guitarrista, pois acho que ele geralmente se sai bem, mandando ver em músicas registradas originalmente por vocalistas bastante díspares. Inclusive, gosto do fato de "Starlight" e "Back from Cali" estarem no set, pois, além de serem as duas registradas por Myles no primeiro disco de Slash, são minhas favoritas no álbum.