Tralhas do Porão: May Blitz
Por Ronaldo Rodrigues
O May Blitz nasceu a partir das cinzas do Bakerloo, um grupo de curta e intensa trajetória no cenário blues-rock britânico no fim da década de 1960. O Bakerloo havia sido gerido pelo guitarrista Dave “Clem” Clemson em fevereiro de 1968. Seu parceiro de empreitada era o baixista Terry Poole e vários bateristas ocuparam a cadeira rítmica até a banda se firmar com Keith Baker. O nome do grupo também foi sucessivamente modificado até se estabilizar: inicialmente era London Underground’s Bakerloo Line, depois virou The Bakerloo Blues Line e, por último, apenas Bakerloo. O grupo se apresentava com freqüência em um pub de Birmingham. Após obterem algum prestígio junto ao público, saíram pela Inglaterra afora promovendo seu som junto com o grupo Earth, o embrião do Black Sabbath. Outro feito de valor histórico do Bakerloo foi ter aberto o primeiro show do Led Zeppelin em Londres, ocorrido no Marquee Club em outubro de 1968. O Bakerloo conseguiu um contrato com o selo Harvest e lançou alguns singles e um álbum completo de boa recepção junto a crítica. Contudo, o ambiente entre os membros do grupo não ia nada bem e Dave Clemson já estava a procurar outros camaradas para continuar tocando. Nessa busca, ele acabou indo parar no Colosseum, um grupo já bastante renomado na ocasião, substituindo o guitarrista e vocalista James Litherland. Alguns anos depois, Clemson manteria-se no primeiro esquadrão do rock britânico assumindo a segunda guitarra do Humble Pie.
Por outro lado, os dois remanescentes do Bakerloo – Terry Poole e Keith Baker – permaneceram juntos no objetivo de formar uma nova banda. Porém, logo Baker receberia um convite para ser o baterista da primeira formação do Uriah Heep e deixaria o projeto com Terry Poole. O caminho do baixista se cruzaria com o de Tony Newman, jovem baterista londrino que havia sido dispensado recentemente do Jeff Beck Group. Newman também havia tocado com dois outros importantes grupos da época, o Sounds Incorporated e o Hollies (de Graham Nash). Conhecendo seu talento como baterista, um produtor sugeriu a Newman tentar formar seu próprio grupo e o apresentou a Terry Poole. Ambos passaram a fazer audições com guitarristas para completar o time e o escolhido havia sido James Black, um canadense que estava tentando a sorte em Londres. A coisa no entanto não estava funcionando muito bem na relação musical entre Terry Poole e os outros dois músicos. Enquanto montavam o repertório e se preparavam para pegar a estrada, Terry Poole recebeu um convite para ser o baixista do Vinegar Joe (junto com Robert Palmer e Elkie Brooks). Restou para James Black e Tony Newman recrutarem um novo nome para o baixo. James Black então acionou Reid Hudson, um amigo que também era canadense, para juntar-se ao agora nascente May Blitz.
Com a nova formação, o May Blitz rapidamente descolou apresentações pelo circuito de pubs de Londres e um contrato com a Vertigo, que era uma subsidiária da Phillips Records ávida por novidades e ousadias sonoras. O contrato foi obtido a partir da reputação que a banda construiu nos palcos mesmo com poucos meses de existência. A banda entrou em estúdio com algumas faixas recém compostas e gravou tudo de forma expressa, como era praxe na época. Tony Newman usava na época uma baterista Ludwig dada por ninguém menos que John Bonham do Led Zeppelin, que era seu amigo. O trabalho foi produzido pela Vertigo, chegando ao mercado no início de 1970 e lançado simultaneamente na Inglaterra, Alemanha, Espanha, EUA e Canadá. Como sabido, a Vertigo não era um selo muito preocupado em promover seus artistas com relação a tours e exposições no rádio ou TV, mas mesmo assim o May Blitz fez shows em várias cidades inglesas, incluindo também França, Bélgica, Alemanha e EUA. Nos EUA, seu show de estréia foi como banda de abertura em um show dos Beach Boys, o que não foi uma boa idéia dado a grande disparidade de som entre as duas bandas e o perfil do público presente. Na Europa, o May Blitz fez vários shows com o Black Sabbath, que era uma banda em franca ascenção no início dos anos 70. Mas nada de muito marcante acontecia para os caras, a despeito da repercusão sempre positiva de seus shows junto a platéia.
May Blitz, o álbum, não tinha nada que lembrasse um “hit” ou algo similar, ainda que duas faixas tivessem sido lançadas em compacto meses depois do álbum chegar ao mercado (“Fire Queen” e “Virgin Waters”). O som da banda buscava transformar o blues e o folk em algo totalmente novo. É possível perceber fragmentos dos dois estilos o tempo todo no álbum, mas assim como Jethro Tull, Pentangle e East of Eden, o May Blitz cozinhava todos esses elementos em brasa lenta para obter um resultado totalmente próprio. Seu álbum de estréia é bastante original e se aproxima da aura ameaçadora e sombria presente nos discos do King Crimson ou do Black Widow. Apesar da formação trio e do background blueseiro do grupo, o May Blitz passava longe de emular o Cream. Além de contar com instrumentistas de mão cheia e bons arranjos em todas as suas faixas, o disco ainda é premiado com uma excelente qualidade de gravação. O disco tem uma arte gráfica bastante peculiar, feita por Tony Benyon e foi produzido por Barry Ainsworth, engenheiro de som que dentre outros feitos foi responsável pelos console na faixa “Bohemian Rhapsody” do Queen, além de ter também trabalhado com os Kinks, Deep Purple, Jack Bruce e Yes.
No ano seguinte, conhecendo as qualidades e o potencial do grupo, a Vertigo dá mais uma oportunidade e o segundo disco da banda chega ao mercado, batizado de The 2nd of May. Bastante eclético, o trabalho soa tão imponente e variado quanto o primeiro. A abertura “For Mad Men Only” é uma das faixas mais pesadas gravadas naquele ano;”In Part” e “8 Mad Grim Nits” tem influências jazzistas e excelente seções instrumentais e “High Beech” é um delicioso folk-rock que se destaca no disco.
Mas tudo continuou mais ou menos no mesmo lugar, ainda que a banda tivesse feito bons shows e obtido algumas boas vitrines em festivais. Poucas vendas, sem hits no rádio, e o pouco esforço dedicado pela Vertigo fizeram Newman e os demais desistirem. A Vertigo, também vendo que o segundo álbum não decolava por si só, rompeu o contrato. James Black e Reg Hudson retornaram para o Canadá e sumiram do meio musical. Já Newman foi recrutado pelos irmãos Gurvitz (que eram do Gun) para seu novo e poderoso trio, o Three Man Army (cuja trajetória foi detalhada em outro texto nosso – leia aqui). Os discos do May Blitz foram relançados ao longo dos anos e, recuperando material de arquivo, a banda lançou em 2011 pelo selo Garden of Delights um registro ao vivo de um show em Essen, na Alemanha, em 1970. De resto, é lamentar o ocaso repentino de um grupo com tanto potencial quanto o May Blitz.
Bandaça. O álbum de estreia é sensacional. Baita resgate!!
Valeu Mairão! gosto muito dos dois álbuns!
Abraço,
Não conhecia eles. Que banda fenomenal. Obrigado por divulgar.
May Blitz é um daqueles casos em que a banda foi injustiçada em seu tempo. Dona de um som poderoso e grandes músicas, merecia uma sorte melhor. “For mad men only”, “Smoking the day away”, “Fire queen” e “Squeet” são as minhas favoritas dessa banda. Uma banda que teve destino similar: Patto, outra bela tralha do porão.