Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Steve Hackett – The Night Siren [2017]
Por Mairon Machado
Durante 7 anos, o guitarrista inglês Steve Hackett ficou responsável por coordenar as cinco cordas do grupo Genesis, um dos mais importantes nome da cena prog britânica na década de 70, ao lado de Yes, King Crimson, Pink Floyd e Emerson Lake & Palmer. Em 1977, ele abandonou o grupo, buscando novas sonoridades, e seguiu em carreira solo de relativo (ou pouco) sucesso. Hackett realmente voltou à mídia musical em 1986, quando ao lado de Steve Howe, naufragou titanicamente no projeto GTR (de sucesso temporário apenas para quem amava o Pop oitentista).
A partir dos anos 90, o guitarrista resolveu reviver seu passado no Genesis, e investiu pesado nisso, através de Genesis Revisited (1996). Nos anos 2000, montou uma parceria com o grupo húngaro Djabe, participando de vários discos do quinteto, revisitou o Genesis em mais um álbum (Genesis Revisited II, de 2012) até chegar ao seu vigésimo quarto (!) disco de estúdio em 2017, The Night Siren. O álbum foi lançado em diversos formatos, como edição normal em CD, edição Deluxe CD + Blu-Ray, Vinil + CD, e edições limitadas em vinis verde, branco e a linda versão northern light, com o vinil trazendo as cores de uma aurora boreal.
Acompanhado de diversos convidados (os únicos músicos fixos são Rob Townsend, no saxofone, flauta, pífaro, quena, duduk e clarinete, Christine Townsend no violino e viola, e Dick Driver no double bass), tendo como principal deles Roger King, responsável pelos teclados e arranjos (exceto na canção “The Gift”, conforme será mencionado), Hackett criou ao lado da esposa Jo Hackett (parceira em 7 das 11 faixas do disco) um álbum muito interessante, misturando elementos e instrumentos de diversas regiões do mundo. The Night Siren passou despercebido por mim quando de seu lançamento, mas nos últimos meses, virou uma constante nas audições que tenho feito no trabalho ou no carro. Hackett é responsável pelas guitarras, alaúde, charango, sitar elétrica e vocais, e você se surpreende como a voz de Hackett é muito boa de se ouvir, com um grave particular mas adocicado, bem diferente do agudo Phil Collins ou da fanha Gabriel.
O álbum começa muito bem, com “Behind the Smoke”, uma faixa bastante progressiva, cuja introdução lembra David Bowie em Blackstar, mas que com seu andamento marcial, revela uma canção que alegra de imediato os admiradores de um som jurássico, ainda mais quando Hackett solta a mão para fazer mais um dos seus incontáveis solos majestosos. A grande atração aqui além do solo de Hackett é a orquestração, muito bonita e envolvente, além de Malik Mansurov no Tar (instrumento tradicional da região do cáucaso). O trecho acústico na segunda metade da faixa já a coloca de cara entre as prováveis favoritas em The Night Siren. As orquestrações também aparecem em “Fifty Miles from the North Pole”, uma canção extremamente moderna, com batidas eletrônicas por conta de Gary O’Toole e vocalizações carregadas de efeitos, mas que vale pelo solo Lamb Lies Downiano que Hackett cria. Nessa faixa, temos Ferenc Kovács no trompete e Sara Kovács no didgeridoo (instrumento de sopro dos aborígenes australianos).
É bonito ouvir o violão de Hackett na linda “Other Side Of The Wall”, com um dedilhado clássico no início, e aquele dedilhado acelerado característico de seu período inicial no Genesis, para abrir aquele sorriso na face do fã. Uma faixa onde o guitarrista mostra que além de exímio nas seis cordas, ele também sabe soltar a voz muito bem. “Anything But Love” também traz o violão como instrumento central, aqui em um ritmo flamenco descomunante. O que Hackett faz ao violão nessa faixa é para se parar tudo o que está fazendo e ouvir com atenção, mas, é só na introdução. Depois, cantando ao lado de Amanda Lehmann, tornar-se algo que nem nos piores momentos do GTR poderíamos imaginar Hackett participando. Como positivo, fica o solo de Hackett com a harmônica, e claro, a bela introdução flamenca. Outra faixa mais abaixo é “In The Skeleton Gallery”, com um andamento arrastado e bem diversificada nos ritmos, ora pesada, ora complexa, ora moderna, ora conservadoramente progressiva. Uma faixa estranha, que ainda não me caiu bem.
Porém, esses pequenos deslizes são compensados ao longo de The Night Siren. A experimentação musical de “In Another Life”, por exemplo, é surpreendente. O ritmo dos violões na introdução parece nos levar aos tempos medievais. Já a entrada dos vocais tornam a canção quase que apropriada para um luau, e dominada pelas belas vocalizações femininas. Boa faixa, com uma segunda metade surpreendente, onde a gaita irlandesa de Troy Donockley predomina de forma encantadora.
“Martian Sea” possui um andamento veloz, graças a participação de Nick D’Virgilio na bateria, com grandes vocalizações e a flauta de John Hackett que nos remetem a Moody Blues, porém com toques mais modernos, sem permitir o brilho dos solos melódicos das guitarras de Hackett, que aqui mostra um lado virtuoso praticamente desconhecido pelos que o conhecem apenas nas bandas citadas no início do texto. Destaque para o rápido solo de Sitar Elétrica feito por Hackett. Outra faixa onde os violões surgem com força é a baladaça prog “West to East”. O dedilhado dos violões tipicamente Hackettianos são intercalados por trechos vocais muito belos, que trazem a participação dos israelenses Kobi Farhi e Mīrā ‘Awaḍ, assim como Jo Hackett. A bateria ficou a cargo de Gary O’Toole, e o irmão de Hackett, John Hackett, apresenta um belo trabalho na flauta. O arranjo orquestral aqui, com o tema dos violinos, é muito belo.
Os instrumentos andinos tocados por Townsend estão presentes na bonita “Inca Terra”, faixa com uma harmonia típica dos Andes, e com Hackett brilhando novamente ao violão. Curto muito as vocalizações centrais, a cargo de Hackett, Amanda e Nad Sylvan, que facilmente remetem à Yes, e a parte percussiva que leva ao solo de guitarra é sensacional. Aliás, o pique desse solo vai fazer você certamente lembrar de “Los Endos”, e é outra forte candidata a melhor de The Night Siren.
Das faixas instrumentais, “El Niño” é uma potente canção, onde tudo o que podemos esperar de Hackett na guitarra está ali, ou seja, um solo melodioso, mas inspirado, que em alguns momentos me remeteu a fantástica “Please don’t Touch”, gravada por Hackett no álbum homônimo de 1976. A bateria aqui está novamente a cargo de Gary O’Toole. Na outra, “The Gift”, os teclados de Benedict Fenner e Leslie-Miriam Bennett fazem a cama para Hackett solar gloriosamente, como que mostrando aos fãs o presente que recebeu que é o dom de tocar (E MUITO BEM). Solo tocante, para emocionar estátuas, e fechar com chave de ouro um belo álbum.
Acompanhando o encarte, vamos lendo textos de Hackett que vai nos contando como criou as canções e o conceito para The Night Siren. Então, descobrimos que “Behind the Smoke” é uma homenagem as raízes da família Hackett, “In The Skeleton Gallery” é uma lembrança dos pesadelos de infância de Hackett, “Inca Terra” é uma homenagem do casal para as florestas peruanas do Vale Sagrado, “Other Side of the Wall” é uma história de um sonho de amor que Steve e Jo tiveram, entre outras histórias de um belo disco, que acredito que deve agradar não só a mim, mas todos os fãs de Genesis e rock progressivo em geral.
Tracklist
1. Behind the Smoke
2. Martian Sea
3. Fifty Miles from the North Pole
4. El Niño
5. Other Side Of The Wall
6. Anything But Love
7. Inca Terra
8. In Another Life
9. In The Skeleton Gallery
10. West To East
11. The Gift