As Aventuras Progressivas de Roy Buchanan
Por Ronaldo Rodrigues
Roy Buchanan é um guitarrista cultuado no universo do blues-rock, cujo reconhecimento pela crítica foi pouco acompanhado de sucesso comercial. Sua reputação foi sendo conquistada pouco a pouco, especialmente a partir da admiração dispensada por outros músicos ao talento e autenticidade de seu estilo. Roy Buchanan ganhou a alcunha de “melhor guitarrista desconhecido do mundo”, o que sumariza bem esse descompasso entre a repercussão com a crítica e a pouca atenção do público.
Em 1976, Roy Buchanan conseguiu um contrato com a poderosa gravadora norte-americana Atlantic Records para produzir três discos, após uma consistente sequência de álbuns pela Polydor, ainda que o desempenho desses álbuns nos charts tenha sido, no máximo, mediano. Na ocasião do contrato com a Atlantic, Roy Buchanan já estava incorporando outros temperos ao seu estilo, como a soul music, o funk, bem como a inclusão de sintetizadores e naipes de metais em suas músicas. A faixa “Guitar Cadenza” do álbum A Street Called Straight (1976) mostra um surpreendente exercício de música experimental, no qual Roy gravou diversas camadas de guitarra carregadas de efeitos.
Já no ano seguinte, um novo álbum de Roy Buchanan chegava ao mercado – The Loading Zone. Novos lampejos progressivos apareciam logo na empolgante faixa de abertura, The Heat of the Battle, e a belíssima balada acústica Hidden trazia algo de erudito em suas melodias. As demais canções do álbum derivavam do blues e suas variantes, trazendo a fantástica assinatura de Roy Buchanan como guitarrista. O álbum, porém, não fez Roy sair da zona cinzenta que seus trabalhos de estúdio sempre atingiam. A Atlantic Records não estava inclinada a fazer novos investimentos caso o álbum seguinte não revertesse esse quadro.
Em 1978, Buchanan resolveu dar sua última cartada de uma forma diferente. Juntou-se ao produtor Raymond Silva e foram para os estúdios da Atlantic em Nova York. Lá montaram uma banda inteiramente nova, contando com Willie Weeks no baixo, Andy Newark na bateria, Ray Gomes na guitarra de apoio e o tecladista Jean Roussel (que não foi creditado no álbum). Weeks já havia sido baixista na banda de Donny Hatway e Aretha Franklin; Andy Newark tinha sido membro da Sly and Family Stone e Ray Gomes vinha do jazz-rock, onde tocou com Lenny White, Stanley Clarke e outros grandes nomes. Apesar do retrospecto dos músicos nos terrenos da música negra, o álbum que resultou desse ajuntamento – You’re Not Alone – é inspirado claramente no Pink Floyd, tanto na forma quanto no conteúdo.
A conexão com o Pink Floyd torna-se mais compreensível quanto se percebe o quanto o Pink Floyd veio do blues. Aquelas atmosféricas conduções de bateria, baixo e teclados nas quais a guitarra de Dave Gilmour se deleitava eram, em última instância, exercícios da vertente mais chorosa do blues. A medida que os anos foram passando, o Pink Floyd foi desenvolvendo uma maneira absolutamente peculiar de executar esse conceito, dando uma clima sideral a essa herança blueseira. E é a partir desse ponto, com essas mesmas premissas, que o repertório do álbum de Roy Buchanan se desenvolve. Desnecessário dizer o quanto Roy Buchanan era especializado em fazer sua guitarra chorar e fazer canções blues muito eloquentes. Sua banda de apoio trouxe, com muita competência, o restante da base para que You’re Not Alone soasse altamente viajante. A capa do álbum também procura deixar isso claro ao ouvinte. Com isso, You’re Not Alone ganhou um espaço totalmente peculiar na discografia desse grande guitarrista norte-americano.
A abertura, chamada Miles from Earth, mostra ao ouvinte a sonoridade psicodélica construída a partir dos teclados de Jean Russel, que se conectam facilmente com os teclados de Richard Wright em Wish You Were Here e Animals. Em seguida, vem uma interessante releitura instrumental de Turn to Stone, de Joe Walsh, na qual Roy Buchanan mostra seu poderio na guitarra. Fly Night Bird é um grande destaque do álbum, já que cada frase de guitarra expande-se maravilhosamente no ambiente por sobre uma base introspectiva. A mesma pegada sutil é apresentada em uma bela versão para Down by the River, de Neil Young (a única faixa cantada deste álbum). A maior das viagens, contudo, estava reservada para o final na faixa título, que conta com icônicos sons de sintetizadores e solos devastadores de Roy Buchanan. Uma das melhores faixas de rock progressivo gravadas naquele ano de 1978, tranquilamente.
É triste constatar, porém, que mesmo tendo mudado bastante o direcionamento de seu som, Roy Buchanan não conseguia atingir um outro patamar de sucesso. O disco vendeu mais ou menos o que seus trabalhos anteriores vinham obtendo, ou seja, muito pouco face a qualidade do material. Sabendo que a dispensa da Atlantic era iminente, Roy Buchanan colocou-se em um hiato do meio musical por 2 anos, decepcionado com os rumos da indústria fonográfica e do mercado musical da época. Apenas em 1980 voltou a registrar novos trabalhos, dessa vez pelo selo Alligator, recuperando o blues em seus formatos mais tradicionais.
Roy Buchanan é um daqueles músicos que são criminosamente injustiçados e raramente são lembrados nas listas dos melhores da guitarra. Essa fase dele na Atlantic Records não é particularmente muito interessante na minha opinião (nada bate o período inicial da carreira dele, para mim!), embora tenha rendido boa coisa (a coletânea “Guitar On Fire” traz o melhor do período e é uma ótima opção para quem quer travar contato) – do mesmo período, vale a pena procurar “Live in Japan”, exclusividade nipônica por muito tempo e depois relançado pela Repertoire Records.