Tralhas do Porão: Blue Mountain Eagle
Por Ronaldo Rodrigues
O Blue Mountain Eagle engrossa as fileiras das “bandas de um disco só”. O rock norte-americano do fim dos anos 60 gerou uma horda enorme de grupos nessa condição. Havia, na indústria fonográfica, uma busca urgente pelo “santo Graal” do rock psicodélico ou alguém para fazer frente a segunda onda da invasão britânica (mais especificamente o Led Zeppelin, que varreu os EUA de ponta-a-ponta). Nossos heróis de hoje foram uma das apostas nesse contexto acirrado, no qual o rolo compressor não descansava – se o sucesso não viesse em poucos meses, tudo era desfeito.
O Blue Mountain Eagle surgiu das cinzas do Buffalo Springfield. O Buffalo Springfield (de onde Stephen Stills e Neil Young foram revelados) teve uma trajetória um pouco parecida com a do Cream na Inglaterra – egos inflados e talentos enormes convivendo no mesmo grupo, dois anos de intensas atividades e três espetaculares discos de estúdio. Quando a banda se desmontou, o baterista Dewey Martin acabou ficando na pista e tentou reformar a banda, como New Buffalo Springfield.
Dewey Martin havia se juntado a alguns músicos que tinha conhecido em Las Vegas. Eram eles – Don Porcher (bateria), Gary Rowles (guitarra), Bob Aperson (baixo) e Jim Price (sax, instrumentos de sopros). O próprio Martin deixou a bateria com Porcher e assumiu os vocais; Jim Price posteriormente ficou bastante reconhecido pelos trabalhos com Joe Cocker (Mad Dogs & Englishment) e Rolling Stones. Já na Califórnia, a galera estava na casa de Mike Nesmith, guitarrista dos Monkees. Nesmith ligou então para um amigo talentoso, o guitarrista e vocalista texano David Price. Price estava na Califórnia por algum tempo tentando a sorte como músico. A empolgação de Nesmith no telefone fez com que Price topasse a empreitada para assumir a segunda guitarra do New Buffalo Springfield e com que Dewey Martin achasse essa uma boa ideia.
A banda rodava um pouco pela área, ora como New Buffalo Springfield, ora como Buffalo Springfield mesmo, de acordo com o nível de embromação que o empresário do grupo achasse conveniente. Depois de alguns poucos shows (alguns até sob a alcunha de Blue Buffalo), os músicos todos viram que aquela era uma barca furada, apesar do bom trânsito que Dewey Martin tinha com os executivos de gravadoras. O grupo tinha uma sessão de gravação para uma demo no conceituado Sunset Sound em Los Angeles, custeada pela poderosa Atlantic Records. Mas o dia não estava favorável e nada de muito marcante saiu dali. Apenas Newman ficou com Martin após a debandada geral, e ambos estavam atrás de um novo time de músicos. O empresário do grupo na ocasião, Mike Zalk, recrutou músicos capazes de tocar e cantar bem para a nova encarnação do “New” Buffalo Springfield – Randy Fuller (baixo), Bob BJ Martin (guitarra) e Joey Newman (guitarra), sendo que todos contribuíam com os vocais. Então, o quinteto com Dewey, na bateria dessa vez, fez mais uma sequência de shows não lá muito tranquilos, até que o próprio Mike Zalk demite (!) Dewey Martin. Como mais nenhum resquício de Buffalo Springfield existia, o grupo resgata o baterista Don Porcher e se batiza como Blue Mountain Eagle, nome retirado aleatoriamente de uma página de jornal do Oregon que alguém da banda leu durante a tour ainda com Dewey Martin.
O Blue Mountain Eagle, um quinteto com três guitarristas em que todos cantavam, descolou então um contrato com a Atco Records, uma subsidiária da Atlantic. Os executivos da Atlantic estavam possessos com o sucesso que a CBS estava atingindo com o Santana nos EUA e resolveram ir atrás de uma resposta norte-americana (eles já tinham contratado o supergrupo Crosby, Stills & Nash para seu cast). A Atco tinha grande expectativa com a banda, considerando seu potencial de se comunicar com o público roqueiro e de produzir hits de sucesso. Um estúdio em Hollywood foi o local onde registraram seu repertório, e após rápido processo de mixagem/masterização, o primeiro álbum do grupo, autointitulado, veio à luz em maio de 1970. O som da banda no álbum combina guitarras limpas e distorcidas, com o característico fuzz das bandas da costa oeste norte-americana, em solos que parecem tão longos quanto aquelas estradas que rasgam desertos. O material, todavia, é conciso e não sai dos trilhos. Os vocais são harmonizados, as composições são coesas e com bons ganchos, das quais podemos destacar a psicodelia discreta de “Love is Here”, a brisa densa de “Yellow Dream”, a eletricidade de “Feel Like a Bandit”, “Loveless Live” e “Sweet Mamma” e a beleza de “Winding Your String”. O som da banda é como se fosse uma ponte entre os momentos mais eletrificados do Crosby, Stills & Nash com um trago amansado de Jefferson Airplane.
Infelizmente, a Atco não colocou uma grande soma de dinheiro na produção do álbum, que tem aquele som de fita gasta, um tanto abafado e distante do que havia de mais bem gravado na época, como os discos do Led Zeppelin, do Grand Funk Railroad, ou do Chicago. Mais triste constatar ainda é que na produção estava Bill Haverson, um gabaritado engenheiro de som que trabalhou com o Cream, CSN&Y, Vanilla Fudge, Eric Clapton, etc. Ainda que vários hits daquela virada de década não fossem um primor de gravação, a falta de “punch” da gravação com certeza atrapalhou o desempenho do Blue Mountain Eagle, que na outra ponta – ou seja, no palco – ia muito bem. A banda fazia parte do cast de festivais, rodou bastante pelos EUA nos meses seguintes ao lançamento e abria shows importantes, sendo sempre bem recebida. Vendo que ainda havia potencial no BME, a Atco solicita a gravação de um novo compacto antes do lançamento do novo álbum. A música escolhida não foi bem recebida pelos executivos, que exigiram algumas mudanças. Mas mesmo com os ajustes no single, decidiram não mais apoiar a banda. O Blue Mountain Eagle tentou seguir sozinho com mais alguns shows, mas não conseguiu seguir sem o suporte da Atco, encerrando suas atividades ainda em 1970.