Ouve Isso Aqui: Obras Literárias
Editado por André Kaminski
Tema escolhido por Anderson Godinho
Com Daniel Benedetti, Davi Pascale, Mairon Machado e Marcello Zappellini
Um novo Ouve Isso Aqui agora com nosso novato Anderson recomendando cinco discos baseados em famosas obras literárias. Vários clássicos de seus estilos estão representados aqui e uma surpresa ao final. E aí, gostou das sugestões desses discos conceituais? Faltou algum? Fale conosco na caixa de comentários!
Pink Floyd – Animals [1977]
Anderson: O clássico do Pink Floyd não precisa de apresentação. Vale ressaltar que o álbum se baseia na obra Revolução dos Bichos de George Orwell. Para os que reclamam que o Roger Waters faz música com conotação política atualmente, fica a dica.
André: Mais do que já foi dissecado de toda a discografia do Pink Floyd em todas estas décadas, não creio que tenha muito a acrescentar. A ideia foi baseada na Revolução dos Bichos de Orwell, mas diferente do original que critica o socialismo soviético, o Pink Floyd critica o capitalismo. Em termos de sonoridade, tem tudo aquilo que fez do Pink Floyd a grande banda que sempre foi: solos lindíssimos de Gilmour, letras ácidas de Waters, uma produção marcante e composições finíssimas. Lamento apenas o fato de Richard Wright ter sido meio que descartado da banda a partir daqui, sem nenhuma composição sua exceto os seus marcantes teclados. Curiosamente, é o disco que menos ouvi dessa fase clássica deles, mas graças a esta matéria pude lembrar o que fez dele tão marcante e tão elogiado mundo afora.
Daniel: Uma das melhores bandas da história vivendo seu auge criativo. Tudo que poderia ser dito sobre Animals já o foi e não consigo acrescentar mais nada. Não o ouvia há alguns anos (certamente não o tinha feito desde minha doença) e foi muito emocionante. Disco sensacional e o que o Gilmour faz em “Dogs” beira o inacreditável.
Davi: O Pink Floyd é uma das grandes bandas do rock e, nessa fase, vivia um período brilhante. O grupo havia acabado de lançar 2 de seus melhores trabalhos (os obrigatórios The Dark Side Of The Moon e Wish You Were Here), portanto a expectativa era enorme. Embora não o considere um trabalho do mesmo nível de seus antecessores, é indiscutível a qualidade do disco. Aqui, Roger Waters pega a ideia de George Orwell e utiliza os animais como metáfora de sua crítica. A crítica da banda é direcionada ao sistema capitalista. Contando com poucas faixas em seu tracklist, o grande destaque fica por conta de “Pigs (Three Different Ones)”, onde o músico ataca Margaret Thatcher e Mary Whitehouse.
Mairon: Um dos grandes discos da história da música, Animals é uma revisão muito interessante sobre A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Apesar de Roger Waters não seguir fielmente a escrita do russo, é nítida a influência que o livro trouxe para a criação das três faixas principais de Animals, a espetacular “Dogs”, com um show à parte de David Gilmour, a monstruosa “Sheep” e “Pigs (Three Different Ones)”, e as mágicas intervenções de Wright. Mas essa influência acaba se divagando no conceito das duas obras. Enquanto A Revolução dos Bichos é uma crítica ao Comunismo, Waters aqui senta o pau sem dó no Capitalismo. Musicalmente, um disco perfeito, sendo o que podemos definir de avô do Prog Metal, e conceitualmente, uma obra para ser levada às escolas (inclusive eu e o Anderson fizemos isso em 2017, gerando uma boa discussão com os alunos).
Marcello: Animals é um disco que ouço com certa tristeza. Não pela qualidade do álbum em si, que é excelente, mas porque marcou o fim do Pink Floyd original, substituído pela banda de apoio de Roger Waters, que rendeu o indispensável The Wall e o bem menos instigante The Final Cut. Inspirado em George Orwell e sua “Animal Farm”, o disco é dividido em cinco faixas dedicadas aos porcos (os governantes), os cães (os guardiães) e às ovelhas (a grande massa). “Pigs On The Wing”, dividida em duas partes curtas, e “Pigs”, que sempre me remete ao som mais funkeado de “Money” (daquele disco…), na minha opinião, estão um pouco aquém de “Dogs” (única música composta em parceria por Waters e Gilmour), um dos melhores e mais completos épicos do Pink Floyd, e de “Sheep”. “Dogs” acerta em tudo: da introdução mais suave ao solo maníaco de Gilmour, com as vozes de Waters e Gilmour se alternando na letra, e “Sheep”, por sua vez, está no meu top 10 das melhores músicas do Pink Floyd. Rick Wright brilha na introdução no piano elétrico – a grande contribuição dele ao som do Pink Floyd neste álbum (sempre achei que sem ele, os vocais tratados de Roger Waters estão entre os melhores de sua carreira, e a “adaptação” do Salmo 23 na letra é uma obra-prima de sarcasmo. O final sempre me faz querer voltar ao início da música! Animals foi recentemente relançado em edição remixada, mas ainda não tive oportunidade de ouvir. É uma pena que essa edição não seja caprichada como as boxes de Dark Side of the Moon, Wish You Were Here e The Wall; conheço alguns shows da turnê de lançamento de Animals em bootlegs e o material é simplesmente sensacional. Infelizmente a terceira guerra mundial (Waters x Gilmour) está longe de acabar, e os dois não conseguiram sequer se entender a respeito dos textos do encarte, o que atrasou o relançamento do álbum; com uma situação dessas, as possibilidades de lançarem material inédito dessa época se foram.
Blind Guardian – Nighfall in Middle-Earth [1998]
Anderson: Se alguém ainda não sabia, o que acho difícil, o Blind Guardian é uma banda que ama as obras de Tolkien. Os caras usam de inspiração, usam personagens, usam cenário, usam o que puder sem vergonha de ser feliz. É uma veneração. Nesse álbum a obra The Silmarillion, que de modo amplo, trata de diferentes eventos ocorridos na ‘Terra Média’, região do universo criado por Tolkien. Fazendo jus a extensa densidade e diversidade abordada nos contos de ‘O Silmarillion’ o álbum tem quase uma hora de duração e uma grande diversidade de sonoridades. Só pelo quilate dos clássicos presentes da pra ter noção da importância desse álbum, não só pra banda, mas para todo gênero Power Metal. Temos “Into the Storm” que abre na paulera após uma intro épica, e ainda “Nightfall”, “Mirror Mirror” ou as baladas “The Eldar” e “Blood Tears” são amostras do poder do clássico. É um clássico perfeito para quem está querendo entender mais sobre Power Metal.
André: Bem, adoro o Senhor dos Anéis (tanto os livros quanto os filmes), adoro o Blind Guardian e este casamento entre os dois gerou um dos melhores discos de power metal de todos. Baseado no Silmarillion de Tolkien, temos aqui letras que respeitam a obra original e músicas pesadas e marcantes do álbum considerado clássico da banda alemã. “Mirror Mirror” e “Times Stand Still (At the Iron Hill)” podem ser as que os fãs mais amam mas a minha favorita aqui é “The Curse of Feanor”. Nossa, a energia dessa música é incrível. Mesmo os excessos de interlúdios não me atrapalham em nada curtir este trabalho que coloca a palavra “épico” no seu verdadeiro sentido.
Daniel: Eu gosto bastante de Power Metal e, para mim, Nighfall on Middle-Earth é um dos seus expoentes. O respeito da banda com a obra de Tolkien é nítido, pois o capricho com o álbum é muito palpável. Clássicos como “Into the Storm”, “Nightfall”, “Mirror Mirror” e “Blood of Tears” são das melhores composições, não apenas da banda, mas do estilo.
Davi: Trabalho marcante na discografia dos bardos. Comprei esse álbum na época de lançamento. Nessa época, estava ouvindo muito Stratovarius, Heaven´s Gate, Helloween, Angra e, é claro, Blind Guardian. Foi aqui que Hansi Kursch decidiu que deixaria o baixo de lado para focar unicamente nos vocais. O trabalho vocal apresentado aqui é muito bom, assim como o tracklist que teve sua inspiração no livro Silmarillion. Faixas como “Into The Storm”, “Nightfall”, “Mirror Mirror” e “Time Stands Still (At The Iron Hill)” são clássicos do gênero. Sem dúvidas, meu álbum favorito da lista.
Mairon: Aqui sim, um disco que retrata musicalmente a obra que o influenciou. Baseado em Silmarillion, um dos grandes clássicos de Tolkien, é uma obra muito interessante. Confesso que nunca tinha parado para ouvir o Blind Guardian, e apesar de alguns excessos de sintetizadores aqui e ali, curti bastante o disco. as vinhetas também ajudam a musicar a obra, o que torna-a ainda mais atrativa. A abertura com “Into The Storm” é empolgante, com um ótimo trabalho vocal, e belos solos de guitarra, que me fizeram pensar que o Rainbow poderia ter evoluído para isto nos anos 90. Curti a velocidade e as variações de “A Dark passage”, “The Curse of Fëanor” e “Time Stands Still (at the Iron Hill)”, impressionantes. Chama a atenção a diversidade de ritmos, como os bonitos arranjos de “Blood Tears”, “Nightfall”, “Thorn” e “When Sorrow Sang”, os invencionismos eletrônicos de “Mirror Mirror” e “Noldor (Dead Winter Reigns)” e até a operística “The Eldar”. Acho que a segunda metade do disco ficou um tanto cansativa, mas no geral, apenas o vocal não me agradou tanto, enquanto os guitarristas são muito bons. Achei um disco bem ok, e dentro do conceito aqui apresentado, o que melhor se encaixou para apresentar a obra literária.
Marcello: A obra de J. R. R. Tolkien já inspirou vários artistas ao longo do tempo, e o Blind Guardian dedicou um de seus melhores discos ao livro Silmarillion. Trata-se de um álbum muitíssimo bem elaborado, que mescla as músicas com vinhetas cheias de efeitos e trechos do livro declamados, sempre mantendo o alto padrão musical que os fãs de Hansi Kürsch e seus asseclas mantêm há quase 35 anos. De alguma forma, este disco me passou desapercebido; conhecia várias das músicas pelas versões do Blind Guardian Live de 2003, mas nunca tinha ido atrás do original de estúdio – algo que provavelmente tem a ver com o fato de que nunca dei muita importância para a obra de Tolkien. Difícil destacar uma música em especial, porque são muito boas, mas “Nightfall” já saltou aos olhos (ou seria aos ouvidos?) na primeira audição, especialmente por ser superior à versão ao vivo do já citado Live. A bem elaborada “Blood Tears” é outra que pede para ser ouvida mais uma vez quando termina. A épica “Noldor” também me chamou a atenção de cara. E a sequência “Thorn” – “The Eldar” é simplesmente fenomenal (sem vinheta entre elas, as duas músicas fluíram muito bem). A última música propriamente dita, “A Dark Passage”, praticamente convida o ouvinte a voltar ao início. No todo, um disco excelente, o melhor dos quatro que não conhecia até surgir o convite para participar da seção; confesso que são poucos os discos lançados após a primeira metade dos anos 70 que eu posso dizer que gostei do início ao fim, sem ter nada para reclamar. Nightfall in Middle Earth entrou nessa lista. O Blind Guardian, felizmente, continua na ativa – e ao pesquisar sobre os rumos recentes da banda descobri que foi lançado um novo álbum em 2 de setembro (The God Machine), que preciso ouvir o mais breve possível. Mas antes disso preciso voltar a Nightfall in Middle Earth.
Mastodon – Leviathan [2004]
Anderson: Tendo inspiração na obra Moby Dick (Herman Melville), esse material não é dos que mais me agrada na discografia dos caras. É um álbum muito direto, seco, não tão progressivo e sim agressivo, como em “I am Ahab” ou “Island”. Em relação à músicas com uma sonoridade mais próxima do que são atualmente temos “Seabeast”, “Megalodon” e “Naked Burn” muito fortes. Porém o destaque maior fica com “Hearts Alive” com mostra a banda em seu máximo. Trata-se de um álbum muito interessante musicalmente e também pela temática.
André: Gosto do Mastodon, entretanto, as vezes acho que a mídia metaleira superestima eles um pouco demais. OK, entendo que Leviathan seja a principal causa disso, mas ainda assim apenas considero como um bom álbum (gosto muito mais do anterior Remission). A banda segue naquela linha prog/sludge que os caracterizaram por pelo menos os 5 primeiros discos das quais a parte “sludge” tem sido amenizada nos mais recentes. Tentei ler Moby Dick quando era adolescente, mas parei antes da metade do livro. Agora já bem mais velho, deveria tentar de novo para comparar com o que foi feito neste disco. O pouco que sei é muito mais pelo desenho do Pica-Pau e do Tom & Jerry (graurrllrl grauuurrl Dicky Moe, grauuurlrl graaaurrrll, Dicky Moe). Voltando, apesar do vocal um pouco enjoativo as vezes, gosto do instrumental deste disco, principalmente das linhas de baixo e bateria que são muito boas. Daqui, minha favorita é “Naked Burn” com uma toada melódica mas ainda com quebras que não me soam forçadas.
Daniel: Este é um discaço!! Até me assustei quando finalmente realizei que ele tem quase 20 anos, como o tempo passa depressa. Pesado, intenso, brutal… Leviathan traça um paralelo perfeito com o clássico Moby Dick onde a ameaça do cachalote é aqui representado pelo peso incrível da banda. “Hearts Alive” é uma música que demonstra toda a imprevisibilidade sonora do grupo. Excelente indicação!
Davi: Me recordo que esse disco, inspirado no clássico Moby Dick, causou um grande alvoroço na época de lançamento. Vários críticos o incluíram em suas listas de melhores do ano. Inclusive, a cultuada Metal Hammer. Portanto, esperava um álbum espetacular. Infelizmente, encontrei um disco bacana, mas que, na minha ‘humirde’ e insignificante opinião, não condiz com o hype em cima dele. Ok. Pesado, bem tocado, bem gravado. Entretanto, não encontrei nenhuma faixa, nenhum riff, nenhuma levada que ficasse grudado em minha mente. Esperava mais, muito mais…
Mairon: Lembro da polêmica que causou a não entrada de Mastodon na lista de Melhores de 2004, e certamente, com a presença de absurdos como Get Up, Once e Madvillainy, Leviatahn não faria feio lá. É uma paulada atrás da outra, inspirada no conto de Moby Dick (confesso que fiquei meio perdido entre a audição e a obra, mas enfim), com uma fúria impressionante nas faixas que criam este disco. Todas elas tem o mesmo padrão de nível (muito alto), mas de certeza, o maior destaque vai para os 13 minutos de “Heats Alive”, que lembrou muito a fase progressiva do Rush, mas bastante pesada para se equiparar a tal. Lembro de um show do Mastodon no Rock in Rio de 2015 que me deixou bem impressionado positivamente, seja pelo excelente trabalho de guitarras, seja pela performance avassaladora do baterista, e Leviathan só fez eu me entusiasmar novamente em procurar pela carreira da banda e conhecer mais desses novos (nem tão novos assim) bons sons.
Marcello: Mastodon é uma banda que conheço pouco, mas do que conheço, gostei – não a ponto de comprar os discos, mas o bastante para querer ouvir mais vezes. Leviathan, baseado na fantástica Moby Dick, de Herman Melville, é um disco tenso como o próprio livro, uma obra que entra fundo na psicologia dos personagens e passa toda a loucura e obsessão vingativa do capitão Ahab, destinado a caçar e matar o cachalote branco que o fez perder a perna. “Blood and Thunder” and “I Am Ahab” iniciam o disco num peso matador, que diminui um pouco em “Seabeast” e volta com tudo em “Island”. “Megalodon”, na minha opinião, é um dos destaques do disco, com um bom trabalho de guitarras, boa variação de ritmos e climas, uma das melhores coisas que o Mastodon já fez, na minha modesta opinião de ouvinte ocasional. Em seguida, o riff matador de “Aqua Dementia”, que para mim perde um pouco no vocal, e a épica “Hearts Alive”, minha favorita no disco, cujos mais de 13 minutos passam voando graças às excelentes guitarras de Brent Hinds e Bill Kelleher. O disco se encerra com a ótima instrumental “Joseph Merrick” – embora não tenha entendido o que o Homem-Elefante está fazendo aqui. Não sabia que este disco fazia parte da lista de 2017 dos 100 maiores álbuns de heavy metal da Rolling Stone – provavelmente não colocaria numa hipotética lista pessoal, mas certamente Leviathan fará parte das minhas próximas audições. E definitivamente tenho que ouvir os discos do Mastodon em sequência!
Sepultura – Dante XXI [2006]
Anderson: A referência à Divina Comédia de Dante Alighieri é óbvia, no entanto, não fica só no nome. Tanto instrumentos orquestrais como a sequência das músicas, as letras e a arte foram inspiradas pela obra. Lembrando que inspiração não quer dizer seguir à risca até porque a ideia era trazer a problemática da obra para os dias atuais. Após o tumultuado período vivido pela banda com a saída de Max, Dante XXI surge como o primeiro álbum realmente com cara de Sepultura, aqui Derek apresenta uma participação mais ativa e performasse mais Thrash. Pelo lado negativo, é o álbum de despedida de Igor que grava o disco mas sai antes da turnê. Nesse quesito, apesar da subsequente saída, o aclamado baterista entrega criatividade e força como de costume. Particularmente acho um baita disco sendo a ótima “Convicted in Life” uma das que mais se destaca. Também recomendo a rápida e direta “Buried Words” e a também rápida entretanto mais dinâmica “Crown and Miter”. Uma situação que chama a atenção são as músicas muito curtas, poderiam ser mais exploradas para dar mais corpo ao álbum.
André: os três primeiros discos da fase Derrick não me agradaram muito. Já estava quase desistindo da banda quando inventei de ouvir este álbum lá na época de seu lançamento. E finalmente a banda me reconquistou aqui. Um dos meus favoritos dessa fase, Dante XXI apresenta composições fortes e marcantes sendo as minhas favoritas “Darkwood of Error” e “Repeating the Horror”, esta última com uma participação marcante no disco de adeus de Iggor do Sepultura e suas sempre poderosas batidas. Aliás, nunca peguei A Divina Comédia para ler. Tenho que fazer isso o quanto antes.
Daniel: Álbum conceitual do Sepultura inspirado na obra A Divina Comédia. Aqui, tem-se o Sepultura ainda irregular, mergulhado em influências Hardcore, mas com muita transpiração e pouca inspiração. Muitas músicas soam bastante semelhantes entre si e após a audição pouca coisa é realmente digna de memória. Há passagens interessantes em “Ostia”, em “Convicted in Life” e em “Fighting On”. Liricamente, achei o conteúdo, focado em críticas sociais mais clichês, bem mais ou menos.
Davi: O disco de despedida de Igor Cavalera, de certa forma, acabou marcando minha trajetória. Afinal, a primeira entrevista que fiz foi com ele e foi justamente para divulgar esse álbum e saber mais sobre os papos que estavam rolando sobre sua suposta saída do Sepultura. Nesse trabalho, eles tiveram como inspiração o livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Gosto do álbum. Embora seja mais fã de seu antecessor, Roorback. O Sepultura é uma banda que sempre teve muita qualidade e aqui não é diferente. Gosto do trabalho de guitarra de “Ostia”. Acho absurdo o trabalho que Igor fez em “City of Dis”. Isso sem contar na faixa “Dark Wood of Error”, que traz muito da sonoridade clássica dos rapazes. Teve ainda o single “Convicted In Life” que se tornou meio que um clássico da fase Derrick. Enfim, um trabalho bem bacana de uma das melhores bandas que esse país já teve.
Mairon: Deixei de ouvir o Sepultura há muito tempo. Mesmo tendo curtido o Machine Messiah por conta de um Test Drive que rolou aqui no site, não se tornou aquela banda que eu ouvi (e muito) na minha adolescência. Dante XXI ajuda a me explicar o porque. O disco é bom? É sim. Tem boas músicas, como “Convicted in Life” e “False”. Só que são faixas curtas, que deixam faltar algo que te prenda a atenção, ou grude na cabeça. E o que não consigo curtir são as experimentações, sejam elas na parte percussiva, seja na parte de teclados e orquestra, vide “Fighting On” e “Nuclear Seven”, e até trompas em “Crown and Miter”, com “Still Flame” sendo a mais desnecessária dessas experimentações. O exagero de gritos do Derrick Green também não me agrada, e os solos do Andreas, quando existem, são totalmente sem inspiração. Quanto ao fato literário, bom, se dissessem que o álbum narrava Os Três Porquinhos, ou João e Maria, ia dar no mesmo…
Marcello: Ouvia esporadicamente o Sepultura nos anos 80, início dos 90; nunca foi muito a minha praia, embora respeitasse o trabalho do grupo. Com o Roots, deixei-os de lado – até surgir o convite para participar desta seção e ouvir um disco baseado na Divina Comédia de Dante Alighieri. Confesso que fiquei um pouco preocupado com a pretensão de um disco baseado num dos livros mais monumentais da história! Quanto ao disco, é um bom trabalho do Sepultura com Derrick Green nos vocais e não faz feio entre os discos que conheço deles. A vinheta “Lost” abre os trabalhos sem chamar muito a atenção, mas a curta e violenta “Dark Wood of Error” estabelece o caminho que o disco seguirá: pesado, forte e praticamente sem intervalos para respirar. “Convicted in Life” abre com a frase que, de acordo com Dante Alighieri, está escrita na entrada do inferno: “Abandon all hope he who enter here”. Um dos principais destaques do disco, trazendo um bom solo de Andreas Kisser. O alto nível segue com “City of Dis”, com trechos em que o som dá uma desacelerada – algo que se repete no final de “Fighting On”. “False” evoca personagens que Dante e Virgílio encontram no inferno, e traz uma letra bem elaborada. Outra vinheta, “Limbo”, leva a “Ostia”, com destaque para os violoncelos que fazem o Sepultura soar quase melodioso! É outro dos destaques do álbum, para mim. “Nuclear Seven” traz uma excelente letra de Derrick Green, jogando com os sete pecados e as sete potências nucleares da época (provavelmente oito, já que Israel nunca revelou quando entrou para o “clube”). Por fim, destaco as bem elaboradas e bem arranjadas “Crown and Miter” e “Still Flame”, esta última encerrando o disco de maneira bem diferente das outras composições. É um bom disco do Sepultura, na minha opinião, que ombreia com os primeiros do grupo em qualidade; infelizmente, não posso falar dos mais recentes. Mas não curto os vocais da banda; não gostava do Max Cavalera e não gosto do Derrick Green, apesar de achá-lo melhor do que o Max. Não que os vocais não sejam adequados para o som da banda – apenas não são meu estilo.
Batushka – Maria [2022]
Anderson: Bom, falar dessa banda polonesa é um tanto complicado pois existem brigas judiciais pelo nome e até o presente momento o resultado são duas bandas com o mesmo nome, fazendo o mesmo tipo de som, ambas com uma baita qualidade. O álbum em questão, lançado em março desse ano, apresenta a completude do material apresentado no EP Raskol. A característica da banda são trabalhos que precisam ser ouvidos de uma só vez, não são músicas separada e sim um todo único e indissociável. Trata-se de uma percepção holística. A temática da banda gira em torno da igreja ortodoxa, e aqui temos o livro que inspira o álbum: Sticherarion. Tal livro data do século XIII e possui textos litúrgicos para serem cantados em diferentes contextos pelos devotos ao longo do dia e durante rituais, não é um obra literária. Sobre o álbum, duas passagens são propostas “IRMOS” e “PRISMO”, sendo que a primeira foi a divulgada no EP e a segunda apenas no álbum completo. “IRMOS” é densa sendo a IV e a V partes as que mais me agradaram pela intensidade. “PISMO” (cartas na tradução livre), apresenta um pouco mais de diversidade nas passagens mas, ao meu ver, não atingem o nível de IRMOS, destaco a parte III como a mais interessante. Por fim o disco termina com “MARIA” (uma das passagens de PISMO), uma música de 9 minutos que coroa a obra. Um bom material para os que admiram tal nicho.
André: Não entendi muito bem o conceito desse disco. É baseado na vida de Maria da Bíblia? Mas pelo que vi, é um compilado de faixas de diferentes EPs. Enfim, um black metal daqueles que não curto. Tem aquela bateria metranca e guitarra zumbido de abelhas que não me vai e, aparentemente, temática anti-cristã. Até tem umas passagens mais calmas e melódicas que considero muito bem vindas, mas nada que me fará voltar a este disco novamente.
Daniel: Este tipo de som, definitivamente, não é para mim.
Davi: Esse, para mim, foi o pior disco da lista. Ao menos, ele tem um mérito. Os caras têm personalidade. Isso não dá para negar. Também são bons músicos, mas que o disco é chato pra dedéu, é. Os vocais, oras soam como uma espécie de canto gregoriano, oras são o típico vocal gutural (que não é meu estilo de canto favorito, nem de longe). Uma combinação nada usual, mas que, aos meus ouvidos, também não soou nada agradável. Trabalho criativo, porém, maçante.
Mairon: Confesso que nunca tinha ouvido falar dessa banda, e não fui atrás do release da mesma com intenção de ser surpreendido. E fui. O som do grupo é bastante denso, e foi-me exaustiva a audição de mais de uma hora de música. Há momentos interessantes ao longo das 5 partes de “ИРМОС”, sendo que gostei das inclusões de vozes gregorianas, a velocidade das ótimas “ПИСЬМО II” e “ПИСЬМО III” e a majestosa faixa-título. Um disco diferente, doom com gothic misturados em proporções distintas, e que se não me fez entender a obra que foi inspirada, ao menos serviu para conhecer algo muito distinto que ouço habitualmente.
Marcello: Ao receber a lista com os discos selecionados, pensei: “quem?”. Antes de buscar as músicas, fui me informar – e só então descobri que se trata de uma banda de black metal polonesa que mistura o estilo com a música litúrgica da igreja ortodoxa. Como só conheço o Riverside das bandas polonesas, pensei que no mínimo seria curioso. Descobri que o Batushka era um duo que se dividiu em duas bandas após o primeiro disco, com o vocalista original liderando um grupo e o guitarrista – e criador do conceito – o outro. Quanto ao disco, trata-se de um EP de cinco faixas, todas intituladas “IRMOS”, baseado num antigo livro banido da liturgia da igreja após o Grande Cisma, do qual não consegui obter maiores informações. A música é pesada como convém a uma banda de black metal, mas os vocais urrados não me atraem de forma alguma. O coral litúrgico introduz uma variação interessante no som da banda e alguns trechos (como o final de “IRMOS III”) mostram que nem só de peso vive a banda. Mas, como não gosto de black metal, é-me difícil destacar alguma das músicas, não tenho padrões de comparação (afinal de contas, nesse estilo parei no At War with Satan, do Venom, ainda na metade dos anos 80), mas me parece que os fãs do estilo têm muito a explorar com o EP. De minha parte, como só consegui ouvi-lo uma vez, prefiro deixar os comentários para os consultores que manjam do assunto!
A explicação do Anderson para o disco do Batushka foi bem mais interessante que a audição
Eu tinha colocado uma explicação também, mas na última hora tirei fora. 🙂 Eu tinha escrito que era a sensação de ouvir um urso invadindo um mosteiro… kkkkk
HAuahauahauhauh
Aliás, quem diria que o Mairon iria gostar deste disco do Blind Guardian.
pior que gostei André. Eu curto Helloween e Viper destas bandas power, e o Blind Guardian me surpreendeu positivamente
Só agora que descobri que não tinha ouvido o disco inteiro do Batushka, somente o EP com as cinco IRMOS. Mas, como não entendo nada de black metal, acho que não iria acrescentar muito ao debate sobre o disco…
Quanto ao comentário do Anderson sobre o Animals, fico me perguntando se quem reclama do Roger Waters fazer músicas com conotações políticas ouviu The Final Cut com atenção!
Tem quem reclamou do RATM agora, em 2022, dizendo que “os caras ficam misturando música com política” … Certamente sabem tudo e votam com arminha na mão
Obrigado por citarem o Animals, do Pink Floyd, o primeiro disco que eu ouvi da banda há praticamente 20 anos atrás, quando eu já conhecia um bocado de coisa deles. Talvez o melhor exemplo de como música e literatura podem conviver harmoniosamente juntas, apesar dos climas internos entre seus membros que começaram justamente durante a concepção dessa obra – ao contrário dos dois clássicos álbuns antecessores (The Dark Side of the Moon – 1973, e Wish You Were Here – 1975). Este álbum na época foi meio incompreendido pelos fãs em 1977 (auge do punk rock), mas ganhou seu total sentido nos anos atuais, principalmente nas épocas de eleições ao redor do mundo – lembram do Donald Trump, o hoje ex-presidente americano? Bom, depois de Animals veio dois anos depois o The Wall e o resto da história a gente já sabe…
Gostaria de citar um disco que foi lançado por uma banda muito querida pelos consultores e que se encaixaria muito bem nesse tema do “Ouve Isso Aqui”, apesar de não gostar muito dele, conforme este que vos escreve já disse várias vezes por aqui. Estou falando obviamente do Iron Maiden e o disco do qual me refiro é exatamente o Seventh Son of a Seventh Son, de 1988 (baseado na obra literária quase homônima de Orson Scott Card, lançada um ano antes). Como eu costumo dizer, este é o “The Lamb Lies Down on Broadway” do Steve Harris, que compôs todas as oito faixas do álbum (quatro delas com a ajuda de Bruce Dickinson e Adrian Smith, e uma com Dave Murray), e que traz também um conceito muito confuso. Na minha opinião, o SSOASS não é tão representativo (sim, eu disse “representativo”) quanto os clássicos The Number of the Beast, Piece of Mind ou Powerslave, mas sinceramente, acho muito estranho quando alguém o menciona como um favorito pessoal ou como o melhor de toda a discografia da donzela de ferro, o que este que vos escreve não concorda totalmente.