King Crimson – Live in Newcastle December 8, 1972 [2019]
Por Mairon Machado
Uma das raras oortunidades de ouvirmos a Mark V em ação e em um show com Robert Fripp (guitarra, mellotron), Bill Bruford (bateria, percussão), Jamie Muir (percussão e efeitos), David Cross (violino, flauta e mellotron) e John Wetton (baixo, vocais), número de série Club48 (ou seja, o quadragésimo oitavo volume da série de lançamentos The King Crimson Collectors’ Club), com shows e mixagens alternativas que Robert Fripp vem resgatando ao longo dos últimos anos.
Descoberta por Chris Kettle, um membro da banda que esteve na Discipline Global Mobile (DGM, a empresa de Robert Fripp responsável pelos lançamentos do King Crimson) no ano de 2017, essa apresentação, apesar de ser em mono, é um registro com audição muito boa de um período fértil e especial na história dos britânicos.
O show começa com “Lark’s Tongues In Aspic Part One”, em sua totalidade, numa versão muito fiel a que foi registrada no mês seguinte nos estúdios, e que culminou com o lançamento do álbum Lark’s Tongues in Aspic. Nessa versão, o grande destaque vai para a endiabrada participaçãon de Muir, fazendo suas estripulias e cacofonias sonoras que marcaram a Mark V do Crimson. Outro fato interessante é a pequena mudança no solo de Fripp, mas só crackudos dos ingleses irão perceber essas mudanças. Já na virada do solo de Fripp para a entrada do baixo, aí sim, temos um trecho adicional inexistente na versão de estúdio, que mostra todas as qualidades improvisionais de Fripp. Passamos pelo anúncio de Fripp, “My, my what a ice crowd of people they have in Newcastle. The piece was entitled Lark’s Tongues in Aspic Part I. Lark’s Tongues in Aspic Part II finishes the evening’s music. But now, we will proceed to attack culture yet again with a song entitled Daily Games and this, in turn, is preceded by a small demonstration of melloton tuning” e vamos então a “Book of Saturday”.
Nessa época, essa linda canção ainda era chamada “Daily Games”, com apenas algumas mudanças na letra, e a participação de uma tímida percussão, segue bastante fiel a versão de estúdio. Entramos então no primeiro improviso do CD, intitulado “Improv I”, uma magnífica palheta sonora de quinze minutos que começa suave, com baixo e guitarra solando acompanhados pela leveza percussiva. A jam vai crescendo a partir da entrada do violino, e vamos conhecendo cada vez mais a gama de instrumentos e aparatos que Muir utilizava para criar música. O solo de Wetton tem participação direta de Bruford para comandar o ritmo, e então, o improviso vai ganhando tons mais sinistros, chegando ao solo de Fripp, carregado de sustain e muita percussão ao fundo. Cross passa a solar, empregando wah-wah no violino, e de-lhe efeitos percussivos por Muir, enquanto Bruford e Wetton tentam manter alguma sanidade. O clímax é alcançado com Fripp, Muir e Cross travando uma batalha onde um quer engolir o outro, com muita velocidade nas notas e batidas, enquanto Bruford e Wetton certamente estão em um mundo à parte do que o trio está tocando. Aja concentração para entender o que acontece no palco.
O encerramento do improviso leva para a linda “Exiles”, uma das mais belas canções da carreira do King Crimson, e aqui, também muito fiel a versão de estúdio, trazendo o vioolino e o mellotron de Cross, a delicadeza vocal de Wetton e toda emotiva interpretação feita pelo grupo. “Easy Money” aqui é ampliada em relação ao estúdio por um longo improviso, onde Fripp é o centro das atenções junto com as maluquices percussivas de Muir e a base endiabrada da cozinha Bruford /Wetton, enquanto Cross viaja em únicos dois acordes ao mellotron.
Na sequência, começa o segundo improviso da noite, dezessete minutos de muita insanidade e experimentação, iniciando com Muir e Bruford abusando das percussões e o que está por perto. e que se alonga com as presenças assustadoras e arrepiantes dos mellotrons, e com um duelo enlouquecedor entre violino e mellotron, enquanto a pancadaria come ao fundo. Entre gritos e muita experimentação, temos é delírio total, e muuuuuuuuito longe de podermos imaginar que o que está saindo das caixas de som é algo próximo a King Crimson. Obviamente, essa exploração percussiva só pode levar para “The Talking Drum”, que mantém bastante o padrão de Lark’s Tongues in Aspic, com o crescendo percussivo e do volume enquanto Cross delira ao violino e Fripp abusa de sua guitarra. A versão aqui é um pouco mais curta que a que se tornou mundialmente conhecida, mas é de uma pancadaria considerável.
Essa pancadaria explode em “Lark’s Tongues in Aspic part Two”, um dos grandes clássicos dos ingleses, e que infelizmente está em apenas três minutos de duração, já que foi cortada abruptamente. mas os suficientes para comprovar por que muitos defendem a tese de que o King Crimson foi também um dos precurssores do Heavy Metal.
Ainda temos um belo texto de Sid Smith, que esteve lá na noite que este registro foi feito. O mais interessante de tudo, como diz o próprio Smith no texto, é que ainda haviam três meses para que Lark’s Tongues in Aspic fosse lançado, e eles nem haviam entrado em estúdio para gravar o mesmo. Ou seja, todos os que ouviram e viram o King Crimson naquele dia 8 de dezembro de 1972 ouviram algo totalmente inédito, inovador e por que não, atemporal, já que passaram-se quase 50 anos para que os fãs pudessem ouvir o que foi registrado naquela noite, sendo a audição mesmo por alguém que nasceu 10 anos depois disso, totalmente inédita aos meus ouvidos ainda hoje.
Track list
1. Larks’ Tongues In Aspic Part One
2. RF Announcement
3. Book Of Saturday (Daily Games)
4. Improv I
5. Exiles
6. Easy Money
7. Improv II
8. The Talking Drum
9. Larks’ Tongues In Aspic Part Two
Essa formação do King Crimson a gente pode comprar qualquer lançamento, que mesmo se o set list for idêntico tem variações suficientes para manter o interesse. É uma pena que o Jamie Muir não permaneceu no grupo, pois a percussão dele dava um toque especial para as músicas, e embora Bruford seja um monstro, ele não é dois… Para mim, o auge de todos os envolvidos foi nesse periodo 1972-74; nem Fripp, nem Wetton, nem Bruford superaram o que atingiram com essa formação do Crimson! Quanto ao Cross eu não posso dizer nada, não conheço a carreira dele fora do grupo.
Valeu Marcello. Fora do Crimson, recomendo os seguintes discos do Cross
Another Day (com David Jackson)
Crossover (com Peter Banks)
Closer than skin (solo, de 2005)
Nenhum deles realmente se compara a esse período dele no KC, mas são no mínimo interessantes.
Acredito que o Bruford teve mais liberdade no KC, mas o que ele fez em Close to the Edge para mim é o suprassumo do “tocar bateria”
Quanto a John Wetton, Fripp e Muir, com certeza, não fizeram nada melhor do que em seus tempos de KC (Wetton teve participações fantásticas no Uriah Heep e no Wishbone Ash, mas nada que se compare ao que ele criou nos seus três anos de KC)
Valeu
Legais as recomendações do David Cross, vou conferir! Acho que o Bruford, especificamente, deu o melhor de si em cada banda que participou sempre, mas no Crimson ele tinha liberdade para improvisar; nem mesmo na banda Bruford ele ousou tanto (e olha que lá ele tinha a companhia do monstruoso Jeff Berlin puxando-o para cima), por isso minha admiração pelo período do Crimson.
Wetton é um caso a parte, ele alterna o sublime com o mediano ao longo de sua vasta carreira, fica até difícil comparar.
É difícil de acompanhar esse período do King Crimson. Essa foi a época em que a banda sequer sabia o que seria tocado antes de subir ao palco. É um nível musical muito elevado e que, muito na verdade, poucos realmente gostam. Ver um show desses deveria ser um deleite, mas ouvir em casa talvez não seja a minha prioridade.
Fernando, te entendo totalmente, mas é um deleite ouvir esse álbum. Te recomendo!!