5/10/1973 – Quatro Discos De Uma Data Especial

5/10/1973 – Quatro Discos De Uma Data Especial

Por Marcello Zapelini

Quando se olha o calendário, algumas datas são especiais porque marcam o lançamento de algum disco importante. O que dizer de uma data em que se tem o aniversário de 50 anos de QUATRO discos fundamentais para a carreira dos seus respectivos artistas? Pois é o que aconteceu em 5/10/1973, quando Lou Reed lançou um dos melhores discos de usa carreira, Bryan Ferry iniciou sua carreira solo, o Caravan se recolocou nos eixos depois de um experimento fracassado, e Elton John colocou no mercado seu maior sucesso – e, para muitos, seu melhor álbum. Este artigo para “Datas Especiais” busca trazer impressões sobre Berlin, For Girls Who Grow Plump in the Night, Goodbye Yellow Brick Road e These Foolish Things.


Berlin (LOU REED)

Berlin é reconhecidamente um dos melhores discos de Lou Reed, sucedendo o não mais conhecido (e excelente) Transformer. Mal recebido pela crítica (mas um sucesso comercial na Inglaterra, onde chegou ao 7º lugar da parada) na época de seu lançamento, ele seria reavaliado com o passar do tempo e compreendido como o excelente álbum que é. Um disco conceitual sobre um casal de drogados (Jim e Caroline) apaixonados um pelo outro na capital da Alemanha, “Berlin” foi produzido por Bob Ezrin e reúne um time impressionante de músicos: Steve Hunter e Dick Wagner nas guitarras, Tony Levin e Jack Bruce no baixo, o produtor Bob Ezrin, Steve Winwood e Blue Weaver nos teclados, Ainsley Dunbar e B. J. Wilson na bateria, além dos irmãos Brecker nos metais. “Berlin” começa com uma cacofonia de sons, até que o piano de Allan MacMillan estabelece a melodia, e Lou Reed começa a cantar a letra com sua voz de réptil sonâmbulo (copyright do velho Ezequiel Neves, decano dos críticos de rock do Brasil).

A bombástica“Lady Day”, uma das músicas mais conhecidas do disco, vem a seguir, dando um pouco mais de peso ao álbum. “Men of Good Fortune” coloca a bateria de Dunbar e piano de Bob Ezrin em primeiro plano, e é um destaque, embora seja uma música pouco lembrada pelos compiladores de coletâneas. “Caroline Says I” mostra o quanto o personagem Jim está apaixonado por Caroline, enquanto “How Do You Think it Feels” trata de como um viciado em speed se sente – e esta, uma das melhores músicas do álbum, joga os holofotes sobre a dupla Hunter e Wagner. “Oh Jim” fecha o lado A e mais uma vez demonstra a excelência de Dunbar como baterista; Caroline lamenta a forma que Jim a trata, e a letra traz os versos fatais “Now you said that you love us/But you only make love to one of us”, trazendo um ótimo solo de guitarra antes de mudar para um final acústico.

“Caroline Says II” abre o lado B com uma letra que lamenta contra o abuso e violência de Jim; mas a impressão que passa é que ela já está tão drogada que não sente mais nada direito. A melodia suave combina com a tristeza que a letra passa, e prepara o ouvinte para a dor e o desespero da música seguinte, “The Kids”, em que Jim conta como o serviço social levou seus filhos com Caroline, por causa do excesso de drogas e do sexo casual – e como ele perversamente se sente feliz com o sofrimento dela. E não, não é verdade que disseram para os filhos de Ezrin que a mãe deles tinha morrido e gravaram seu choro ao final da música, mas o desespero das crianças é de cortar o coração de qualquer jeito. “The Bed” trata de suicídio: Caroline se mata e Jim diz que não teria feito o que fez se soubesse que terminaria assim, mas não se sente mal com isso. “Sad Song” encerra o álbum com Jim folheando o álbum de fotos e relembrando Caroline – mas não consigo definir se ele está triste, aliviado ou contente.

Berlin não é um disco fácil, e não é recomendável para pessoas depressivas, mas é uma das maiores obras conceituais do rock dos anos 70, bem como um top 5 em qualquer lista dos melhores discos de Lou Reed; a dor, o vazio existencial, o desespero do vício em drogas, perpassam as várias músicas, tornando o lado B especialmente tocante. Ele o revisitou em uma turnê em 2006-07, tocando o álbum na íntegra com o apoio de Steve Hunter e de sua banda da época. A turnê rendeu o disco ao vivo Berlin – Live at St. Ann’s Warehouse e um filme homônimo, montado a partir de cinco shows no mesmo local – mas nunca tive a oportunidade de assisti-lo.


For Girls Who Grow Plump in the Night (CARAVAN)

O Caravan recebia de volta o tecladista Dave Sinclair, após o artisticamente fracassado Waterloo Lilly, com som mais voltado para o jazz, e perdia o baixista e vocalista Richard Sinclair, substituído por John G. Perry. Geoff Richardson foi acrescentado à banda no violino, e essa formação (completada por Pye Hastings na guitarra e vocal e Richard Coughlan na bateria) renderia ainda o bom LP ao vivo “Caravan and The New Simphonia”, com arranjos orquestrados. Particularmente, “For Girls…” é o meu álbum favorito do Caravan, ainda que a briga com “In the Land of Grey and Pink” seja dura. Boa parte da minha paixão pelo disco vem de duas músicas, a maravilhosa abertura, com “Memory Lain, Hugh/Headloss”, e a que fecha o álbum, “L’Auberge du Sanglier”. “Memory Lain, Hugh/Headloss” abre com o riff de guitarra de Hastings, cuja voz suave canta a letra meio surreal; Dave Sinclair faz um belo solo de órgão antes de Jimmy Hastings, convidado especial, mostrar sua habilidade na flauta; a segunda parte da canção, “Headloss”, entra aos 4’54”, mais animada e com Pye Hastings transbordando alegria nos vocais, levando ao encerramento com um solo/dueto entre Richardson e Hastings.

“Hoedown”, que vem a seguir, não tem nada a ver com a música do Emerson, Lake & Palmer, e mantém o disco em alto astral. “Surprise, Surprise” continua a vibe alegre do disco, e mostra o quanto Perry era fera no baixo – ele leva a melodia da música, e ainda canta em dueto com Hastings. Richardson faz um bom solo no violino; Hastings não gostava muito de solos de guitarra, e ao longo da carreira da banda manteve um perfil discreto no instrumento. “Cthulu Thlu” encerra o lado A mudando bastante a sonoridade, com uma melodia e letra mais sombrias. Uma ótima composição, com boas variações e excelente trabalho dos vocalistas; Dave Sinclair volta a ganhar destaque, o que é bom, o cara era fera! O lado B do LP original apresenta três boas composições, mais ousadas e progressivas, começando com “The Dog, The Dog, He’s At It Again”, com sua letra cheia de insinuações sexuais, que não combina em nada com a melodia suave. Ainda assim, é um dos principais destaques do álbum. A tensa “Be Alright/Chance of a Lifetime” traz Perry no vocal principal nas primeiras estrofes e um raro solo de Pye Hastings, em outra música de destaque, mas que receberia sua versão definitiva no álbum Live at Fairfield Halls, 1974.

Por fim, a maravilhosa “L’Auberge du Sanglier/A Hunting We Shall Go/Pengola/Backwards/A Hunting We Shall Go (Reprise)”, inteiramente instrumental, extremamente variada, com um início acústico, trechos orquestrados e uma performance arrebatadora; indubitavelmente, uma das melhores composições do Caravan. O CD lançado em 2001 acrescenta mais de meia hora de música, a maioria versões iniciais das composições do disco, mas inclui “Derek’s Long Thing”, creditada à banda como um todo e gravada nas sessões iniciais, quando a banda contava com Derek Austin nos teclados e Stuart Evans no baixo, numa formação que não durou.

O Caravan era uma banda diferenciada no rock progressivo britânico; diferentemente da maioria de seus contemporâneos, tinha um bocado de senso de humor e não deixava a habilidade individual dos músicos prejudicar a musicalidade da banda como um todo. O Caravan teve muitos altos e baixos, mas este álbum é uma adição importante à coleção de todos que gostam do progressivo. A banda continua na ativa, com Hastings e Richardson junto de outro sobrevivente das formações dos anos 70, Jan Schelhaas nos teclados, e Lee Pomeroy no baixo e Mark Walker na bateria.


Goodbye Yellow Brick Road (ELTON JOHN)

Em 1973, Sir Elton ainda não estava no auge, mas estava chegando perto. E depois de ser bem-sucedido com “Don’t Shoot Me, I’m Only the Piano Player”, ele jogou uma carta arriscada: um álbum duplo de estúdio. Nessa altura, Elton já tinha lançado seis álbuns de estúdio (dois deles lideraram a parada americana), um ao vivo e uma trilha sonora, mas este seria seu maior sucesso – já superou mais de vinte milhões de cópias. Inicialmente programado para ser feito na Jamaica, “Goodbye…” acabou tendo suas gravações no infame Chateau D’Herouville, na França – onde em duas semanas 22 músicas foram gravadas, e 17 (18, se você separar “Funeral for a Friend” de “Love Lies Bleeding”) lançadas no disco final. O lado A traz a dobradinha “Funeral for a Friend/Love Lies Bleeding”, a primeira instrumental e quase progressiva, a outra um rock até pesado para o padrão de Elton, bem como a muito bem-sucedida “Bennie and the Jets”, passando por “Candle in the Wind”, a linda homenagem de Bernie Taupin a Marilyn Monroe, posteriormente regravada com nova letra para Lady Di (o que levou o eternamente sarcástico Keith Richards a tirar um sarro de Elton, dizendo que ele só sabe fazer música para loiras mortas). Virando o lado, tem-se a bela faixa-título, uma das músicas mais conhecidas do disco, seguida pela bobinha “This Song Has No Title” e por “Grey Seal”, que fora composta e gravada em 1970 (mas permanecia inédita), esta uma das melhores músicas pouco conhecidas de Elton, na minha opinião. “Jamaica Jerk-Off” traz Elton como Reggae Dwight, um experimento no reggae até legal (confesso que não sou fã do ritmo…), e a bela balada “I’ve Seen that Movie Too” encerram o primeiro disco.

No segundo disco, “Sweet Painted Lady” lembra um pouco o jazz dançante dos anos 30 e 40, enquanto “The Ballad of Danny Bailey (1909-34) e “Dirty Little Girl” são músicas menos marcantes no contexto do disco. Não que sejam ruins; muita gente mataria para compor uma melodia como “Danny Bailey…”, mas num álbum recheado de grandes
momentos a música não se destaca, e “Dirty…” tem um arranjo com guitarras pesadas que eu curto bastante. “All The Girls Love Alice” fala de lesbianismo entre adolescentes, uma letra que deve ter chocado os mais conservadores, mas independentemente de qualquer consideração sobre a temática, a música é boa, mais uma vez com guitarras pesadas. O lado B do segundo disco traz a dose dupla de rock, “Your Sister Can’t Twist (But She Can Rock’n’Roll)”, com forte influência da passagem dos anos 50 para os 60, e “Saturday’s Night Alright for Fighting”, esta última provavelmente minha música favorita de Elton John; a tristemente nostálgica “Roy Rogers” reflete a paixão de Taupin pelo Velho Oeste, e “Social Disease”, outra música mais balançada e com um bom solo de sax. O disco encerra com a doce “Harmony”, talvez não a música ideal para fechá-lo, mas uma balada bem construída e que agradou em cheio os fãs de Elton.

Após este álbum, Elton continuaria sua carreira de sucesso em 1974 com o fraco “Caribou” e a coletânea “Greatest Hits”. Com “Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy” ele se recuperaria, pois é um de seus melhores discos, apenas para escorregar de novo com “Rock of the Westies”. “Blue Moves”, outro álbum duplo, colocaria a parceria entre Elton e Bernie na geladeira, e depois de 1976 a carreira do pianista de óculos extravagantes teria mais baixos do que altos. Mas, tudo bem; se ele não tivesse gravado mais nada de bom, seu lugar entre os maiores músicos da história do rock estaria garantido com Goodbye Yellow Brick Road.


These Foolish Things (BRYAN FERRY)

Depois de dois discos com o Roxy Music (o álbum de estreia lançado em junho de 1972 e o segundo, For Your Pleasure, em março de 1973), Bryan Ferry simplesmente já não cabia mais nos limites de sua própria banda, e este disco de covers representaria o primeiro passo de sua carreira-solo – e apenas um mês depois deste o Roxy lançaria seu terceiro álbum, “Stranded”. Se nos dois primeiros álbuns da banda Ferry compôs todas as músicas, no álbum solo ele apenas regravou músicas favoritas – e usou os serviços de Phil Manzanera, Paul Thompson, John Porter e Eddie Jobson, todos integrantes do Roxy. Os saxes, por outro lado, foram fornecidos por Roger Ball e Malcolm Duncan, da Average White Band. Vários outros músicos contribuíram para o álbum.

Bryan Ferry registrou 13 músicas, que vão desde a clássica faixa-título da década de 30 até composições mais recentes de Bob Dylan, dos Beatles, dos Beach Boys, e até “Sympathy for the Devil” dos Rolling Stones. “A Hard Rain’s A-Gonna Fall” perde o ar fúnebre da gravação de Dylan, o que tira muito de seu impacto, mas soa como uma gravação do Roxy Music, indicando que o vocalista queria reimaginar as músicas. A balada “River of Tears” combina mais com Ferry e é um ponto alto do álbum, bem como “Piece of My Heart”, numa interpretação mais contida do que a desesperada versão de Janis Joplin, mas não menos interessante. Ferry revisita Elvis e o rock dos anos 50 numa divertida interpretação de “You’re So Square”, e quando chega em “Sympathy for the Devil”, ele e seus músicos dão um show num arranjo bastante criativo que praticamente só preserva os backing vocals com seus “ooh-ooh”. “You Won’t See Me”, dos Beatles, é outro destaque, com seu andamento animado levado no piano. Mas é em “These Foolish Things” que Ferry alcança o ponto mais elevado do disco; a última música é aquela em que ele está totalmente à vontade, acompanhado inicialmente só pelo piano e pelo saxofone até a banda inteira o acompanhar.

O cantor, esperto, deixou o melhor para o final… Bryan Ferry continuaria sua carreira-solo fazendo regravações nos álbuns seguintes, “Another Time, Another Place” e “Let’s Stick Together”, passando para um inteiramente composto por músicas originais em 1976, com “In Your Mind” – mas aí o Roxy estava na geladeira. Após o fim do Roxy Music, Bryan retomou sua carreira solo com “Boys and Girls”, mas só em 1993 voltaria a lançar um novo álbum de covers (“Taxi”), dedicando um disco inteiro a regravar Bob Dylan (“Dylanesque”) e outro ao Great American Songbook, “As Times Goes By”. Com quase 80 anos nas costas, pode ser que não se ouça mais nada de novo de Bryan Ferry, mas “These Foolish Things” está aí para quem quiser ouvir o cantor se divertindo com suas músicas favoritas na época.


1973 foi um acidente?

Nem tanto. Ao longo dos anos, muitos outros discos importantes foram lançados no dia 5 de outubro. Dentre eles, Led Zeppelin III (1970), que dispensa apresentações, o segundo do The Police – e um dos melhores discos deles, na minha opinião –, Regatta de Blanc (1979), Speak & Spell (1981), estreia do Depeche Mode, e Wrong Way Up (1990), colaboração entre Brian Eno e John Cale. Alguma coisa acontece no alinhamento astral de 5/10, e saem bons discos. Who knows what tomorrow may bring?

5 comentários sobre “5/10/1973 – Quatro Discos De Uma Data Especial

  1. Curioso que três dos quatro discos são de expoentes do Glam Rock, que vivia já o início do seu fim exatamente em 1973. E todos eles discaços heinhô Marcello!!!

    1. Não tinha feito essa associação, mas procede! Quando vi que todos tinham sido lançados na mesma data, fiquei pensando, “quatro discaços no mesmo dia? Quais as chances?” Obrigado pelo comentário!

  2. Desses quatro cinquentões de hoje, o meu favorito é o do Elton John. Não a toa, GYBR ainda é seu best-seller, apesar de atualmente não mais ser visto como o número 1 de seus melhores álbuns – posto que hoje pertence ao Captain Fantastic & the Brown Dirt Cowboy, do qual tardiamente reconheci seu pleno valor e que se tornou agora um dos meus favoritos do astro pop britânico.

    1. “Goodbye…” é uma das melhores coisas que Elton fez em toda a sua vida! As músicas mais fracas são todas boas, e só perdem porque as boas são sensacionais! Concordo com “Captain Fantastic…” como o melhor.
      Dessa lista é difícil escolher o meu favorito (só o de Bryan Ferry fica abaixo dos demais), mas tenho um carinho especial pelo do Caravan. Obrigado por comentar, Igor!

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