Ave Colosseum, Morituri te Salutant
Conheça hoje a primeira postagem por Marco Gaspari (Publicada originalmente em 08 de fevereiro de 2011)
Quando Roma mandava no mundo, os bretões não passavam de bárbaros. Na segunda metade dos anos 60 do século XX, porém, quando a Inglaterra mandava no mundo do rock, um dos maiores símbolos da civilização romana, o Coliseu, serviu de inspiração para alguns bretões oferecerem ao povo o pão da boa música e o circo da performance irresistível. Plateia alguma seria capaz de permanecer indiferente diante do som produzido com sangue e muito talento pelos gladiadores do Colosseum.
“Uma banda é uma coleção de pessoas: se juntar as forças certas, você tem um todo muito forte… mas tem que tirar o melhor dessas pessoas e só usar as melhores partes de cada uma. Se tentar fazer com que elas toquem o que não são capazes, você não vai a lugar algum… o Colosseum é uma coleção de forças…”
O autor das palavras acima é Jon Hiseman, e ele sabe muito bem do que está falando porque frequentou duas das mais importantes escolas de liderança do rock inglês nos anos sessenta: a de Graham Bond e a de John Mayall.
Hiseman nasceu Philip John em 1944 no distrito londrino de Woolwich. Estudou piano e violino quando criança e foi descobrir que amava a bateria no começo de sua adolescência. Seu gosto pelo jazz já se manifestava nessa época e dos 13 aos 15 anos, junto com seus amigos Dave Greenslade ao piano e Tony Reeves no baixo, formou um trio que ganhava todos os concursos patrocinados pela igreja metodista local.
Nos primeiros anos da década de 60, os três já tocam semiprofissionalmente em várias bandas de rhythm’n’blues e de jazz londrinas, como o The Wes Minster Five e o The New Jazz Orchestra. Em 1964, Greenslade já é um dos Thunderbirds de Chris Farlowe.
The New Jazz Orchestra era uma espécie de big band onde Jon Hiseman tocava bateria bem o suficiente para que, em um ensaio, chamasse a atenção de Graham Bond, que procurava justamente um substituto para a saída de ninguém menos que Ginger Baker da sua Organisation. Estamos entre 65 e 66 e Baker e Jack Bruce haviam abandonado Graham Bond para formar o Cream junto com Eric Clapton. Neste meio tempo, Tony Reeves já dava seus primeiros passos na produção de discos, trabalhando para a Decca e depois para o selo Pye.
Hiseman toca um ano com a Organisation, época em que estreita a amizade com o saxofonista Dick Heckstall-Smith, que entrou para a banda anos antes no lugar de John McLaughlin. Ao sair e depois de passar quatro meses tocando com Georgie Fame, Hiseman recebe um telefonema de Graham Bond dizendo que foi deixado na mão por seu baterista e que precisava de seus serviços para uma apresentação no lendário Klook’s Kleek. Na noite do show, quem estava na plateia era John Mayall, que ficou impressionado com a performance do baterista. Algumas noites depois, ao voltar para casa após um show com a banda de Georgie Fame, Jon encontrou Mayall à sua espera na porta de sua casa. Naquela noite ele se tornaria membro dos Bluesbreakers (no lugar de Keef Hartley), cuja nova formação contava com seus colegas Heckstall-Smith e Tony Reeves.
Estamos na segunda metade de 1967 e esta seria a última formação dos Bluesbrakers de John Mayall: Hiseman na bateria, Reeves no baixo, Heckstall-Smith, Chris Mercer e Henry Lowther nos metais e violino, Mick Taylor (substituindo Peter Green) na guitarra e Mayall nos vocais, harmônica, teclados e guitarra. Em abril de 1968 a banda entra em estúdio para a gravação do álbum Bare Wires que, entre outras façanhas, seria o primeiro álbum de John Mayall a fazer sucesso nos Estados Unidos.
Hiseman diz que foi logo após o lançamento do álbum, enquanto Mayall estava em férias nos EUA e o resto da banda aproveitava suas 3 semanas de folga, que ele começou a desenhar o que viria a ser o Colosseum. Ele já havia conversado algumas vezes com Heckstall-Smith e para eles a banda ideal teria que ter membros cuja identidade musical agregasse força ao conjunto. Nada de músicos drogados ou do tipo disperso ou de passagem. Quando a folga acabou, Hiseman fala da nova banda com Reeves, Heckstall-Smith e Dave Greenslade (que por essa época estava no grupo The Remo Four). E como Londres tinha uma acústica natural para propagar fofocas, quando Mayall voltou de férias já sabia que seu baterista estava deixando a banda e levando boa parte dela consigo.
VENI
Formar uma banda na Londres de 1968 era quase tão corriqueiro quanto o chá das cinco. Mas uma cidade que havia fornecido o contingente para a famosa British Invasion – e que vivia ainda em plena revolução sonora e de costumes da Swinging London – já não se impressionava com qualquer coisa que surgisse. Hiseman e Heckstall-Smith eram músicos de reconhecido gabarito e a princípio tinham planos de levar adiante aquela mistura de rock, jazz e blues que eles aprenderam a gostar na passagem pela banda de Graham Bond, mas já intuindo o fusion e acrescentando algo a mais: a música clássica.
Com Greenslade nos teclados e Reeves no baixo, faltava ainda um guitarrista e o primeiro a ser adotado foi Jim Roche. Isso não impediu, porém, que a banda colocasse um anúncio no Melody Maker procurando músicos para a vaga. Poucas semanas depois já haviam trocado Roche pelo novato James “Butty” Litherland, que daria conta também dos vocais.
O Colosseum seria conhecido como uma das bandas que mais tocaram ao vivo em toda a história do rock. Foram três anos de excursões e apresentações praticamente ininterruptas, muitas vezes gravando seus álbuns de dia e se apresentando à noite. Sua estréia ao vivo aconteceu em Newcastle e logo chamou a atenção de John Peel que agendou uma apresentação da banda no seu programa Top Gear, na BBC Radio One.
O sucesso foi tanto que os críticos saíram espalhando elogios pela mídia e não demorou quase nada para que o selo Fontana acenasse para eles um contrato para a gravação de seu primeiro LP.
Those Who Are About To Die Salute You foi lançado em março de 1969 e alcançou a 15ª colocação na parada inglesa. Nesta estréia, Hiseman e Heckstall-Smith prestam seu tributo a Graham Bond através da fantástica versão de “Walking in the Park”. Mas é em “Beware the Ides of March” que a banda apresenta o cartão de visitas, com seu fusion de jazz-blues-rock-clássico alcançando altos graus de energia e já prenunciando o som progressivo que iria ser a marca do rock nos primeiros anos da década de 70.
VIDI
Com a agenda de shows começando a lotar e a babação de ovo dos críticos virando lugar comum, a banda recebe novamente um convite da BBC, desta vez para ser uma das atrações do seu programa Super Sessions, ao lado de Led Zeppelin, Modern Jazz Quintet, Jack Bruce, Eric Clapton, Stephen Stills, Juicy Lucy e Roland Kirk Quartet. Numa jogada ousada e premonitória, eles decidem mudar de selo e aceitar o convite da Philips para serem o carro chefe do seu novo selo Vertigo, dedicado aos grupos que estavam surgindo no novo cenário do rock, já batizado de progressivo.
Valentyne Suite, o novo álbum do Colosseum, recebeu a numeração VO 1 e foi o primeiro LP a ser lançado pela Vertigo, em novembro de 1969. Para muitos é a obra-prima do grupo e isso se deve, principalmente, à faixa homônima que ocupa todo o lado 2 e onde Hiseman, Greenslade e Heckstall-Smith simplesmente arrasam: o primeiro mostrando que a bateria já tinha registrado em cartório o estilo Hiseman de tocar, o segundo apresentando suas credenciais de grande rival de Keith Emerson na época e o terceiro fazendo o ouvinte jurar que John Coltrane estava vivo e morando dentro do seu saxofone. Em seu lançamento, Valentyne Suite também repetiu o sucesso do álbum de estreia, chegando à 15ª posição nas paradas.
O Colosseum neste momento excursionava por toda a Europa e se viu diante de um problema quando James Litherland resolveu sair da banda (formaria a seguir o Mogul Trash). Eles não estavam perdendo apenas um guitarrista, mas também um vocalista afinado com a proposta do grupo. A solução foi convencer Dave “Clem” Clempson a abandonar o Bakerloo (o que acabou definitivamente com este fantástico power-trio inglês) e juntar seu talento ao Colosseum.
Com esta formação é lançado o terceiro álbum do grupo, The Grass is Greener, mas apenas nos Estados Unidos e com características muito peculiares: a capa é a mesma do Valentyne Suite, variando um pouco a coloração; o conteúdo do álbum é uma espécie de híbrido, pois traz apenas duas músicas novas e diferentes versões de músicas já gravadas. James Litherland aparece ainda nos créditos já que é dele os vocais na canção “Elegy”, mas o cantor mesmo é Clem Clempson que, apesar de ser um magnífico guitarrista, demonstra não ter voz suficiente para segurar uma banda de tamanho quilate.
Enquanto isso, na Europa, Tony Reeves decide abandonar a loucura diária que é o Colosseum para se dedicar à produção de discos. Hiseman então recrutou Louis Cennamo para assumir a banda e um mês depois o substituiu por Mark Clarke. Clarke ainda era um novato e segundo Hiseman afirmou em uma entrevista anos mais tarde (e em tom de brincadeira) “tinha uma bela voz, mas ainda não sabia disso”. Ciente de que Clem Clempson deveria se dedicar apenas à guitarra e fazer as vezes de segunda voz, Greenslade procurou Hiseman e comunicou que Chris Farlowe estava disponível no mercado. A amizade de Greenslade com Farlowe já vinha da época dos Tunderbirds e isso facilitou e muito a vinda desse superstar para assumir os vocais do Colosseum.
VICI
Cennamo, Clarke, Clempson, Farlowe, Greenslade, Heckstall-Smith, Hiseman e a saxofonista Barbara Thompson (esposa do baterista), todos eles aparecem na ficha técnica do quarto LP do Colosseum, lançado pela Vertigo em dezembro de 1970. Daughter of Time apresenta uma banda muito mais pesada, consistente e com todos os atributos para assumir finalmente a sua condição de super grupo, transformando prestígio em cifras gigantescas por toda a Europa.
Depois de nove meses encabeçando festivais na Inglaterra, Itália, Alemanha e Escandinávia, a banda planeja gravar algumas apresentações para o lançamento de um álbum ao vivo. Hiseman havia gostado tanto de uma apresentação que a banda fizera na Universidade de Manchester que resolve marcar um show gratuito no mesmo local no dia 18 de março e gravá-lo para o disco. Um outro show gravado teve lugar no Big Apple de Brighton no dia 27. Colosseum Live marca a estréia da banda no recém criado selo Bronze e saiu como álbum duplo em setembro de 1971. É tido por muitos como um dos maiores discos ao vivo da história do rock, uma verdadeira aula de uma banda capturada no auge de sua existência.
Para surpresa geral, entretanto, essa banda no auge da carreira resolve encerrar suas atividades no final daquele ano, logo após a saída de Clem Clempson para substituir Peter Frampton no Humble Pie. Segundo Hiseman, depois da gravação do álbum Live, eles sentiam que não poderiam mais evoluir e não seria interessante para ninguém continuar repetindo aquilo que já fizeram. Precipitada ou não, a decisão de encerrar com o Colosseum reflete também uma mudança no cenário musical da época, onde uma banda com sonoridade tão sofisticada começava a perceber que seu espaço (e o seu público) seria em breve ocupado por grupos com apelo mais pop e shows super produzidos.
Após a separação, Dave Greenslade e Tony Reeves formaram o Greenslade; Chris Farlowe partiu para o Atomic Rooster; Dick Heckstall-Smith preferiu seguir carreira solo; Mark Clarke deu uma passadinha pelo Uriah Heep, mas logo juntou-se a Jon Hiseman na formação do Tempest; e o selo Bronze, que provavelmente achou que tinha ouro nas mãos quando assinou com o Colosseum, não perdeu tempo em colocar na praça a coletânea Collectors Colosseum, com algum material inédito junto com os clássicos da banda.
Em 1975, Hiseman ainda formaria o Colosseum II juntamente com o guitarrista Gary Moore. Apesar do nome, a idéia não era resgatar a antiga banda, uma vez que foi batizada originalmente de Ghosts, e Colosseum II surgiu por uma exigência de Gerry Bron para empresariar a banda. O Colosseum, mesmo, só ressurgiria em 1994, mas isso já é uma outra história.
Esse Marco é fera!!!!
Faz falta por aqui.
Não tem jeito….vou ter que ouvir o Colosseum hoje.
Colosseum foi uma das mais fantásticas reuniões de talentos da história do rock, sem dúvidas. O único senão é Chris Farlowe, cujos maneirismos vocais são um pouco cansativos (embora sem dúvida ele tenha uma voz excelente). Mas Jon Hiseman é indubitavelmente um dos maiores bateristas britânicos da história, e Dick Heckstall-Smith impressionou mais de um jazzista veterano por aí…